“O presidente não gosta dos pobres. Ele, um homem de esquerda, os chama em privado de 'os sem-dentes', muito feliz de sua sacada”. De todas as revelações feitas em Merci pour ce moment (“Obrigada por este momento”, em tradução livre), o livro de Valérie Trierweiler, ex-companheira do presidente francês, François Hollande, esta é a que teve a maior repercussão e que vai ficar na história.
Apesar do escândalo, parece que, se forem verdadeiras, estas palavras revelam um presidente afinado com a maioria da população. O Credoc (Centro de pesquisa para o estudo e a observação das condições de vida, a principal referência estatística sobre os hábitos dos franceses) acabou de publicar um relatório que mostra, pela primeira vez, uma queda da benevolência dos franceses em relação aos mais pobres.
Agência Efe
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Enquanto a pobreza aumentou sem parar na França desde a crise de 2008 (chegando a 14,3% da população em 2011, o nível mais alto desde 1996), a “solidariedade com os pobres já não aparece mais como um traço unificador da sociedade francesa”, explica Régis Bigot, um dos autores do relatório. Até agora, a França parecia uma exceção numa Europa cada vez mais individualista. “Essa mudança de opinião é surpreendente, porque geralmente, em épocas de crise, os franceses costumavam demonstrar mais compaixão e pedir mais intervenção dos poderes públicos; diferentemente disso agora eles apontam os efeitos perversos das políticas sociais, que acabariam tirando a responsabilidade da população”, diz.
A maioria dos franceses tem medo do desemprego – que já chegou a 10% da população. Isso não impede que mais de dois terços da população considerem que “se os desempregados quisessem mesmo trabalhar, eles iam encontrar algo”. Além disso, 37% dos franceses acham que as pessoas pobres não fazem nada para sair de sua situação. Em 2009, essa proporção era de 25%.
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O apoio ao chamado “Estado-Previdência” está diminuindo de maneira acelerada. Para 76% das pessoas pesquisadas, hoje “é mais interessante para um pobre receber os subsídios do Estado do que ter um emprego com salário baixo”.
A visão das famílias com crianças – que recebem um espécie de Bolsa Família – também mudou radicalmente. Em 2008, 31% consideravam que eles recebiam uma ajuda suficiente e que não precisavam de mais. Hoje, esta virou a opinião de 63%.
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Como explicar essa reviravolta? Para o Credoc, ela pode ser o resultado das dificuldades enfrentadas pela classe média. “Com o aumento de muitos gastos do dia a dia (energia, transportes, habitação, etc.), mais de dois terços dos franceses começaram a adotar restrições orçamentárias regulares. Eles têm a sensação de não dar mais conta e de não ter nenhuma ajuda do Estado”, explica Régis Bigot. O Credoc também considera que o ceticismo sobre a ação política acaba incentivando as pessoas a escolherem uma estratégia de sobrevivência individual.
O impacto sobre a política fiscal e a distribuição de renda já é visível. Em 2012, quando François Hollande se elegeu, prometendo taxar em 75% a renda dos mais ricos, esta idéia contava com o apoio de 71% da população. Hoje, esta percentagem caiu para 55%. As grandes fortunas do país agradecem.