Na segunda parte da entrevista concedida ao jornalista francês Salim Lamrani, a dissidente cubana Yoani Sánchez, dona do blog Generación Y, relata os motivos que a levaram a deixar a Suíça, onde viveu por dois anos, para regressar à Cuba. Segundo ela, as saudades da família e a culpa por usufruir de sapatos e da internet no exterior a fizeram voltar para a ilha caribenha.
Leia mais:
Primeira parte: Em entrevista, blogueira Yoani Sánchez não explica suas contradições
Terceira Parte: Blogueira dissidente afirma ser contra embargo a Cuba e tenta explicar proximidade com Obama
Em 2002, a
senhora decidiu emigrar para a Suíça. Dois anos depois, voltou a
Cuba. É difícil entender por que a senhora deixou o “paraíso
europeu” para regressar ao país que descreve como um inferno. A
pergunta é simples: por quê?
É uma ótima
pergunta. Primeiro, gosto de nadar contra a corrente. Gosto de
organizar minha vida à minha maneira. O absurdo não é ir embora e
voltar a Cuba, e sim as leis migratórias cubanas, que estipulam que
toda pessoa que passa onze meses no exterior perde seu status de
residente permanente. Em outras condições eu poderia permanecer
dois anos no exterior e, com o dinheiro ganho, voltar a Cuba para
reformar a casa e fazer outras coisas. Então o surpreendente não é
o fato de eu decidir voltar a Cuba, e sim as leis migratórias
cubanas.
O mais
surpreendente é que, tendo a possibilidade de viver em um dos países
mais ricos do mundo, a senhora tenha decidido voltar a seu país, que
descreve de modo apocalíptico, apenas dois anos depois de sua saída.
As razões são
várias. Primeiro, não pude ir embora com minha família. Somos uma
pequena família, mas minha irmã, meus pais e eu somos muito unidos.
Meu pai ficou doente em minha ausência e tive medo de que ele
morresse sem que eu pudesse vê-lo. Também me sentia culpada por
viver melhor do que eles. A cada vez que comprava um par de sapatos,
que me conectava à internet, pensava neles. Sentia-me culpada.
Certo,
mas, da Suíça, a senhora podia ajudá-los enviando dinheiro.
É verdade, mas há
outro motivo. Pensei que, com o que havia aprendido na Suíça,
poderia mudar as coisas voltando a Cuba. Há também a saudade das
pessoas, dos amigos. Não foi uma decisão pensada, mas não me
arrependo. Tinha vontade de voltar e voltei. É verdade que isso pode
parecer pouco comum, mas gosto de fazer coisas incomuns. Criei um
blog e as pessoas me perguntaram por que eu fiz isso, mas o blog me
satisfaz profissionalmente.
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Entendo.
No entanto, apesar de todas essas razões, é difícil entender o
motivo de seu regresso a Cuba quando no Ocidente se acredita que
todos os cubanos querem abandonar o país. É ainda mais
surpreendente em seu caso, pois a senhora apresenta seu país,
repito, de modo apocalíptico.
Como filóloga, eu
discutiria a palavra, pois “apocalíptico” é um termo
grandiloquente. Há um aspecto que caracteriza meu blog: a moderação
verbal.
Não é
sempre assim. A senhora, por exemplo, descreve Cuba como “uma
imensa prisão, com muros ideológicos”. Os termos são
bastantes fortes.
Nunca escrevi
isso.
São as
palavras de uma entrevista concedida ao canal francês France 24 em
22 de outubro de 2009.
O senhor leu isso
em francês ou em espanhol?
Em
francês.
Desconfie das
traduções, pois eu nunca disse isso. Com frequência me atribuem
coisas que eu não disse. Por exemplo, o jornal espanhol ABC me atribuiu palavras que eu nunca havia pronunciado, e protestei. O
artigo foi finalmente retirado do site na internet.
Quais eram
essas palavras?
“Nos
hospitais cubanos, morre mais gente de fome do que de enfermidades.”
Era uma mentira total. Eu jamais havia dito isso.
Então a
imprensa ocidental manipulou o que a senhora disse?
Eu não diria
isso.
Se lhe
atribuem palavras que a senhora não pronunciou, trata-se de
manipulação.
O Granma manipula a realidade mais do que a imprensa ocidental ao afirmar que
sou uma criação do grupo midiático Prisa.
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Justamente, a senhora não tem a impressão de que a imprensa
ocidental a usa porque a senhora preconiza um “capitalismo sui
generis” em Cuba?
Não sou
responsável pelo que a imprensa faz. Meu blog é uma terapia
pessoal, um exorcismo. Tenho a impressão de que sou mais manipulada
em meu próprio país do que em outra parte. O senhor sabe que existe
uma lei em Cuba, a lei 88, chamada lei da “mordaça”, que
põe na cadeia as pessoas que fazem o que estamos fazendo.
O que isso
quer dizer?
Que nossa conversa
pode ser considerada um delito, que pode ser punido com uma pena de
até 15 anos de prisão.
Perdoe-me,
o fato de eu entrevistá-la pode levá-la para a cadeia?
É claro!
Não tenho
a impressão de que isso a preocupe muito, pois a senhora está me
concedendo uma entrevista em plena tarde, no saguão de um hotel no
centro de Havana Velha.
Não estou
preocupada. Esta lei estipula que toda pessoa que denuncie as
violações dos direitos humanos em Cuba colabora com as sanções
econômicas, pois Washington justifica a imposição das sanções
contra Cuba pela violação dos direitos humanos.
Se não me
engano, a lei 88 foi aprovada em 1996 para responder à Lei-Helms
Burton e sanciona sobretudo as pessoas que colaboram com a aplicação
desta legislação em Cuba, por exemplo fornecendo informações a
Washington sobre os investidores estrangeiros no país, para que
estes sejam perseguidos pelos tribunais norte-americanos. Que eu
saiba, ninguém até agora foi condenado por isso. Falemos de
liberdade de expressão. A senhora goza de certa liberdade de tom em
seu blog. Está sendo entrevistada em plena tarde em um hotel. Não
vê uma contradição entre o fato de afirmar que não há nenhuma
liberdade de expressão em Cuba e a realidade de seus escritos e suas
atividades, que provam o contrário?
Sim, mas o blog
não pode ser acessado de Cuba, porque está bloqueado.
Posso lhe
assegurar que o consultei esta manhã antes da entrevista, no hotel.
É possível, mas
ele permanece bloqueado a maior parte do tempo. De todo modo, hoje em
dia, mesmo sendo uma pessoa moderada, não posso ter nenhum espaço
na imprensa cubana, nem no rádio, nem na televisão.
Mas pode
publicar o que tem vontade em seu blog.
Mas não posso
publicar uma única palavra na imprensa cubana.
Na França,
que é uma democracia, amplos setores da população não têm nenhum
espaço nos meios, já que a maioria pertence a grupos econômicos e
financeiros privados.
Sim, mas é
diferente.
A senhora
recebeu ameaças por suas atividades? Alguma vez a ameaçaram com uma
pena de prisão pelo que escreve?
Ameaças diretas
de pena de prisão, não, mas não me deixam viajar ao exterior. Fui
convidada há pouco para um Congresso sobre a língua espanhola no
Chile, fiz todos os trâmites, mas não me deixam sair.
Deram-lhe
alguma explicação?
Nenhuma, mas quero
dizer uma coisa. Para mim, as sanções dos Estados Unidos contra
Cuba são uma atrocidade. Trata-se de uma política que fracassou.
Afirmei isso muitas vezes, mas não se publica, pois é incômodo o
fato de eu ter esta opinião que rompe com o arquétipo do opositor.
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