O Conselho de Segurança da ONU renovou nesta terça-feira (14/10) por mais um ano a presença dos chamados capacetes azuis no Haiti. A medida é tomada, assim, um dia antes do vencimento do atual mandato da Minustah (Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti). A resolução foi patrocinada pelos Estados Unidos e aprovada por unanimidade. Movimentos sociais latino-americanos realizaram, nos últimos dias, diversas ações contra a manutenção das tropas na ilha caribenha.
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O Conselho, formado por 15 membros, informou que a missão terá a tarefa de manter a segurança no contexto das próximas eleições parlamentares e locais, previstas para o dia 26 de outubro, e também nas presidenciais, que deverão ocorrer em 2015.
Apesar da aprovação unânime, diversos países latino-americanos manifestaram contrariedade à medida por considerar que a segurança no país não melhorou o suficiente para a retirada das tropas, posição defendida por Chile, Argentina e Guatemala.
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O texto aprovado pede que os políticos haitianos “trabalhem cooperativamente e sem mais atrasos para a realização urgente das eleições legislativas, municipais e para senadores de forma transparente, segura e inclusiva”. O processo eleitoral no país está três anos atrasado.
A chefe da Minustah, Sandra Honoré, afirmou que “poderá haver vazio de poder se as eleições não forem celebradas até o final do ano, já que o mandato parlamentar se encerra em 12 de janeiro”.
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Em novembro de 2013, o presidente uruguaio, José Pepe Mujica, chegou a conversar com a mandatária brasileira, Dilma Rousseff, sobre a retirada de tropas militares do país no Haiti. “Uma coisa é ajudar o povo haitiano para que se construa uma polícia [local]. Outra é estar lá indefinidamente com um regime que ao menos nos faz duvidar quanto à continuidade de renovação democrática”, disse Mujica durante entrevista concedida a uma TV uruguaia.
Agência Efe
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Um dos principais objetivos do Brasil no Haiti é capacitar a Polícia Nacional Haitiana como a principal força de segurança do país. No entanto, ele ainda não foi alcançado, apesar da destinação de R$ 2,11 bilhões à missão.
10 anos de Minustah
A missão da ONU teve início na ilha caribenha em 2004, após golpe contra o presidente Jean-Bertrand Aristide, eleito em 2001. Em artigo publicado na Red Voltaire, o jornalista Thierry Meyssan afirma que Washington patrocinou grupos armados para fomentar a derrocada do líder adepto da corrente Teologia da Libertação, da Igreja Católica. Aristide foi então “sequestrado” do Palácio Presidencial e levado a Miami para ser julgado por tráfico de drogas.
Após a queda de Aristide e a consequente desestabilização política no país, teve início uma ocupação militar realizada pelos Estados Unidos com o apoio de Canadá e França.
Tempos depois, o presidente provisório Boniface Alexandre solicitou à ONU uma intervenção internacional para “restabelecer a paz e a segurança interna no país”. Assim, em 1º de junho, o Conselho de Segurança aprovou a criação da Minustah, cujo braço militar é liderado pelo Brasil.
O terremoto de 2010, que matou 240 mil pessoas e deixou 1,5 milhão de desabrigados, agravou ainda mais a situação do país. Após o desastre, os capacetes azuis assumiram responsabilidades na reconstrução do país como a reforma das forças políticas, o desarmamento de gangues locais, a proteção dos direitos humanos, a garantia do cumprimento da lei e a melhoria da infraestrutura local.
Críticas
Em entrevista ao site Carta Maior, o pesquisador haitiano Francy Seguy esclarece que o controle da nação caribenha, situada na ilha Hispaniola, sempre foi estratégico para os Estados Unidos. Ainda no início do século 20, o país norte-americano ocupou o Haiti por 19 anos, a partir de 1915, encerrando a disputa entre as potências França, Alemanha e Inglaterra pela região.
O haitiano nega, no entanto, o caráter humanitário da missão da ONU. “Quando houve um movimento a favor do reajuste do salário mínimo, em 2009, as tropas brasileiras, principalmente em Porto Príncipe, baixaram a mais tremenda repressão no movimento”. Ele argumenta que esse é o “papel” da Minustah: “reprimir os movimentos sociais e operários toda vez que eles procuram mudanças na estrutura social do país”.
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De acordo com Seguy, “o povo haitiano e os movimentos sociais querem que a Minustah saia do país. E não é sair amanhã ou depois. É sair agora”, aponta. Ele sustenta ainda que a missão tem o objetivo de “estabilizar a ordem existente, para que o trabalhador continue ganhando US$ 4 por dia — que é o salário no Haiti hoje — enquanto os capitalistas exploram a mão de obra haitiana”.
Um chamado de movimentos sociais da ilha caribenha, que convocaram uma série de mobilizações para que um novo mandato das forças de estabilização não fosse aprovado, denuncia que “após dez anos de ocupação, o país se encontra em uma grave crise política e institucional, com clara regressão democrática e repressão aos movimentos sociais”.
O movimento também denuncia, em carta, que os capacetes azuis “violaram mulheres e jovens, prostituindo meninos e meninas em troca de alimentos, usurpando escolas e outros recursos necessários para a população, contaminando a água e introduzindo a epidemia de cólera que até o fim de abril matou 8556 pessoas e deixou outras 702 mil doentes”.