O Conselho de Estado da Holanda julgará nesta quinta-feira (16/10) recurso apresentado pela Prefeitura de Amsterdã em prol da realização da parada anual de Sinterklaas, ou São Nicolau, o maior evento natalino no país. O recurso foi apresentado após sentença do Juizado Administrativo de Amsterdã no início de julho, que deu seis semanas para o prefeito Eberhard van der Laan reconsiderar a realização do desfile na cidade. No centro da controvérsia está a figura do Zwarte Piet, ou “Pedro Preto”, personagem que aparece como servo de São Nicolau e foi considerado pelo Juizado como “ofensivo” e “perpetuador de estereótipos racistas”.
Floris Looijesteijn / Flickr
Holandesas fantasiadas de Pedros Pretos na parada de São Nicolau na cidade de Haarlem, em 2012
O debate sobre a figura do Pedro Preto tem movimentado a sociedade holandesa nos últimos anos. O personagem também é parte da tradição natalina na Bélgica, mas não tem enfrentado tanta oposição no país. Na Holanda, entretanto, movimentos sociais têm ressaltado o caráter racista do personagem, promovendo protestos e exigindo uma reflexão por parte da sociedade holandesa sobre o significado dos Pedros Pretos na cultura do país.
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De acordo com o folclore natalino holandês, os Pedros Pretos são os ajudantes de São Nicolau, figura análoga ao Papai Noel, e auxiliam o bom velhinho na entrega dos presentes às crianças na noite de 5 de dezembro, véspera do dia do santo. O personagem é representado como uma espécie de bobo da corte negro, e defensores da tradição argumentam que o preto da pele dos Pedros é devido à fuligem das chaminés por que eles passam para levar os presentes às crianças. Os Pedros Pretos são invariavelmente encarnados por pessoas brancas, que fazem uso de “blackface”, maquiagem que cobre o rosto de negro, batom vermelho que realça os lábios, perucas de cabelos crespos e brincos de argola dourados. A questão levantada por opositores da tradição é que o Pedro Preto é uma caricatura racista que evidencia a malresolvida relação da Holanda com seu passado colonial e escravista.
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Um Grupo de Trabalho das Nações Unidas formado por Especialistas em Povos com Ascendência Africana esteve na Holanda em julho e também concluiu que a figura do Pedro Preto é racista. A especialista em racismo e discriminação Mireille Fanon-Mendes-France, líder do comitê, expressou surpresa com o fato de grande parte da sociedade holandesa não “ver o problema” na representação do personagem. “Entendemos que a figura seja parte de uma longa tradição cultural, mas acreditamos que esse assunto deva ser abordado nas escolas”, afirmou. A historiadora social Verene Shepherd, integrante do comitê, declarou que o personagem é um “retorno à escravidão” e também expressou surpresa com a ignorância geral do povo holandês com relação ao passado escravocrata do país. “Essa falta de conhecimento sobre a história alimenta a intolerância e o racismo, além de contribuir para que as pessoas não entendam o sentimento daqueles com ascendência africana com relação ao Pedro Preto”, comentou Shepherd.
Zwarte Piet Niet
Protesto da campanha Zwarte Piet Niet (“Pedro Preto Não”, em tradução livre) em novembro de 2013 em Amsterdã
Amsterdã realiza todos os anos a maior parada de São Nicolau no país, quando é encenada a chegada do santo e dos Pedros Pretos à Holanda. Segundo a tradição, eles partem de Madri, na Espanha, e chegam ao país pelo mar, desfilando de barco pelos canais que cortam a cidade. A prefeitura espera cerca de 400 mil espectadores para o desfile deste ano, marcado para o próximo dia 16 de novembro. O prefeito de cidade, Eberhard van der Laan, declarou em agosto que a figura do Pedro Preto passará por uma “transformação gradual” ao longo dos próximos quatro anos para que deixe de representar um estereótipo racista. A transformação já teria começado na parada de 2013, quando os Pedros Pretos de Amsterdã desfilaram sem os brincos de argolas douradas. A intenção é que o “blackface” dê lugar à fuligem no rosto do personagem.
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No entanto, em estudo realizado na primeira semana de outubro pelo instituto de pesquisas holandês Een Vandaag, 83% declararam ser contra as mudanças na aparência do Pedro Preto. Apenas 23% compreendem que pessoas negras considerem o personagem como elemento de discriminação e apenas 8% concordam que o personagem seja um estereótipo negativo.