Um projeto de lei apresentado nesta semana no Congresso chileno quer proibir a realização no país de homenagens ou exaltações de qualquer tipo à ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990) em eventos ou espaços públicos de responsabilidade do Estado.
A medida, proposta pela deputada comunista e ex-líder estudantil Karol Cariola na última terça-feira (02/12), causou controvérsia na cena política nacional tanto pelo conteúdo do diploma, quanto pelo nome: ’Ninguna calle llevará tu nombre’ (nenhuma rua terá seu nome). O documento apresentado pela parlamentar traz uma lista de locais públicos cujos nomes homenageiam pessoas, datas ou fazem referência elogiosa ao período ditatorial.
Ativistas foram ao prédio do Congresso apoiar à apresentação do projeto de lei 'Nenhuma rua terá seu nome':
“Ninguna Calle Llevara tu Nombre” Proyecto Ley @Karolcariola Prohíbe Exaltación a Dictadura Militar @Chileokulto pic.twitter.com/eas41sf8Du“
— kamiiwiis (@kamiiwiiss) 26 novembro 2014
A iniciativa da deputada chilena é semelhante à recomendação que a CNV brasileira (Comissão Nacional da Verdade) fará ao apresentar o relatório final à presidente Dilma Rousseff, na próxima quarta-feira (10/12). O órgão brasileiro quer rebatizar obras públicas do país que carreguem o nome de presidentes militares ou pessoas envolvidas com torturas, desaparecimentos e outras violações contra os direitos humanos no período.
Medidas semelhantes, porém pontuais, já foram adotadas no Chile anteriormente — como a mudança de nome, realizada no ano passado, da Avenida 11 de Setembro na capital Santiago, referência ao dia em que se consumou o golpe contra Salvador Allende. Entretanto, o projeto de Cariola é o primeiro a pretender unificar e institucionalizar a mudança de política.
Espalhadas pelo país, ainda existem mais de vinte ruas e avenidas com o mesmo nome, além das centenas de outras localidades que carregam a estirpe do ditador Augusto Pinochet, de outros membros da Junta Militar, ou até mesmo da viúva do “generalíssimo”, Lucía Hiriart de Pinochet.
Galeria de fotos registra confronto entre apoiadores de Pinochet e população em 2012:
“O Chile não pode mais conviver diariamente com homenagens aos responsáveis pelos anos mais obscuros da sua história e aos seus crimes”, assinala a deputada Karol Cariola.
“Se o Estado reconhece que o governo do ditador perseguiu e assassinou milhares de compatriotas, não podemos aceitar que a Rodovia Austral se chame Augusto Pinochet. Se o Exército fez um mea culpa, dez anos atrás, pelos crimes cometidos, não podemos manter na Escola Militar uma biblioteca com o nome do ditador que ordenou esses crimes”, continua a parlamentar, citando dois casos específicos, considerados os mais controversos da iniciativa.
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Caso da Rodovia Austral
Procuradas por Opera Mundi, fontes ligadas ao Exército chileno e autoridades de províncias austrais do país, dizem que entre os militares existe uma forte resistência ao “rebatismo” de bens públicos.
Sobretudo no caso da Rodovia Austral, a relutância é mais forte ainda. Isto, por causa da história da via. Ainda sem ter sido concluído, o projeto inicial da rodovia pretende fazer a conexão terrestre definitiva da região sul do país — fazendo com que as províncias de Aysén e Magallanes sejam enfim acessíveis por terra, e não apenas por via aérea ou marítima, como ocorre hoje. No entanto, os 1.240 quilômetros pavimentados que existem foram feitos na era Pinochet com mão de obra militar, e não através de uma construtora ou empreiteira. Por este motivo, as Forças Armadas insistem que o nome faça referência a algum símbolo da instituição militar daquela época.
Igualmente emblemático é o caso da única escultura pública que homenageia um integrante da Junta Militar. Na entrada do Museu Marítimo Nacional, na cidade de Valparaíso, há uma estátua em tamanho natural [na foto à direita] do almirante José Toríbio Merino, representante da Marinha na Junta, que cumpriu o papel de porta-voz durante a ditadura. Desde 2011, existe uma campanha na cidade de Valparaíso pedindo a sua retirada.
Eventos públicos
É importante observar que, pelo texto do projeto, somente as instâncias de responsabilidade ligada ao Estado estariam sujeitas à proibição. Desta forma, eventos que fazem apologia à ditadura, mas que sejam realizados por entes privados, continuariam a ser permitidos — a exemplo de uma manifestação, ocorrida em junho de 2012, por um grupo de simpatizantes da ditadura.
Por outro lado, órgãos públicos não poderão realizar iniciativas semelhantes, caso a lei seja promulgada. Ficariam banidas iniciativas públicas como a da prefeitura da comuna de Providência, em novembro de 2011, que sediou um encontro com ex-militares em apoio ao brigadeiro Miguel Krassnoff, ex-chefe da DINA (serviço secreto da ditadura) e cumpre a pena de prisão perpétua por violações aos direitos humanos.
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Reações políticas
Apesar de ter vivido recentemente um processo de discussão interna sobre o seu apoio ao golpe, a UDI, maior partido da direita chilena, liderou as críticas à nova proposta. O porta-voz da legenda, deputado Javier Macaya, classificou o projeto como “totalitário e baseado em ideias norte-coreanas”. E continuou: “talvez na China de Mao ou na Alemanha de Hitler pudéssemos ver algo similar”.
Por sua parte, o senador Iván Moreira, conhecido por ser um dos políticos mais próximos a Pinochet em seus últimos anos de vida, afirmou que apoiaria a proposta “se o outro lado também for punido, e acabemos com todas as homenagens a Salvador Allende nas ruas e avenidas do Chile”.
Já a professora Lorena Pizarro, presidente da AFDD (Agrupação de Familiares de Detidos Desaparecidos), elogiou a iniciativa e o fato de que o documento fala em proibir não só os nomes militares ligados à ditadura como também os nomes civis, como o do jurista e senador Jaime Guzmán, autor da Constituição de 1980, vigente até hoje. “O Chile vem relativizando o terrorismo de Estado desde o fim da ditadura, chegou a hora de estabelecer uma coerência na forma em que condenamos o que aconteceu”, comentou.