As enchentes que atingem sete municípios da região do deserto do Atacama – uma das regiões mais áridas do mundo, mas que vem sofrendo com um grande volume de chuvas – expuseram problemas políticos internos e externos do Chile: os trabalhos de resgate e atendimento têm sido afetados por uma disputa entre o governo e a oposição, buscando culpados políticos pela tragédia, e logo passaram pela negativa do governo chileno em aceitar a remessa de ajuda humanitária oferecida pela Bolívia.
Nos últimos cinco dias, choveu na região mais do que nos últimos cinco anos juntos. Isso fez com que os rios transbordassem, com o agravante de que quase todos são usados pela indústria mineira (principal atividade econômica do país) para despejar lixo tóxico. Já há 17 mortos, além de 22 desaparecidos e mais de 10 mil desabrigados.
Fotos: Agência Efe
Enchentes no Atacama já deixaram pelo menos 17 mortos e 10 mil desabrigados
A negativa em aceitar a ajuda boliviana foi a medida mais marcante da política de captação de insumos básicos adotada pelo governo, e causou revolta em albergues que reúnem desabrigados. A Bolívia ofereceu a Santiago uma ajuda de 30 toneladas de alimentos e 20 toneladas de água potável, que foi prontamente recusada pelo governo de Michelle Bachelet. A especulação de preços na área afetada elevou o preço de alguns produtos em mais de 200% – o galão de seis litros de água, que normalmente custa 1.600 pesos (cerca de R$ 8), pode ser encontrado a até 5.000 pesos (R$ 25) em algumas localidades.
A atitude chilena foi considerada por comentaristas políticos e jornalistas uma reação ao conflito que os dois países travam desde que a Bolívia iniciou um processo na CIJ (Corte Internacional de Justiça, em Haia) visando recuperar uma saída soberana ao Oceano Pacífico. O porta-voz do Palácio de La Moneda, Álvaro Elizalde, justificou a negativa de Santiago dizendo que o país agradecia o gesto dos vizinhos, mas considerava que, por enquanto, ela não era “necessária”.
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Porém, em seu programa na rádio Cooperativa, o jornalista Tomás Mosciatti opinou que o país teve outra postura diante de remessas enviadas por Japão, China e outros países asiáticos, e questionou o critério do governo. “As pessoas no norte do Chile estão passando fome e sede agora. O governo rejeita ajuda que vem do outro lado da cordilheira, que poderia chegar em questão de horas aos que a necessitam, por uma mera desavença política, mas aceita a que demorará dias para chegar por via marítima. Essas contradições poderiam ter efeitos trágicos na percepção da cidadania sobre suas prioridades”, analisou o jornalista.
Por sua ver, o ex-candidato presidencial Marco-Enríquez Ominami chamou a recusa de “erro gravíssimo”, tendo em vista a disputa entre os países em Haia. “Estamos reforçando a imagem de arrogância que alguns países projetam em nós, e além de provocar a indignação na região, onde as pessoas terão que esperar mais por uma ajuda insuficiente, ainda causamos uma má impressão internacional que poderia influir negativamente no processo na CIJ”.
Oposição questiona a resposta dada pelo governo de Bachelet às enchentes no Atacama
Problemas com a oposição
Na sexta-feira (27/03), partidos de oposição protocolaram no Congresso uma moção de repúdio contra o governo, pela suposta demora na reação e descoordenação evidenciados nos comunicados realizados pela Onemi (Departamento Nacional de Emergências) durante os primeiros dias de chuva (24 e 25 de março). Em um dos primeiros comunicados do órgão, foi dito que a previsão indicava redução das chuvas, o que não aconteceu.
Parlamentares de partidos de direita não descartam, nos próximos dias, iniciar um processo por crime de responsabilidade contra o governo e contra Bachelet.