Cada vez mais jovens brasileiros e de países africanos que sonham em triunfar no futebol europeu aterrissam em Portugal enganados pela promessa de um contrato em clubes profissionais. Sem contrato e, muitas vezes, sem salário, eles acabam em situação irregular no país e enfrentam dificuldades econômicas severas, recorrendo inclusive ao tráfico de drogas para ganhar dinheiro, denunciaram sindicatos e autoridades portuguesas. Por isso, o país tem apertado a fiscalização na área, inclusive multando clubes. Ao todo, mais de 60 clubes de diferentes divisões e associações esportivas entraram na mira da polícia portuguesa.
Calcula-se que haja mil jogadores vivendo sem documentação ou com documentos irregulares em Portugal. Eles são jovens entre 16 e 23 anos, em geral pobres e oriundos sobretudo do Brasil, Cabo Verde, São Tomé, Guiné-Bissau, Senegal e Argentina. Aspiram à vida próspera de um jogador-estrela, e para isso acreditam emigrar para o país certo. O atacante português Cristiano Ronaldo começou jogando profissionalmente no Sporting de Lisboa aos 11 anos e hoje ganha € 18 milhões a cada temporada no Real Madrid.
Flickr/nbarreto (CC)
Estádio do Benfica, em Portugal: clube foi um dos que teve a categoria de base inspecionada para averiguação de irregularidades
A maioria dos jogadores emigrados, no entanto, jamais fecha um contrato como profissional. Foi o caso do brasileiro Caio Aviles, de 22 anos, ex-jogador do Atlético-PR. Ele alegou ter sido enganado por seu agente, a quem teria pagado € 3.000 para um contrato que nunca assinou. Em condições precárias, diz ter ficado à beira da indigência antes de procurar ajuda do sindicato. O episódio abriu o debate sobre o tema no país.
Segundo o Sindicato de Jogadores Profissionais de Futebol (SJPF) de Portugal, a rede de recrutamento envolve empresários que agenciam os atletas em seus países de origem, cobrando caro por isso, e conta com a conivência de clubes e treinadores portugueses. A ideia é simples: trazer jogadores por pouco dinheiro e lucrar depois com uma transferência. Se o negócio falhar – e, pela lei da oferta e demanda, não é difícil que falhe – os jovens são abandonados à própria sorte.
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Com alguma sorte, o jovem consegue lugar em um clube pequeno para disputar campeonatos regionais. É comum que ele trabalhe sem registro ou mesmo sem salário, com a promessa de uma futura contratação. Por isso, tem de buscar alguma fonte de renda nas horas livres. Em casos drásticos, apela ao tráfico de drogas. Outras vezes, o clube o registra com outra função, como roupeiro ou jardineiro da grama, a fim de burlar a legislação especial aplicada aos atletas.
Tráfico internacional
Acredita-se que o esquema sirva para encobrir o tráfico internacional de pessoas. À frente das investigações, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) confirmou a Opera Mundi a notificação de expulsão de mais de 100 jovens jogadores em situação irregular no país.
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As situações de irregularidade mais comuns entre os jogadores incluem a ausência do “visto de residência ou o título jurídico adequado para a prática esportiva”, detalhou o organismo responsável pela emissão dos vistos de trabalho para estrangeiros. As multas aos clubes infratores têm variado entre € 50 e € 250 mil.
Diversas equipes da primeira divisão já foram inspecionadas, como as categorias de base do Benfica, Porto, Sporting de Lisboa, Belenenses, Estoril, Vitória de Setúbal, Sporting de Braga e Vitória de Guimarães.
“Não podemos aceitar que isso continue acontecendo. Este tipo de ação começa a ser uma prática habitual e deve ser proibida”, afirmou o presidente do SJPF, Joaquim Evangelista. Ele contou que jogadores vivem em condições precárias, às vezes dividindo a mesma casa pequena com sete ou oito pessoas, e sem ter qualquer fonte de renda.
Reprodução Facebook/SJPF
Joaquim Evangelista, presidente do SJPF: “Não podemos aceitar que isso continue acontecendo”
Clubes portugueses
As dificuldades financeiras que os clubes portugueses atravessam também os deixariam mais suscetíveis a entrar nesse esquema. A desigual repartição dos direitos de televisão (a maior fatia de financiamento de um clube) e as escassas receitas procedentes de direitos de exploração (venda de ingressos ou marketing) são causas para o orçamento apertado da imensa maioria dos clubes.
A título de comparação, o Porto (pelo qual despontou o brasileiro Hulk) e o Benfica (que possui o maior número de torcedores do país) têm orçamento na casa dos € 50 milhões cada. Já o do nanico Gil Vicente, que recentemente chegou à primeira divisão, soma € 3 milhões. A situação precária dos clubes pequenos levou inclusive jogadores a ameaçarem greve por falta de pagamento, como aconteceu no União de Leiria.