Para reivindicar o reconhecimento do genocídio armênio, operado pelos turcos há exatamente 100 anos, vários filhos, netos e bisnetos de sobreviventes se reuniram na tarde desta sexta-feira (24/04) em um ato intitulado “Marcha por Justiça” em frente ao Consulado da Turquia, situado no bairro dos Jardins, zona sul de São Paulo.
Desde 2010, a comunidade armênia da cidade se reúne nesta data diante da sede diplomática turca para realizar um “escracho” público contra a recusa em assumir o termo jurídico relacionado ao extermínio de 1,5 milhão de armênios pelas autoridades turcas. Segundo a Polícia Militar, esta edição contou com ao menos 150 pessoas.
Patrícia Dichtchekenian/Opera Mundi
Descendentes de armênios criticaram o que chamam de 'negacionismo' da Turquia e exigem reparações
De acordo com a organização do evento – representada pelo CNA (Conselho Nacional Armênio) e pela filial paulista do partido Tashnagtsutiun (Federação Revolucionária Armênia) – havia entre 200 e 250 pessoas no local. Para Kevork Zadikian, presidente do CNA, o consulado turco é escolhido como palco de protesto – em vez de vias mais movimentadas e tradicionalmente utilizadas para manifestações – pois “é o endereço certo que os armênios devem ir para cobrar justiça”.
“A cada ano, aumenta o número de participantes dos nossos atos. Esse centenário prova uma coisa: que há cem anos, o plano [de extermínio] dos turcos não funcionou. Estamos aqui, em todas as partes do mundo e não vamos parar até a Turquia reconhecer”, afirmou Armen Pamboukjian, um dos diretores do Tashnagtsutiun.
Grande parte das pessoas que participavam do ato se vestia de preto para expressar luto pelo massacre com as palavras de ordem: “Turquia assassina, Estado genocida”. Embora a maioria dos participantes tenha origem armênia, o ato contou com a presença de alguns membros brasileiros deghatsi (pessoas não armênias) do fã clube nacional do System of a Down.
Composta por descendentes de armênios, a banda de rock norte-americana fez show na noite de quinta-feira (23/04) no centro da capital da Armênia, Ierevan, em tributo à data.
“Depois de ouvir tantas músicas do System sobre o tema [do genocídio] nos identificamos com a causa e viemos aqui porque acreditamos que ela é muito justa”, explicou a paulistana Elisa Sato, de 22 anos. “Hoje, eu vejo o System em segundo lugar. Em primeiro, está a causa armênia”, completou Gabriela Fontoura, 20, que veio de Curitiba para participar do protesto.
Patrícia Dichtchekenian/ Opera Mundi
Ato em frente à sede diplomática turca também teve presença de armênios de outras partes do mundo
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O ato ainda contou com uma rápida apresentação de atores da peça sobre a temática intitulada “1915”, do grupo Arca, atualmente em cartaz em São Paulo. A peça tem a dramaturgia e atuação do armênio Arthur Haroyan, mas seu elenco é composto maciçamente por brasileiros. “A arte é sempre transformadora. É uma maneira que a gente consegue divulgar fatos para o mundo para que eles não se repitam”, explicou a atriz brasileira Ludmila Moreno.
Na marcha, havia ainda descendentes de armênios de outras partes do mundo, vindos de países como Síria e Líbano, que se tornaram lar de muitos cristãos armênios que fugiram do massacre e que mantêm grandes comunidades nessas nações. É o caso da libanesa Rita Garabedian, que chegou ao Brasil há cinco meses.
“Os árabes ajudaram muito os armênios, mas saí de Beirute para procurar abrigo aqui, pois todos os cristãos do Oriente Médio estão em apuros com perseguições de grupos como Estado Islâmico. Há cem anos, os armênios estão tentando alertar sobre os perigos que os cristãos sofrem na região. É a história se repetindo”, comparou.
Patrícia Dichtchekenian/Opera Mundi
Apresentação do grupo Arca durante ato em frente ao consulado turco de São Paulo
Entenda o genocídio
No início do século 20, o grupo republicano Jovens Turcos destronou o sultão Abdul Hamid II, proclamando um governo constitucional no território turco. Após assumir o poder, a nova administração elaborou um projeto conhecido como pan-turquismo, com o intuito de implementar no país a aceitação apenas de turco-descendentes.
Como os armênios são provenientes do primeiro Estado cristão do mundo, além de terem língua e alfabeto próprio e cultura totalmente diferente, eles foram os principais perseguidos. Em 24 de abril de 1915, essa campanha de “otomanização” completa do território foi finalmente posta em prática, resultando na morte de 1,5 milhão de armênios.
Com o passar dos anos, sucessivos governos turcos se recusaram a admitir a natureza genocida dos crimes cometidos pelos Jovens Turcos já que seu reconhecimento jurídico implicaria uma punição muito mais rigorosa do que assassinatos isolados para o direito internacional.
Como consequência, o negacionismo sistemático dissimulado pelos turcos gerou uma série de danos efetivos ao povo armênio, como a impossibilidade de habitar na própria pátria, a perda da identidade cultural e histórica, o receio da repetição de um massacre semelhante ao redor do mundo, além do sentimento de revolta face à rejeição de uma grave violação de direitos humanos.