“Nos primeiros dias, foi um desespero. Meu filho tem 20 anos e uma menina de dois. Depois que ele desapareceu [em 26 de novembro de 2014] tivemos que abandonar nossas casas, nossas famílias. Temos que estar pendente, disponíveis, não importa a hora. Na verdade, perdemos a noção do tempo. Temos que marchar, que nos manifestar”.
Assim Hilda Legideño Vargas resume como sua vida mudou após o desaparecimento de seu filho, Jorge Antonio Tizapa Legideño, um dos 43 jovens da escola Normal (magistério) de Ayotzinapa, cujo paradeiro é desconhecido. Sem aceitar assistência do governo e sem dinheiro para seguir na militância, Hilda investiu as economias e vendeu tudo o que tinha para poder continuar na luta.
História semelhante é relatada por Hilda Hernández Rivera, mãe de César Manuel González. “Desde 26 e 27 [de setembro], minha vida mudou radicalmente. Tenho uma filha pequena em casa que está com minha sogra, irmã e cunhada que cuidam dela e a levam para a escola. (…) Mantemos contato apenas por telefone com nossos familiares”.
Agência Efe
Caravana foi possível graças à realização de uma “vaquinha” entre movimentos sociais
Vargas, Rivera e o esposo Mário César González, juntamente com Francisco Sánchez Nava, sobrevivente do massacre, estão participando da Caravana 43 pela América do Sul, que já passou pela Argentina, Uruguai e esta semana realiza atividades em São Paulo. Nesta terça-feira (02/06), o grupo participou de uma entrevista coletiva e de um ato com as Mães de Maio na quadra dos Bancários. Nesta quarta (03/06), participarão do evento 'Ayotzinapa somos todxs' no Sarau do Binho.
Jorge Antonio Tizapa Legideño
Desde o começo das investigações, os pais contestam a versão oficial apresentada pelo governo. “Desgraçadamente são oito meses sem saber de nossos filhos. É um desespero muito forte. Entendemos que ficar sentados não vai mudar nada. Já perdemos a esperança no governo. Disseram que iam buscar nossos filhos, mas não o vão fazer porque de fato foram eles que os levaram. O [27º]Batalhão não fez nada para ajudar. Por isso a exigência a esse governo. Os estudantes viram quem os levou”, afirmou Hilda Legideño Vargas.
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Segundo Vargas, “o governo desde o começo disse que estavam mortos. Disseram que estavam enterrados em fossas comuns. Encontraram fossas, disseram que eles estavam ali, mas peritos argentinos desmentiram. Depois vieram outras versões e disseram que foram queimados, nas não tiveram condição de comprovar cientificamente. [No material apresentado], peritos argentinos descobriram osso de gado, dentadura de uma pessoa mais velha, mas nada dos nossos filhos”, ressalta Vargas.
Vanessa Martina Silva
Hilda Legideño Vargas também vive hoje na Normal de Ayotzinapa
César Manuel González
A última vez que Rivera viu o filho foi quando o deixou na rodoviária para que ele partisse para Guerrero. “Ele estava muito feliz e sempre contava sobre as atividades no campo, o trabalho social que realizava na comunidade”. Quando soube que seu filho havia desaparecido, em 26 de setembro, sentiu “angústia e desespero. Não sabíamos de nada. Ligávamos e ele não atendia”.
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Veja o relato de Omar García, que também sobreviveu ao massacre:
Após o caso, mudou-se, junto com o esposo, de Tlaxcala para Guerrero, onde ela e o esposo chegaram na madrugada do dia 27. “Os estudantes nos contaram que ele, junto com outros alunos, haviam sido detidos”. Ela conta, no entanto, que foram até as dependências para onde poderiam ter levado os alunos e “eles diziam que não tinham conhecimento de nada. Nos hospitais, não havia nenhum registro e no 27º Batalhão não nos deixaram entrar”, conta.
Desde então vivem na Normal, onde os estudantes liberaram um dos quartos. Com relação à alimentação e recursos para a sobrevivência, além do que é plantado e produzido dentro da própria escola, Hilda conta que recebem doações.
Vanessa Martina Silva
Francisco Sánchez Nava, ao microfone, é um dos sobreviventes do massacre
“Todos os dias nós pais realizamos atividades. Nos dias que não têm [atos, marchas, …], descansamos. Estamos ativos. Às vezes começamos de madrugada e assim vamos”, diz Rivera.
Já González ressaltou que “querem entregar um pedaço de nossos filhos para que voltemos para nossa casa. Isso é uma dor psicológica terrível. Nos matam psicologicamente. Nunca quiseram os entregar vivos”.
O que os pais têm em comum é a reivindicação de que os jovens sejam encontrados, e com vida.
O deslocamento dos quatro mexicanos nessa caravana pela América do Sul, que já passou pelo Uruguai e Argentina, foi possível por meio de “uma vaquinha” entre movimentos sociais que apoiam a causa.
Entre as entidades que colaboraram no Brasil estão: Mães de Maio; Movimento Passe Livre – SP; Casa Mafalda Espaço Autônomo; Coletivo DAR (Desentorpecendo a Razão; CATSO (Coletivo Autônomo dos Trabalhadores Sociais); Rede 2 de Outubro; ELCOR (Espaço de Luta Contra o Esquecimento e a Repressão – Rede Contra a Repressão (México); Margens Clínicas; Comboio Moinho Vivo; Rizoma Tendência Estudantil Libertária; Rede Extremo Sul e Comissão Yvyrupá.
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