Após não conseguir cumprir a agenda política prevista em Caracas, os senadores de oposição brasileiros, liderados pelos tucanos Aécio Neves e Aloysio Nunes, anunciaram, nesta sexta-feira (19/06), que vão pedir ao governo brasileiro a exclusão da Venezuela do Mercosul. No entanto, segundo analistas, a ideia é inviável.
O argumento dos senadores — que não conseguiram visitar o líder opositor Leopoldo López, em greve de fome, nem se encontrar com a oposição do país — se baseia na cláusula democrática do Tratado de Ushuaia, utilizado pelos membros do bloco para afastar o Paraguai do Mercosul, após o golpe parlamentar sofrido pelo ex-presidente Fernando Lugo. Os legisladores afirmam, com base nas poucas horas que estiveram no país, que a gestão do presidente Nicolás Maduro não é democrática porque não permite a livre liberdade de expressão e, por isso, pedirão que o governo brasileiro requeira ao CMC (Conselho do Mercado Comum) a adoção de medidas contra a Venezuela, como a exclusão do país do bloco.
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Agência Efe
Enquanto estavam parados no trânsito, senadores foram alvo de protestos contra a presença deles em Caracas
A decisão sobre saída do país do Mercosul, no entanto, não pode ser tomada de maneira unilateral por um país, como esclarece o alto representante-geral do bloco e ex-deputado federal pelo PT-PR, Doutor Rosinha. Em entrevista a Opera Mundi, ele pontua que “a entrada da Venezuela ou de qualquer nação no organismo é aprovada por todos os países. O Tratado de Assunção determina que todas as decisões do Mercosul sejam tomadas por consenso porque se trata de um órgão intergovernamental e não supranacional.”
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Ele ressaltou ainda que para a suspensão do Paraguai houve um consenso dos demais integrantes do bloco (Brasil, Argentina e Uruguai) de que o país havia violado a cláusula democrática. Assim, a medida foi decidida em uma reunião com a presença dos chanceleres desses países.
Para o professor de direito internacional da USP (Universidade de São Paulo) Wagner Menezes, “somente a própria Venezuela poderia denunciar o tratado [de Assunção]”, ou seja, pedir para deixar o bloco. E reitera que “o processo de retirada de um sócio deve ter a participação de todos os Estados Membros”.
Segundo Rosinha, com as declarações dadas à imprensa, os senadores da comitiva pretendem criar um “factoide político”, que tem como objetivo “acabar com o Mercosul porque são contra o bloco integracionista”.
Democracia
Para Rosinha, “a Venezuela é democrática. O que não é democrático é [o fato de] senadores de um país quererem intervir em outro. Se houve tentativa de violação do processo democrático venezuelano, ele foi feito por esses senadores”.
Ele observou ainda que a situação contrária seria inimaginável: “imagine se senadores da Venezuela viessem aqui para fazer uma intervenção sobre determinada posição do nosso governo”.
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O argumento dos senadores para justificar a ida a Caracas em um avião da FAB é que se tratava de uma missão de caráter humanitário, com o objetivo de verificar as condições no país. A visita prevista a Leopoldo López na prisão visava também discutir a situação dos direitos humanos no país, assim como fizera o ex-presidente espanhol Felipe González semanas atrás.
Mas, de acordo com Rosinha, essa discussão não cabe a senadores brasileiros. O tema dos direitos humanos, diz, só pode ser tratado pelo Parlamento do Mercosul.O que os senadores poderiam fazer, ressalta, é “levar a questão ao parlamento”. Ele observa, no entanto, que nesta instância “cabe uma discussão sobre direitos humanos em qualquer país, não só Venezuela, porque o organismo não debate a política nacional interna de um país”.
Outras medidas
Os senadores anunciaram ainda que chamarão o chanceler Mauro Vieira e o embaixador brasileiro em Caracas, Ruy Pereira, para prestar esclarecimentos no Senado. Com relação a isso, Menezes observa que a comissão de Relações Internacionais do Senado pode requerer um pedido para ouvir o embaixador, “que, na verdade representa o Estado, mas esse pedido tem que ser direcionado para o executivo. O Parlamento está ali não para executar medidas, mas para encaminhá-las ao Executivo”, apontou.
Agência Efe
Aécio se reuniu com as esposas de Antonio Ledezma e Leopoldo López, Mitzy Capriles e Lilian Tintori, respectivamente e María Corina Machado
A imposição de sanções econômicas e o rompimento de tratados bilaterais com o país caribenho também chegaram a ser cogitados, mas, na visão de Menezes, que é doutor em integração latino-americana, o Congresso pode discutir a questão, “mas elas dependem da vontade política do Executivo” – ou seja, teriam que passar pelas mãos da presidente Dilma Rousseff.
Retaliação
Ontem, o Itamaraty lançou uma nota na qual lamenta o episódio ocorrido com os senadores brasileiros e diz que cobrará esclarecimentos do governo venezuelano. Apesar disso, em declarações realizadas hoje, o senador Aécio Neves, que liderou a comitiva, afirmou que exigirá “uma posição dura do governo brasileiro” e ressaltou que se isso não ocorrer irão, “do ponto de vista político, dentro do Congresso, fazer as retaliações necessárias em defesa da democracia”.
Com relação à declaração, Rosinha ressaltou que os senadores sabem que “não podem intervir na política interna de outro país. Então eles quiseram criar e criaram um factoide porque eles são contra o Mercosul. Sobre eles dizerem que vão dificultar o governo Dilma, na verdade eles não têm feito outra coisa no atual mandato”, ressaltou.
O que os senadores opositores poderão fazer, na visão de Menezes, é pressionar o governo e pode fazer uma “pressão muito grande, mas vai do governo atender ou não ao Congresso, por diversas questões”, concluiu.