As recomendações para caminhar por Caracas com cuidado, segurando com força pertences pessoais e, principalmente, manter distância das ruas quando anoitece, são repetidas à exaustão pelos caraquenhos. Sempre alvo de debate no país, a violência é um dos temas que mais preocupa a população e também muito usado pela oposição para criticar o governo de Nicolás Maduro. O cenário não é diferente nessas eleições legislativas, marcadas para domingo (06/12).
Mesmo com a diminuição da desigualdade social desde a chegada do chavismo ao poder, a insegurança continua sendo um dos maiores problemas para a população – 47% dos venezuelanos a apontam como a mais importante, de acordo com relatório de 2014 do centro de estatísticas chileno Latinobarómetro. O país aparece em primeiro lugar no ranking da instituição, seguido pelo Uruguai, onde 36% das pessoas se preocupam com o tema; em terceiro e quarto lugar estão Peru e Argentina (36%).
Agência Efe
Venezuelanos são aconselhados a não andarem pelas ruas ao anoitecer
Não há números completamente confiáveis sobre a violência na Venezuela, tanto de um lado como do outro. Ainda segundo o Latinobarómetro, dados do governo apontam uma taxa de 39 homicídios para cada 100 mil habitantes, enquanto o Observatório Venezuelano de Violência – ONG acusada pelo governo de ser financiada pela oposição – diz que são 79.
Assassinatos, roubos e furtos estão no topo da lista dos tipos de crimes que mais ocorrem no país. Se por um lado uma parte da opinião pública aponta um aumento da insegurança desde a eleição do líder venezuelano Hugo Chávez, outra indica que ela sempre foi um tema preocupante e delicado na Venezuela, desde muito antes da chegada do chavismo ao poder.
Para Willmer Poleo Zerpa, especialista em violência e Coordenador do jornal venezuelano Últimas Noticias, “não podemos falar em um aumento da violência” na Venezuela nos últimos anos, mas sim de uma mudança nas formas. “Eu me atreveria a dizer que o número de mortos diminuiu. Há 20, 30 anos, víamos mais de 60 mortos por final de semana. Hoje esse número não passa de 35”, afirma a Opera Mundi.
“O que acontece é que atualmente se observam crimes muito mais cruéis. Decapitações, violações”, conta. Poleo, que tem mais de três décadas de experiência nas páginas policiais de diversos jornais venezuelanos, frequentemente põe ênfase em suas reportagens a esta mudança e o que a explica. “É preciso sublinhar a entrada de muitos paramilitares colombianos na Venezuela. É a partir deles que surge esse caráter sanguinário na criminalidade”, continua.
O governo venezuelano reclama de infiltração de paramilitares colombianos de extrema-direita desde antes da eleição de Chávez. Contrabando, sequestros, prostituição, tráfico de drogas, de armas e de combustível seriam algumas das atividades desses grupos. O ex-líder das AUC (Autodefesas Unidas da Colômbia), o paramilitar Carlos Castaño, afirmou em 1997 que havia se reunido com 140 empresários e donos de terras venezuelanos para criar uma estrutura paramilitar similar à que liderava na Colômbia, em particular na região fronteiriça.
De fato, um dos principais motivos para o fechamento da fronteira em estados como Táchira e Zulia, de acordo com o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, foi a entrada de grupos paramilitares ao país e que estariam se espalhando por localidades distantes da Colômbia, inclusive a própria capital. Este ano, autoridades venezuelanas declararam ter prendido membros paramilitares em Caracas, no âmbito de uma nova operação de segurança iniciada em 2015, a OLP (Operação Libertação e Proteção).
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“Se trata de atuar em bairros completos, com um trabalho prévio de inteligência, buscando suspeitos com o cuidado de proteger os direitos humanos daquela população”, diz Poleo. Houve muitas críticas a essa operação por parte de organizações locais e internacionais, que acusaram o governo de exagerar nas prisões. “Eu me lembro como a direita lançava ações como ‘Barrio Unión’, que consistia na prisão de todos os homens de uma localidade. Verificavam quem tinha antecedentes ou não. E deixavam livres os que não. Hoje se busca garantir a dignidade e os direitos das pessoas”, responde o especialista.
Eleições
O temor de que episódios de violência voltem a acontecer na Venezuela, antes e depois das eleições legislativas marcadas para este domingo (06/12), é compartilhado por muitos venezuelanos. Há pouco mais de um ano o país foi afetado por uma onda de violência gerada após protestos opositores, resultando na morte de mais de 40 pessoas. Após a eleição presidencial de abril de 2013, quando Maduro derrotou o governador de Miranda, Henrique Capriles, também houve casos de violência, deixando mais de 10 mortos.
Agência Efe
Protestos violentos realizados no início de 2014 deixou 43 mortos 878 feridos e 3.351 detidos.
“A situação está muito tensa. A vantagem é que o governo tem experiências anteriores e isso faz com que os organismos de inteligência estejam mais atentos”, comenta Poleo. Recentemente, o chefe municipal da localidade de Sucre, governada pela oposição, foi preso, acusado de infiltrar uma caravana opositora en Petare para gerar violência. Este grupo de apoiadores da oposição foi supostamente atacado por membros chavistas com armas de fogo. Em seguida, as forças de inteligência venezuelanas determinaram que essas pessoas que usavam camisetas do PSUV (Partido Socialista Unido da Venezuela) eram funcionários do município.
“Esse caso está quente, aconteceu agora. Três testemunhas que participaram da caravana dizem que foram contratadas para aparecer como opositores. Lhes disseram ‘Não tenham medo, porque do outro lado será gente nossa também’, em referência à suposta caravana chavista”, conta o jornalista. O caso segue sendo investigado.
Para Poleo, a campanha da oposição não foi agressiva em si, mas há a preocupação de que a insistência das acusações de fraude, mesmo com a MUD (Mesa de Unidade Democrática, coalizão de partidos opositores) tendo participado de todas as sessões de auditoria, possa ser o ensaio de um quadro de agitação. “Domingo o conselho é votar e voltar à casa”, conclui.