Desde 17 de dezembro de 2014, uma série de reuniões, cerimônias e declarações polêmicas envolvendo os governos de Cuba e EUA ocorreram entre a estreita distância de pouco mais de 150 quilômetros que separa a ilha do território norte-americano. Há exatamente um ano, o presidente dos EUA, Barack Obama, e seu homólogo cubano, Raúl Castro, anunciaram uma histórica reaproximação bilateral, após mais de meia década de ruptura.
Resultado de 18 meses de negociações secretas, a retomada de relações diplomáticas entre Estados Unidos e Cuba pegou a comunidade internacional de surpresa, simbolizando a maior reviravolta desde a imposição do bloqueio econômico, em 1961. Após um ano, relembre os dez principais momentos que transformou a dinâmica entre as duas nações:
1) 17.dez.2014 — Anúncios de Raúl Castro e Barack Obama: Na quarta-feira 17 de dezembro de 2014, os presidentes de Cuba e EUA surpreenderam a comunidade internacional ao fazerem uma declaração histórica em que davam início ao processo de restabelecimento de relações diplomáticas entre as duas nações, após 53 anos de ruptura.
“Mudar é difícil. Em nossas vidas e nas vidas das nações. E a mudança ainda é mais difícil quando nós carregamos o grande peso da história em nossos ombros. Mas hoje nós estamos fazendo essas mudanças, pois é a coisa certa a fazer. Hoje, a América escolhe afrouxar as amarras do passado, pelo povo americano, por todo nosso hemisfério e pelo mundo”, afirmou Obama à época, em Washington.
“Agora, levamos adiante, apesar das dificuldades, a atualização de nosso modelo econômico para construir um socialismo próspero e sustentável. Resultado de um diálogo do mais alto nível, que incluiu uma conversa telefônica com o presidente Barack Obama, pode-se avançar na solução de alguns temas de interesse para ambas as nações”, explicou Raúl, de Havana.
Agência Efe/Reprodução
Obama (à esq) e Raúl (à dir): os chefes de Estado realizaram discursos que foram transmitidos em cadeia nacional
2) 12.jan.2015 — Cuba liberta prisioneiros políticos: Em meio ao anúncio da reaproximação em 17 de dezembro, Cuba libertou norte-americano Alan Gross, que cumpria pena de 15 anos na ilha por espionagem e já estava detido há cinco anos. Em troca, Washington soltou também os últimos três do grupo dos “Cinco Cubanos” presos nos EUA, também acusados de espionagem.
Entretanto, o acordo de normalização exigia que Havana também libertasse todos os 53 prisioneiros políticos reivindicados pela Casa Branca como parte do acordo de reaproximação diplomática entre os países. Em 12 de janeiro de 2015, o governo cubano finalizou o processo de soltura dos detidos, apesar de negar a existência de presos políticos no país e defender que, na verdade, eles eram mercenários pagos pelos Estados Unidos.
3) 21.jan.2015 — Primeira reunião de delegações após anúncio: Pouco mais de um mês depois de Raúl e Obama revelarem a paulatina retomada de relações, representantes dos governos de Cuba e Estados Unidos tiveram, no dia 21 de janeiro de 2015, a primeira reunião para discutir temas diplomáticos, referentes aos interesses políticos e econômicos de cada um.
O encontro inédito teve a questão da migração como principal tópico de debate. A respeito do fluxo de pessoas entre os dois países, a delegação cubana expressou preocupação com a política migratória norte-americana, que classificou como “o principal estímulo para a emigração ilegal para os EUA”.
EFE/Arquivo
Havana: capital cubana recebeu encontro inédito entre delegações
4) 27.jan.2015 — Pela primeira vez, Fidel fala sobre a reaproximação: Após 40 dias do anúncio da retomada de relações, o líder da Revolução Cubana, Fidel Castro, escreveu uma carta para expressar suas reflexões acerca da nova realidade. No documento, o ex-presidente expressou sua desconfiança em relação aos interesses dos norte-americanos.
“Eu não confio na política dos Estados Unidos, nem tenho trocado uma palavra com eles, mas que isso não significa a rejeição de uma solução pacífica dos conflitos e dos perigos da guerra”, declarou Fidel. “Defender a paz é um dever de todos. Defenderemos sempre a cooperação e a amizade com todos os povos do mundo, incluindo os nossos adversários políticos”.
5) 11.abr.2015 — Raúl e Obama se cumprimentam no Panamá: Pela primeira vez desde 1958, os presidentes dos Estados Unidos e de Cuba se sentaram lado a lado. O encontro ocorreu em uma pequena sala dentro do Centro de Convenções do Panamá, onde foi realizada a VII Cúpula das Américas, em abril deste ano.
“É uma reunião histórica”, disse Barack Obama, que reconheceu que a história entre os dois países é “complicada”. “Agora estamos em condições de avançar no caminho para o futuro”, ressaltou o presidente norte-americano. Raúl Castro, por sua vez, disse que Cuba está “disposta a falar de tudo” no processo de normalização. No entanto, “pode ser que nos convençam de algumas coisas e de outras não, não se deve criar expectativas”, acrescentou.
Na noite anterior, o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, e o ministro das Relações Exteriores cubano, Bruno Rodríguez, tiveram um encontro semelhante em um hotel na Cidade do Panamá.
EFE/Arquivo
Obama e Raúl falaram sobre integração na América Latina no histórico encontro na Cidade do Panamá, em abril
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6) 29.mai.2015 — EUA retiram Cuba de lista terrorista: Cumprindo uma de suas promessas nos acordos de normalização, o governo norte-americano anunciou a retirada oficial da ilha da lista de países patrocinadores do terrorismo. Em nota, o Departamento de Estado declarou que o chefe da diplomacia dos EUA, John Kerry, “tomou a decisão final de rescindir a designação de Cuba como Estado promotor do terrorismo”.
A decisão da Casa Branca esteve em conformidade com as exigências de Havana, que julgava como fundamental a medida, dado que a lista funcionava como um mecanismo jurídico que legitimava a imposição de sanções, como a proibição da venda e da exportação de armas, bem como o acesso a recursos de órgãos internacionais, como o Banco Mundial.
Cuba fazia parte da “lista negra” norte-americana desde 1982. Os únicos países que lá permanecem são Irã, Síria e Sudão. Segundo Washington, as autoridades mantêm “significativas preocupações e divergências” com Cuba em diversos assuntos, mas eles estão fora dos critérios relevantes” à sua manutenção na lista, pois a ilha “não proporcionou nenhum suporte ao terrorismo internacional nos últimos seis meses” e, além disso, “deu garantias de que não os apoiará no futuro”.
Diogo Zacarias/Revista Samuel
Escola no centro velho da capital cubana, Havana
7) 20.jul.015 — Bandeira cubana é hasteada em Washington: Após 54 anos, a bandeira de Cuba voltou a Washington para o evento que oficializou a reaproximação diplomática bilateral na capital norte-americana.
Da delegação cubana, o responsável por conduzir a cerimônia foi o ministro das Relações Exteriores, Bruno Rodríguez. Perante centenas de oficiais dos EUA, ele chamou atenção para demandas históricas essenciais para o restabelecimento total das relações diplomáticas.
“A bandeira que honramos na entrada desta sala é a mesma que foi hasteada aqui há 54 anos”, declarou Rodríguez, explicando que ela foi conservada silenciosamente sob custódia de uma família na Flórida (estado situado no sudeste dos EUA).
Em seu discurso, o chanceler também destacou que a vontade do governo cubano a uma normalização depende ainda do levantamento do bloqueio econômico, do fim da ocupação militar em Guantánamo e do respeito à soberania da ilha — pontos ainda debatidos pelas partes.
EFE
A bandeira da ilha foi içada na sede diplomática cubana na capital norte-americana
8) 14.ago.2015 — Bandeira dos EUA é hasteada em Havana: Quase um mês após a bandeira cubana ser içada em Washington, 14 de agosto foi a vez do símbolo norte-americano ser hasteado em Havana, em uma cerimônia presidida por John Kerry, primeiro secretário de Estado dos EUA a visitar a ilha em 70 anos.
Em seu discurso, o chefe da diplomacia dos Estados Unidos aproveitou a oportunidade para afirmar que o Executivo é “fortemente favorável ao fim do embargo” econômico contra a ilha, mas destacou que isso depende de uma aprovação do Congresso. Apesar disso, reforçou que o presidente de seu país, Barack Obama, está lutando para melhorar outros acordos comerciais e comércios bilaterais nesse intervalo.
“É maravilhoso estar aqui. É um momento histórico para explorar novas possibilidades. Estamos confiantes e a hora é agora: não somos mais inimigos e rivais, mas vizinhos. E como vizinhos, temos sempre muito a conversar, afirmou Kerry.
EFE/Arquivo
Em Havana, Kerry lembrou momentos-chave dos dois países, como a visita de Fidel aos EUA após o triunfo da Revolução, em 1959
9) 19.set.2015 — Papa vai a Cuba e elogia diálogos com os EUA: Em meados de setembro, o papa Francisco desembarcou em Havana onde foi recebido por uma comitiva do governo cubano liderada por Raúl. Ainda no aeroporto, o pontífice argentino disse que a reaproximação entre EUA e Cuba é uma “vitória do diálogo”.
Após agradecer o líder da Igreja Católica pelo seu papel de mediação entre as duas nações, Raúl aproveitou a oportunidade para pedir o fim do bloqueio econômico exercido por Washington à ilha, bem como a devolução da base militar de Guantánamo.
Em sua viagem de três dias, o papa ainda liderou uma missa na icônica praça da Revolução, no centro da capital, em que afirmou que o “povo cubano tem vocação de grandeza”. Após a homília, Francisco se encontrou com Fidel Castro, que o presenteou com um livro do teólogo brasileiro Frei Betto. Depois da visita à ilha, o pontífice partiu para uma série de reuniões nos EUA, tanto com Obama, quanto no Congresso dos EUA.
Carlos Latuff/ Opera Mundi
10) 26.set.2015 — Raúl pede fim do bloqueio na ONU: Em sua primeira viagem aos Estados Unidos na qualidade de presidente de Cuba, Raúl Castro aproveitou os eventos da Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas) em setembro deste ano para denunciar o que há meses tem alertado: a normalização das relações depende do levantamento do bloqueio.
Na Cúpula de Desenvolvimento Sustentável da ONU, Raúl declarou que o bloqueio “causa danos e privações ao povo cubano”, afeta outras nações e prejudica as empresas e cidadãos norte-americanos. Além disso, o presidente recordou em Nova York que essa política econômica “é rejeitada por 188 membros das Nações Unidas”.
Em diversas ocasiões ao longo deste ano — como nos eventos do Dia da Rebeldia e em discursos na Assembleia Nacional de Cuba — Raúl tem criticado o bloqueio, imposto em 1962, e tem pedido que Obama utilize seus poderes executivos para colocar fim total à medida, que sufoca a economia local. Embora a Casa Branca já tenha eliminado uma série de restrições a comércio e turismo na ilha, o governo cubano exige também a devolução de Guantánamo, situada na base militar dos EUA na ilha, como fator fundamental para uma retomada substancial de relações.