A publicação de uma reportagem pela revista Época, dizendo que o pesquisador e professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Adlène Hicheur teria planejado atos terroristas na França, bem como o posicionamento do governo brasileiro sobre a questão, gerou críticas e mobilizou a comunidade científica brasileira em torno do franco-argelino. Nesta quinta-feira (15/01), o diretor do CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas), Ronald Cintra Shellard, que trabalhou com Hicheur, se posicionou de forma contundente em defesa do colega e diz que Hicheur “viu seu tremendo esforço para reconstruir sua vida desabar” com a repercussão da reportagem.
“Posso testemunhar sobre a qualidade e dedicação a seu trabalho. Na minha percepção, se o Adlène for embora, ou pior, se for expulso, isto significa a derrota definitiva de tudo por que nossa geração lutou durante a ditadura e todos os princípios de respeito humano, que defendemos nesse país. O que está em questão nesse caso são princípios básicos do direito do ser humano à dignidade. O Adlène Hicheur é um cientista de grande competência e assim deve ser visto e tratado”, disse Shellard, cujo depoimento foi publicado no perfil do escritor e jornalista Fernando Morais.
Shellard relata ainda que, durante o tempo em que trabalharam juntos na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), ele teve conversas com Hicheur “sobre o que passou na prisão, discussões sobre a política do Oriente Médio e temas gerais”. De acordo com Shellard, a condenação de Hicheur “leva a uma reflexão sobre a natureza da chamada guerra ao terror e suas consequências”.
Wikicommons
Hicheur atuou por dois anos no Instituto de Física e é elogiado por colegas de departamento
Adlène Hicheur, muçulmano de origem franco-argelina, é professor visitante do departamento de Física da UFRJ. De acordo com a Época, Hicheur foi condenado na França, país onde morava, a cinco anos de prisão após ser acusado de planejar ataques terroristas. Ele chegou ao Brasil em 2013, após ganhar liberdade condicional, como pesquisador bolsista do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).
Na última segunda-feira (11/01), Hicheur enviou um e-mail à reitoria da UFRJ, manifestando intenção de sair do país. Nesta quinta-feira (14/01), a universidade confirmou que o pesquisador foi substituído por outro professor e que trabalhará fora da sala de aula até deixar o país, embora ainda não haja uma data confirmada. Hicheur tem contrato com a universidade até julho deste ano.
Por meio de uma carta enviada o CBPF, cujo conteúdo foi publicado pelo jornal O Globo, Hicheur afirma sua inocência e diz que seu caso “foi fabricado”. Ele aponta ainda que a revista resgatou uma “história velha”: “A acusação não conseguiu apresentar nenhuma prova material para sustentar seus argumentos; não foi apresentada nenhuma prova de intenção de cometer qualquer ato; nenhum ‘ato violento’ preciso foi mencionado como objetivo da alegada conspiração; não foi apresentada nenhuma prova de identidade do chamado pseudônimo, apenas hipóteses mostradas como ‘informação de fonte confiável’”, diz a carta. “Eu fui preso pela polícia francesa no fim de 2009 e a única justificativa foram minhas visitas aos chamados websites islâmicos subversivos”.
Segundo Ignacio Bediaga, coordenador do CBPF, a reportagem sobre Hicheur “presta um grande desserviço à ciência brasileira” e é “um covarde ataque a uma pessoa com parcas possibilidades de se defender”. Por meio de uma carta publicada nas redes sociais, Bediaga elogia o trabalho e a conduta de Hicheur no Brasil e no exterior.
Expressando solidariedade ao pesquisador, a Sociedade Brasileira de Física publicou uma nota, assinada por 14 pesquisadores, em que pontua que Hicheur cumpriu pena na França e “hoje é um cidadão livre, que pode entrar e sair de seu país quando desejar”. “Não há, nem nunca houve qualquer omissão de informações ou irregularidades na concessão de sua bolsa de pós-doutorado e no seu contrato como professor visitante na UFRJ. O Dr. Hicheur deu suporte e trouxe contribuições importantes aos pesquisadores de diversas instituições, valorizando o desempenho da Física de Partículas no avanço do conhecimento internacional. Devemos agradecer ao colega e colaborador por sua valiosa contribuição”, diz o texto.
NULL
NULL
Na mesma linha, um grupo de cientistas do CERN (Organização Europeia para Pesquisa Nuclear), um dos principais centros de pesquisa em Física em todo o mundo e onde Hicheur trabalhou, afirmou, na época da acusação, que ele era um “bode expiatório”.
Ministério da Educação
Em entrevista coletiva concedida nesta quinta, o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, disse que vê a decisão de Hicheur de deixar o país “como muito positiva”. “Acho que a gente encerra esse episódio e ele faz um gesto que eu acho que só vai fortalecer o seu processo de reconstrução profissional”, afirmou.
Pesquisador da UFRJ manifesta descontentamento com posicionamento do ministro:
O que comentar sobre Aluísio Mercadante ? veja a fala dele:”É lógico que [HICHEUR] deveria ter sido bloqueado. Uma…
Posted by Bruno Nupesc on martes, 12 de enero de 2016
As declarações do ministro foram criticadas nas redes sociais. No início da semana, Mercadante afirmou que Hicheur não deveria ter entrado no Brasil: “uma pessoa que teve aqueles e-mails que foram publicados e foi condenada por prática de terrorismo não nos interessa para ser professor no Brasil. Não temos nenhum interesse nesse tipo de pessoa”, disse o ministro.
Associação judaica
Em uma carta enviada na última quarta-feira (13/01) aos ministérios da Educação, da Justiça e das Relações Exteriores, a Conib (Confederação Israelita do Brasil) pediu que o governo brasileiro tome “urgentes providências” sobre o caso.
“Diante da gravidade dos fatos narrados, serve o presente para externar nossa grande preocupação com relação ao assunto, diante da notória possibilidade do sr. Adlène ainda manter contato com organizações terroristas, potencializando a prática de atos ilícitos no Brasil, solicitando sua atenção para a questão e as urgentes providências que o assunto demanda”, diz a carta, assinada pelo presidente da associação, Fernando Lottenberg.
Procurados por Opera Mundi, o MEC e o Ministério da Justiça não confirmaram ter recebido a carta da Conabi, nem responderam a seu conteúdo até a publicação desta matéria. O Itamaraty confirmou o recebimento da carta e disse “acompanhar o caso mencionado, no que diz respeito a sua dimensão externa”.