O ex-agente da CIA (Agência de Inteligência Central) Donald Rickard admitiu o envolvimento da agência norte-americana na prisão do ex-presidente sul-africano Nelson Mandela, em 1962, revelou neste domingo (15/05) o jornal dominical britânico The Sunday Times.
Segundo Rickard, que trabalhava como vice-cônsul norte-americano na cidade de Durban, costa leste da África do Sul, e como agente da CIA na época, a prisão de Mandela era necessária porque os EUA acreditavam que ele estava “completamente sob o controle da União Soviética”. O ex-agente, que não demonstrou arrependimento, de acordo com o Sunday Times, acreditava que Mandela era “o comunista mais perigoso do mundo fora da União Soviética”.
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Nelson Mandela com o também ex-presidente da África do Sul, Frederik de Klerk, em 1992
“Ele poderia ter incitado uma guerra na África do Sul, os Estados Unidos teriam que se envolver, relutantemente, e as coisas teriam ido por água abaixo. Nós estávamos no limite e aquilo tinha que parar, o que significava que Mandela tinha que ser impedido. E eu o impedi”, disse Rickard. Mandela acabou ficando preso durante 28 anos, sendo solto apenas em 1990.
Rickard, que tinha informantes dentro do partido ANC (Congresso Nacional Africano) – ao qual pertencia Mandela –, deu detalhes à polícia sul-africana sobre o trajeto que Mandela faria durante uma viagem em que voltava para Joanesburgo desde Durban. O ex-presidente foi detido pouco após sair da cidade.
A revelação foi feita durante uma entrevista realizada em março com o cineasta britânico John Irvin, que produziu o documentário “Mandela’s Gun” (“A Arma de Mandela”, em tradução livre). O longa aborda os últimos meses em liberdade do líder sul-africano e estreia nesta semana no festival de cinema de Cannes, na França.
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Duas semanas depois de dar seu depoimento ao cineasta, Rickard, que se aposentou da CIA em 1978, morreu. Procurada por diversos veículos, a CIA não quis se posicionar e se recusou a divulgar os arquivos detalhando suas atividades na época.
Após a revelação, Zizi Kodwa, o porta-voz nacional do ANC, disse ser uma “acusação muito séria”. “Nós sempre soubemos que havia colaborações entre países ocidentais e o regime do apartheid”, afirmou ele à AFP.
John Panell/FlickrCC
Pessoas homenageiam estátua de Mandela em Londres após sua morte, em 2013
Segundo Kodwa, a CIA continua interferindo na política da África do Sul. “Eles nunca pararam de operar aqui. Ainda está acontecendo agora – a CIA ainda está colaborando com aqueles que querem uma mudança de regime”, argumentou.
O neto do líder, Mandla Mandela, também se pronunciou pedindo ao presidente dos EUA, Barack Obama, a divulgação na íntegra dos eventos que levaram à detenção de seu avô.
“Enquanto nós sempre estivemos cientes das operações, secretas ou não, do Ocidente em apoio ao apartheid, esta descoberta coloca um fim a décadas de negação [da CIA], revelando que os EUA colocam seus interesses imperialistas acima da luta e libertação de milhões de pessoas”, disse o neto de Mandela, um deputado da ANC, ao jornal britânico The Telegraph.
“Convocamos os amantes da liberdade do mundo a condenarem essa traição à nossa nação, ao povo da África do Sul e todos aqueles que sofreram em consequência do apoio dos EUA ao brutal estado do apartheid”, disse Mandla.