Trinta e cinco anos após Moçambique proclamar a independência de Portugal, o país africano comemora a data em ambiente festivo, com manifestações político-culturais e homenagem àqueles que lutaram pela autonomia da antiga colônia portuguesa.
Entre o desfile das forças armadas, de estudantes e de antigos combatentes pela libertação nacional, e apresentações culturais de todo o país, o presidente Armando Guebuza fez um discurso no qual afirmou acreditar na luta contra a
pobreza, que “deverá contar com o contributo de todos os moçambicanos
que têm auto-estima”.
“Todos os moçambicanos são chamados a participar, foi assim na luta de
libertação, no desafio de manter a atividade econômica e social e no
resgate da paz e promoção da reconciliação nacional”, afirmou,
reconhecendo que a pobreza continua afetando o país.
O presidente Armando Guebuza tem apostado na força dos jovens moçambicanos para vencer a pobreza, que afeta 54% da população. Guebuza chama a juventude de Geração da Viragem porque considera ela deve assumir o papel histórico de lutar contra a pobreza, assim como os moçambicanos da chamada Geração 25 de setembro lutaram pela independência e a Geração 8 de março lutou para construir a nação.
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O presidente da Assembleia Nacional de Angola, Paulo Kassoma, foi uma das autoridades estrangeiras que participaram das festas de independência, que se concentraram em Maputo, a capital. Ele prestou homenagem aos heróis moçambicanos, após o presidente Armando Guebuza ter depositado uma coroa de flores no monumento erguido em honra dos combatentes.
“Temos demonstrado a nós mesmos e ao mundo que estamos à altura dos desafios que a liberdade nos coloca”, afirmou Kassoma.
O processo de independência
Depois de uma década de luta armada, Portugal reconheceu o direito de Moçambique à independência em 7 de setembro de 1974 em acordo firmado com a Frente de Libertação Nacional (Frelimo) em Lusaka, na Zâmbia. Os chamados Acordos de Lusaka marcaram a independência oficial de Moçambique para 25 de junho de 1975, a mesma data de fundação da Frelimo.
“No momento em que ainda ocorriam negociações em Lusaka, a população de Maputo apoiante da Frelimo e da independência caminhou em massa para o Estádio da Machava. Eu estava lá e ali ficamos horas e horas a fio para apoiarmos as conclusões das negociações, fazer pressão para perceberem que aqui o apoio à Frelimo era incondicional”, lembra Aurélio Rocha, professor de Sociologia Histórica da Universidade Eduardo Mondlane.
Também no dia da proclamação da independência, a população moçambicana lotou o Estádio da Machava.
“O anúncio estava previsto para a meia-noite em ponto. Nascia o dia, alvorecia um país. Passavam 20 minutos da meia-noite e ainda Samora (Machel, herói da independência e presidente de Moçambique) não emergira no pódio.
De repente, a farda guerrilheira de Samora emergiu entre os convidados. Sem dar confiança ao rigor do horário, o presidente proclamou: 'Às zero horas de hoje, 25 de junho…'. Um golpe de magia fez os ponteiros recuarem. A hora ficou certa, o tempo ficou nosso. (…) Mais que um país celebrávamos um outro destino para nossas vidas. Quem tinha esperado séculos não dava conta de vinte minutos a mais”, escreveu o escritor moçambicano Mia Couto.
A luta pela independência moçambicana ganhou força com a unificação de outros movimentos de resistência ao colonialismo português e criação da Frelimo em 1962. Seu primeiro presidente foi Eduardo Mondlane, um sociólogo que trabalhava nas Nações Unidas e voltou para Moçambique com a confiança de que o momento da libertação do país tinha chegado. Logo ficou claro que Portugal não aceitaria a independência através do diálogo e em 25 de setembro de 1964 teve início a luta armada no Norte do país.
Abrão Chunguane, 58 anos, tinha apenas 18 quando se juntou à Frelimo, em 1970. Antes de completar a maioridade, quando seria convocado pela tropa portuguesa, deixou o Sul de Moçambique para trabalhar na África do Sul. Lá começou a ouvir a rádio Voz da Frelimo, transmitida a partir da Zâmbia e proibida em Moçambique, e resolveu se juntar ao grupo que lutava contra o colonialismo português. Atravessou a fronteira da África do Sul com a Botsuana, passou pela Zâmbia e finalmente chegou a Tanzânia, onde a Frelimo tinha bases e seus homens recebiam treinamento.
Em Botswana, Chunguane conta que conheceu membros de movimentos de libertação de outros países, como a Unita e MPLA, de Angola, Zanu, do Zimbábue, e SWAPO, da Namíbia. “Foi onde eu entendi que afinal de contas não somos nós sozinhos que queremos a liberdade, a África Austral toda precisa da independência. Foi quando eu percebi que Zimbábue, Namíbia, Angola não estavam independentes”. A Angola se tornou independente de Portugal em 1974, o Zimbábue teve sua independência reconhecida pelo Reino Unido em 1980 e a Namíbia em 1990 pela África do Sul.
Já na Zâmbia Chunguane começa “a entender Moçambique no seu vasto”. “Quando cheguei lá comecei a me entender com as pessoas de Tete, Cabo Delgado, Niassa (estados do Norte de Moçambique). (…) Nós sabíamos que existiam pessoas no Norte do país, mas para nós eram pessoas estranhas. Os portugueses diziam que eles comiam pessoas. (…) Eles faziam essa divisão toda para permitir sua governação” e dificultar os movimentos de resistência.
Algum tempo depois do assassinato de Mondlane em 1969 por uma encomenda-bomba, Samora Machel assume a liderança da Frelimo. Em 1975, ele se torna o primeiro presidente do país e o grande ícone moçambicano. Logo após a independência, em 1977, a Frelimo torna-se um partido de cunho marxista-leninista e busca construir as bases da nação moçambicana, mantendo as fronteiras estabelecidas pelos colonos e a língua portuguesa.
No ano seguinte à independência, se inicia uma guerra civil que durou 16 anos, destruiu a infra-estrutura do país e matou 1 milhão de pessoas. Na década de 1980, a guerra se acentua e o país é assolado por uma grande fome. Samora Machel morre em 1986 em um acidente aéreo cujas causas não foram esclarecidas até hoje. Em crise, Moçambique firma acordo com o FMI e em 1987 passa a implementar reformas estruturais, marcando a viragem do socialismo para o capitalismo. Em 1992, foi assinado um acordo de paz que acabou com a guerra. O país criou as condições para o multipartidarismo e em 1994, realizaram-se as primeiras eleições presidenciais do país.
Participaram das festividades desta sexta-feira os chefes de Estado do Zimbábue, Robert Mugabe, do Botsuana, Ian Khama, os monarcas da Suazilândia, Mswati III, e do Lesoto, Letsie III. Estiveram também presentes ex- presidentes da África do Sul, Thabo Mbeki, da Botsuana, Quett Masire, da Tanzânia, Benjamim Mkapa, da Namíbia, Sam Nujoma.
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