Causou certo frisson entrevista do chanceler uruguaio, Luis Almagro, dando conta que o ingresso da Venezuela no Mercosul, aprovado no encontro de Mendoza, ocorreu graças à “intervenção decisiva” da presidente brasileira, Dilma Rousseff. Além de manifestar as dúvidas jurídicas de seu país, em função da deliberação ter ocorrida sem a aprovação do parlamento paraguaio, de lambuja expressou desconforto com o suposto hegemonismo verde-amarelo. Logo desmentida por Marco Aurélio Garcia, assessor especial da Presidência da República, a declaração do ministro continuar a merecer algumas observações.
Almagro talvez estivesse demasiadamente envolvido com as negociações preparatórias da cúpula, nas quais atuaram apenas os corpos diplomáticos do organismo regional. De fato, segundo informações robustas à disposição, tudo caminhava para um acordo sonolento. O Paraguai não sofreria sanções econômicas, apenas medidas de ordem política. A adesão da Venezuela permaneceria em situação de impasse. E o Mercosul continuaria a girar em falso.
Ao que tudo indica, Dilma não aceitou o prato morno e sem tempero que lhe foi servido pelos chanceleres, incluindo seu próprio ministro de Relações Exteriores, Antonio Patriota. Sua atitude, pressionando por uma fatura mais salgada, foi secundada imediatamente por Cristina Kirchner, sua colega argentina. Pepe Mujica, o chefe de Estado uruguaio, também acabou dando seu aval.
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A lógica da presidente brasileira parece cristalina. Se o Senado paraguaio, principal obstáculo à incorporação venezuelana, resolveu romper com a ordem democrática, o governo batizado pelo golpe institucional não poderia sofrer represálias apenas formais. A suspensão do país, até que se realizem eleições presidenciais legítimas, deveria significar sua desclassificação para qualquer tipo de obstáculo ou imposição às demais nações parceiras.
As medidas econômicas foram evitadas, em nome de preservar o povo paraguaio dos malfeitos de seus parlamentares e da oligarquia golpista. Mas o custo político a ser cobrado dessas forças conservadoras, locais e regionais, acabou se traduzindo pelo aproveitamento de uma janela de oportunidade que foi aberta pela operação de derrocada do presidente Fernando Lugo. À direita continental e seus sócios na Casa Branca, aturdidos pela decisão, só resta espernear.
Fortalecimento do Mercosul
Um passo estratégico foi dado no fortalecimento da integração regional, tanto do ponto de vista prático quanto simbólico. A Venezuela, com seus quase 30 milhões de habitantes, significa um mercado comprador potencialmente relevante. O país gastou, em 2011, mais de 50 bilhões de dólares em importação de bens, mas apenas 6,7 bilhões adquiridos junto a países do Mercosul.
Mais do que agregar densidade comercial, a pátria de Bolívar pode ter um papel destacado no desenvolvimento da infraestrutura sul-americana, especialmente no setor de petróleo e gás, mas também no robustecimento de instituições como o Banco do Sul e outros empreendimentos que busquem libertar a região da ditadura financeira exercida através de instrumentos controlados pelas grandes potências.
Quanto ao simbolismo político, a filiação de Caracas abre mais uma ponte com as nações da Alba (Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América, formada – além de Venezuela – por Bolívia, Equador, Cuba e Nicarágua, além de três ilhas caribenhas). Também é uma resposta indireta à Aliança do Pacífico, composta por Chile, Colômbia, México e Peru. Esse acordo, impulsionado pelos Estados Unidos como complemento à sua política de tratados bilaterais de livre-comércio, atende ao objetivo saliente de dificultar a criação de um bloco subcontinental que se contraponha à sua hegemonia.
Por fim, para desconforto dos porta-vozes mais irritados do conservadorismo, a resolução de Mendoza, ao anunciar o duplo movimento de suspensão do Paraguai e acolhimento da Venezuela, denuncia o caráter ilegítimo da deposição de Fernando Lugo e avaliza a natureza democrática do processo liderado por Hugo Chávez. Não é pouca coisa.
Se as palavras do chanceler Almagro correspondem aos fatos e a presidente Dilma tiver mesmo chutado o pau da barraca, a ela caberá as honras de ter rompido o cerco que, a partir do parlamento em Assunção, Washington imaginava ter criado para impedir novos passos de fortalecimento do Mercosul.