Reprodução/WikiCommons/Nasa
Imagem sobre uma hipotética colonização terrestre em Marte, com o foco na exploração mineral
O recrudescimento da crise econômica global tem deixado em segundo plano os resultados das mais recentes missões espaciais em andamento no sistema solar. A importância e o impacto destas missões tocam, no entanto, em questões centrais tanto do ponto de vista da consolidação das potências hegemônicas atuais e futuras, como também sob a ótica das descobertas científicas que podem mudar completamente o nosso entendimento sobre a origem e desenvolvimento da vida em nosso planeta.
Wikimedia Commons/extraído da nave Viking 1 (1980)
A colonização humana em outros planetas já foi um tema levado muito mais a sério algumas décadas atrás, quando as viagens à Lua saíram do campo da ficção científica para uma realidade quase banal. À época, no entanto, a ausência de atrativos econômicos e científicos em nosso satélite reduziu progressivamente as missões lunares até a sua paralisação nos anos noventa.
O anúncio da existência de vida em Marte parece ser uma questão de tempo, e terá um efeito bombástico para uma nova era de missões espaciais, agora apoiada em altíssima tecnologia, o que fará parecer amadores os pioneiros astronautas do século XX.
Os principais centros de pesquisas admitem abertamente esta hipótese, apesar de descartarem enfaticamente a possibilidade de ter se desenvolvido formas de vida inteligente e civilizações no planeta vermelho – uma polêmica alimentada por ufologistas com base nas centenas de imagens disponíveis da superfície de Marte.
Controvérsias à parte, já existe consenso, graças a informações obtidas por radares de satélites que orbitam o nosso vizinho planeta, a respeito da existência de água, ainda que muito provavelmente apenas no subsolo ou congelada em suas calotas polares. Além disso, a presença constatada de metano na atmosfera marciana aponta para a possibilidade de vida orgânica – a principal fonte emissora deste gás na Terra.
Para além do interesse científico e da curiosidade humana em entender, por meio de estudos detalhados da história geológica e natural de Marte, a origem da própria vida na Terra, o que mais poderia justificar uma missão tripulada ao planeta vermelho? Um projeto colonizatório continua oficialmente afastado dos objetivos centrais das principais agências espaciais, a europeia (ESA) e a norte-americana (Nasa).
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Contudo, um importante lobby se desenvolveu nos EUA para tentar retomar as missões tripuladas e a “conquista do espaço”. A National Space Society e a Mars Society, por exemplo, são organizações não-governamentais, compostas por cientistas experientes com projetos revolucionários e, em tese, factíveis visando a implementação de colônias em Marte a partir de 2030.
O argumento dos lobistas marcianos apela fundamentalmente para duas justificativas para o empreendimento, a primeira, de natureza simbólica: a necessidade de confirmação da supremacia tecnológica norte-americana. A nova corrida espacial é uma realidade, e reflete a tendência de multipolaridade na geopolítica do planeta (Terra, ainda): Rússia, China e Índia têm feito importantes investimentos em seus programas espaciais e planejam enviar artefatos não-tripulados a Marte em breve. Porém, revistas especializadas consideram que EUA e Europa estão pelo menos 50 anos à frente destas novas potências emergentes.
Além do impacto simbólico da conquista pioneira do planeta vermelho existem impactos econômicos consideráveis de missões tripuladas a Marte que podem ser ainda mais convincentes com os congressistas em Washington: de um lado, o estímulo comprovado em legiões de jovens que voltarão a se interessar pelo estudo das ciências, tal como aconteceu nos início da Guerra Fria, resultando, anos depois, na revolução informática liderada pelos EUA; e, de outro lado, a possibilidade de se apoderar de importantes reservas de minérios, como ferro, níquel, chumbo, prata e cobre, presentes no solo marciano, e ter acesso a fontes de água, que tende a tornar-se escassa na Terra.
Wikimedia Commons/Nasa
Imagem das crateras Gusev, em Marte, tirada pelo robô Spirit, da Nasa
Há também evidente interesse científico neste tipo de missão, mas impossível de ser quantificado em termos econômicos, como o fato de se descobrir que não estamos sós no Universo, reforçando uma hipótese, hoje controversa, a respeito do surgimento da vida de maneira concomitante em vários mundos diferentes; ou ainda a possibilidade de que o passado climático marciano, antes semelhante ao da Terra, dê pistas sobre a evolução do aquecimento em nosso planeta.
Sérios obstáculos têm, contudo, adiado o projeto de missões tripuladas em Marte. O primeiro deles, é o programa de privatização da Nasa implementado pela gestão do presidente Obama. A pressão por redução de custos e a terceirização junto ao setor privado de parte dos investimentos no programa espacial frustra a expectativa de se cumprir o objetivo anunciado no início da década de 90 da retomada de missões tripuladas para além da órbita terrestre.
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Diante da reestruturação, a NASA passou a priorizar projetos de exploração espacial com robôs, ainda que não menos sofisticados. A última destas máquinas inteligentes controladas à distância pela Terra, o Curiosity, pousou na base do monte Sharp, em Marte, no início de agosto. O frisson causado nas redes sociais, onde o robô tem o seu próprio perfil e divulga periodicamente novas imagens em alta resolução do incrível relevo marciano, supera as expectativas e dá a dimensão da enorme legitimidade dos investimentos em pesquisa espacial junto à população. Se a propaganda é de fato a alma do negócio, podemos considerar, sem exageros, que este está sendo um primeiro passo no gigante salto em direção a uma nova revolução científica da humanidade: a colonização de outros planetas.
Pedro Chadarevian é doutor em Economia pela Universidade de Paris, professor de Economia na Universidade Federal de São Carlos e editor do blog Outra Economia. Escreve quinzenalmente ao Opera Mundi.