* Publicado originalmente no Blog Transtudo da Revista Samuel
No dia 09 de agosto, Michael Brown, um jovem de 18 anos, negro, foi morto por um policial, 28 anos, branco, na cidade de Fergusson, no Missouri, estado no centro-oeste dos EUA. Brown caminhava na rua com um amigo em direção à casa da avó quando eles foram abordados pelo policial. Ele teria levantado as mãos para indicar que não portava armas. Segundo uma autópsia, Brown foi atingido por seis tiros, dois deles na cabeça. Morto no sábado, ele iria começar a faculdade na segunda-feira seguinte.
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Michael Brown em duas versões: adivinhe qual imagem a mídia conservadora preferiu?
Os protestos em Ferguson têm refletido a raiva de parte considerável da população da cidade com a morte de Brown e principalmente com o fato de ele ser apenas mais um. Assim como acontece no Brasil, a polícia dos EUA desempenha um eficiente trabalho no que diz respeito a assassinar jovens negros ou pobres e moradores de periferia. O site The Root publicou uma galeria de imagens que comenta como pelo menos outros 21 homens negros desarmados foram executados pela polícia no país ao longo dos últimos anos. Segundo o site, as últimas palavras de Kendrec McDade, um universitário de 19 anos assassinado por policiais em março de 2012, teriam sido “Why did they shoot me?” (“Por que eles atiraram em mim?”). Douglas Rodrigues, 17 anos, assassinado com um tiro no peito disparado por um policial militar em Jaçanã, São Paulo, em outubro de 2013, teria feito uma pergunta parecida antes de morrer: “Por que o senhor atirou em mim?”. Uma devastadora coincidência que demonstra como o racismo e o preconceito social são inerentes à instituição “polícia” nos EUA e no Brasil.
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Também lá como aqui a grande mídia tende a criminalizar esses jovens nas histórias e imagens veiculadas sobre os assassinatos. Brown era um adolescente que tinha acabado de se formar no colégio e estava prestes a começar a faculdade. A foto escolhida para retratá-lo em muitas das matérias inicialmente apresentadas pela mídia conservadora mostra um adolescente mal-encarado – uma imagem bem diferente da foto que passou a ser utilizada por blogs e sites que condenavam o racismo da polícia e da mídia mainstream.
Essa parcialidade na construção da imagem de Brown pela mídia após sua morte não passou despercebida. No Twitter, o usuário @CJ_musick_lawya lançou a hashtag #IfTheyGunnedMeDown (“Se eles atirassem em mim”) perguntando: “que foto a mídia usaria se a polícia atirasse em mim?” Várias pessoas negras passaram a postar diferentes fotos fazendo a mesma pergunta. Seguindo a hashtag e observando as imagens de homens e mulheres negras, fica claro como certos veículos de mídia preferem representá-las de maneira a insinuar o envolvimento de pessoas negras com atividades criminosas, independentemente de isso corresponder ou não à realidade.
Como escreve Yesha Callahan, do The Root, a hashtag é um triste comentário sobre o que é ser uma pessoa negra nos EUA, e também mostra que para que as narrativas dessas pessoas sejam corretamente representadas, elas mesmas têm que fazê-lo. Até um dos slogans dos protestos em Ferguson teria sido distorcido por algumas publicações, que teriam reportado que manifestantes gritavam “Kill the police” (“Morte à polícia”), quando na verdade o grito era “No justice, no peace” (“Sem justiça, sem paz”).
A enorme maioria das vítimas fatais de violência por parte da polícia, no Brasil e nos EUA, são homens jovens, negros e/ou pobres. No entanto, mulheres negras também são alvos frequentes da truculência policial. A revista Bitch relembra alguns casos nos EUA, como o de Aiyanna Jones, morta por um policial aos sete anos de idade enquanto dormia, durante uma batida policial na casa de sua vó — mais tarde a polícia percebeu ter invadido o apartamento errado. Ou o de Kathryn Johnston, 92 anos, também assassinada dentro de casa durante uma batida policial; assustada com a invasão da polícia, ela disparou um tiro na direção dos policiais, que responderam com 39 disparos.
Como enfatiza o artigo da Bitch, a violência policial contra pessoas negras e pobres não é um problema só na Ferguson de Michael Brown, ou na Detroit de Aiyanna Jones, ou na São Paulo de Douglas, ou no Rio de Janeiro de Amarildo e Claudia Silva Ferreira. Claudia, morta por policiais militares em março, foi lembrada e homenageada por nós vadias na última Marcha das Vadias no Rio de Janeiro, realizada no mesmo 09 de agosto em que Brown foi assassinado.
Assim como na edição do ano passado, em que marchamos e perguntamos aos policiais presentes “ei, polícia, cadê o Amarildo?“, esse ano a violência policial voltou a ser tema central da Marcha. Também por Claudia marchamos e cantamos: “não acabou, tem que acabar, eu quero o fim da polícia militar.”