Está marcado para esta quarta-feira (11/02) um encontro entre a chanceler alemã, Angela Merkel, e os presidentes François Hollande, da França, Vladimir Putin, da Rússia, e Petro Poroshenko, da Ucrânia. O local da reunião é Minsk, capital do Belarus, onde, em setembro de 2014, foi assinado o protocolo que objetivava acabar com o conflito no leste da Ucrânia. Hoje, com a retomada das hostilidades e com a ofensiva separatista em Donetsk, o protocolo pode ser considerado fracassado. A reunião de quarta é uma tentativa de chegar a uma solução negociada, tomando como base o próprio Protocolo de Minsk. Para alguns, mais que isso, é a última tentativa de solução negociada. Com o agravamento da situação em mente, cada um dos lados já começa a mexer suas peças no tabuleiro geopolítico, e a Rússia pode aumentar sua influência na Europa.
Reprodução/ Nationsonline.org
O primeiro aspecto dessa reunião em Minsk é a ausência de John Kerry, Secretário de Estado dos EUA. Embora ambas as partes neguem, existe uma distensão evidente entre o país americano e seus aliados europeus da Otan (aliança militar ocidental). O governo de Barack Obama defende o fornecimento de armamento para o governo ucraniano; segundo eles, uma resposta “na mesma moeda”, já que afirmam que o armamento dos insurgentes é fornecido pela Rússia. A Europa, entretanto, não quer que o conflito seja escalonado, ainda mais em suas portas. Fornecer armamento ao governo de Kiev seria uma atitude temerária, um último recurso. Em contraste, dentro do âmbito da Otan, a postura é mais agressiva. O secretário-geral da organização, Jens Stoltenberg, afirmou que as novas medidas são “o maior reforço de nossa defesa coletiva desde o fim da Guerra Fria, há vinte e cinco anos”.
Todas as novas iniciativas da Otan são na Europa Oriental, próximas à Rússia. Duas novas sedes regionais, na Polônia e na Romênia. Seis novos centros de comando, na Polônia, na Romênia, na Bulgária e nos bálticos Estônia, Letônia e Lituânia. Finalmente, mais do que dobraram as forças de reação rápida da aliança, capazes de se mover em 48 horas, de 13 mil para 30 mil homens; mais ainda, a Força de Resposta não requer que seus integrantes sejam de países-membros da Otan. Em 2008, a Finlândia aderiu ao programa, seguida da Suécia, em 2013, da Ucrânia, em 2014 e, no ano de 2015, está programada a participação da Geórgia. Três países fronteiriços com a Rússia, dois países com conflitos recentes, mais a Suécia, que possui fronteira marítima e aeroespacial com a Rússia.
A afirmação de que Rússia e Suécia possuem fronteiras espaciais soa estranha. Entra-se, então, na análise das respostas russas ao alargamento da Otan e da União Europeia rumo ao leste, motivo de protestos russos desde a década de 1990. Uma das regiões mais militarizadas da Guerra Fria era a de Kaliningrado, enclave soviético entre a Polônia e a Lituânia, antiga capital da Prússia, Konigsberg. Desde o início dos anos 2000, a presença militar russa em Kaliningrado foi retomada em larga escala, incluindo voos rumo ao espaço aéreo sueco e da Otan, para testes de velocidade de resposta. E é justamente nos arredores de Kaliningrado, no nordeste polonês, que será uma das citadas novas sedes regionais da Otan. A outra sede regional é no sudeste romeno, próxima da Transnístria, faixa de terra ao redor do rio Dniester, autogovernada pela maioria russa, com presença militar russa dentro da Moldávia. E também próxima do Mar Negro e da península da Crimeia.
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Situação nos Bálcãs
Chega-se então aos Bálcãs, região que o “Chanceler de Ferro” Otto von Bismarck previu, em 1888, como epicentro das grandes crises europeias. Dos países balcânicos, apenas Bósnia-Herzegovina, Sérvia, Montenegro e Macedônia não fazem parte nem da União Europeia nem da Otan. Sérvia e Montenegro são candidatas à UE, e todos, menos a Sérvia, são candidatos à Otan. Esse status, entretanto, hoje, pouco diz. Primeiro, porque a UE suspendeu qualquer expansão até 2019, no mínimo, por conta das crises recentes. Segundo, a Otan está, como já exposto, focada no leste europeu e no conflito ucraniano. Finalmente, pois não demonstra as reais vontades desses Estados balcânicos. A Macedônia foi vetada, após aprovação, na Otan e seu pedido de candidatura foi barrado na UE pela Grécia, dada a disputa pela herança histórica macedônica. A Sérvia, embora tenha cumprido todas as exigências sobre criminosos de guerra, possui um fator de grande tensão com a Europa, o status de Kosovo, reconhecido como independente por diversos países, inclusive Alemanha e França.
EFE/ arquivo
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O precedente da separação unilateral de Kosovo, inclusive, serviu de justificativa — com um toque de cinismo — para a Rússia reconhecer a separação da Crimeia do restante da Ucrânia, seguida de federalização da península. O governo russo, dentre as cinco potências do Conselho de Segurança da ONU, foi o mais agressivo sobre Kosovo, afirmando que a situação era inaceitável e dando total apoio à causa sérvia. Rússia e Sérvia nutrem boas relações desde o século XIX, com uma impressionante média de três encontros bilaterais por ano a partir da década de 2000. A Rússia é o maior parceiro comercial da Sérvia e parte dos recursos minerais do país é explorada por uma subsidiária da estatal russa Gazprom. As relações entre Macedônia e Rússia, embora não estejam no mesmo patamar, também são boas. A Rússia foi a primeira potência a reconhecer a independência do país, e também a primeira que reconheceu o nome República da Macedônia, em contraste com o Antiga República Iugoslava da Macedônia imposto pelas restrições gregas.
A Rússia aumentou sua presença na Macedônia desde que o presidente Gjorge Ivanov assumiu o cargo, em 2009. É a maior fornecedora de energia e de petróleo do país. Ivanov já colocou, perante seu parlamento, que as relações com a Rússia são “prioritárias”. E são suas palavras que permitem uma análise mais incisiva sobre os acontecimentos. Em setembro de 2014, discursando nas Nações Unidas, após várias críticas à Grécia, alertou que a UE é um “farol”, mas, se o farol está “desligado”, existe o risco de naufrágios: “O sudeste europeu ainda é vulnerável, e a tempestade não está longe”. Foi além: impedir a expansão da UE é criar um “vácuo” na região “mais porosa da História” e, “todos sabemos, não existe vácuo na geopolítica. Cedo ou tarde, ele será preenchido”.
Se a Otan e a União Europeia causaram desconforto e protestos russos ao se expandir para o leste, a Rússia não foi uma observadora passiva nos últimos anos. Se seus protestos caíram em ouvidos surdos, o fortalecimento de posições que já mantinha, como Kaliningrado e a Transnístria, as relações especiais com a Sérvia e o estreitar de laços com outros países balcânicos, como a Macedônia, certamente poderão ser ouvidos. Justamente por serem locais sensíveis, dentro das fronteiras europeias. Mais grave ainda. Ao negligenciar os Bálcãs em prol da Ucrânia, a União Europeia e a Otan podem ter jogado fora uma ótima oportunidade de estabilizar a complicada região. Além, podem ter tirado países da esfera de influência russa, mas jogaram outros, mais próximos, em seu colo.
(*) Filipe Figueiredo é redator do Xadrez Verbal