No último final de semana ocorreu a VII Cúpula das Américas, encontro de alto nível governamental que reúne líderes de todos os países americanos, membros da OEA (Organização dos Estados Americanos). Realizada desde 1994, a Cúpula foi institucionalizada em 2009, com pauta e periodicidade. De três em três anos, o continente se reúne para discutir democracia e livre-comércio; a próxima cúpula será em 2018, no Peru. A mais recente, realizada no Panamá, teve duas facetas. Um grande componente dedicado a protestar contra os EUA e sua política, contrastando com o protagonismo e o carisma de Barack Obama.
Recentemente, Obama colocou a Venezuela na lista de possíveis ameaças aos EUA e, com esse precedente, impôs sanções a sete indivíduos do governo venezuelano. O motivo foi o tratamento do governo a cidadãos dos EUA e a violação de direitos humanos durante protestos contra o governo de Nicolás Maduro em Caracas. Em um primeiro momento, não há grandes consequências para a economia ou para a política venezuelana. O problema, que gera preocupação, é que esse é o primeiro passo para eventuais sanções maiores, que podem afetar a já combalida economia do país sul-americano, somada à queda do preço do petróleo.
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No vídeo abaixo, Filipe Figueiredo faz um balanço da VII Cúpula das Américas no Panamá:
Maduro aproveitou a Cúpula para criticar o que classificou de um ato de imperialismo dos EUA, e afirmar que nem ele, nem seu governo, são “anti-Estados Unidos”, mas sim, “anti-imperialistas”. Recebeu apoio de outros líderes de países da Alba (Aliança Bolivariana para as Américas), como Evo Morales da Bolívia, Rafael Corrêa do Equador e Daniel Ortega, presidente sandinista da Nicarágua, além da argentina Cristina Kirchner e líderes de países caribenhos. Todos criticaram a postura do governo de Obama e afirmaram que a Venezuela não é uma ameaça aos EUA; segundo Evo Morales, Obama é o “chefe de campanha” de Maduro, pois tudo que faz acaba dando mais apoio ao presidente venezuelano.
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Mais do que criticar o governo atual, lembraram diversos episódios da história em que o intervencionismo e o imperialismo dos EUA foi explícito, como o período da Doutrina Monroe e a Guerra Fria. Obama respondeu de forma dúbia, talvez com sarcasmo, afirmando que “aprecia as aulas de história que sempre recebe” quando comparece à Cúpula das Américas. Nesse tema, a presidente Dilma Rousseff se limitou a dizer que a Venezuela não é uma ameaça. Ao final do encontro, como parte dos esforços para atender seu pedido de encerramento das sanções, Maduro teve um encontro fechado com Obama.
Embora na berlinda, Obama sai por cima
Considerando o número de países que criticaram a postura dos EUA, parcela considerável dos discursos proferidos pelos líderes presentes foi de tom crítico ao governo Obama. No entanto, é possível dizer que ele saiu como o grande beneficiado do encontro. É quase contraditório, mas dois fatos explicam isso. O primeiro, que roubou as atenções midiáticas, foi a consolidação da reaproximação entre EUA e Cuba; o país caribenho, também parte da Alba, participou pela primeira vez da Cúpula, dada sua histórica suspensão da OEA por supostamente violar a cláusula democrática da organização. Um rigor que não foi aplicado a outros governos autoritários da região, diga-se.
Agência Efe
Em dia histórico, Obama e Castro realizaram encontro bilateral entre EUA e Cuba
Raúl Castro iniciou sua participação justamente brincando com esse fato, afirmando que, como a OEA devia algumas participações a Cuba, ele poderia fazer um discurso longo, para risos dos presentes. Houve ainda um encontro bilateral, com parte dele em frente aos jornalistas, com Obama, a primeira vez que um líder dos EUA e um líder cubano se encontram formalmente desde 1959 — Raúl Castro já havia cumprimentado Obama no funeral de Nelson Mandela, mas não era um evento de natureza política formal. O cubano chamou Obama de “homem honesto”, a réplica veio em forma de “um homem que respeito”. Mesmo na hora de pedir o fim do embargo contra Cuba, Castro não abandonou a simpatia.
E nesse tema, o apoio foi grande, inclusive de Dilma Rousseff, assertiva no pedido de fim do embargo. Após a Cúpula, Obama retirou Cuba da lista de países que financiam o terrorismo do Departamento de Estado dos EUA. Um ato executivo, que depende apenas da caneta do presidente; retirar o embargo envolve também o Legislativo, hoje, de maioria republicana. Ao demonstrar afinidade e boa vontade com Cuba, Obama desmontou a retórica de Maduro, além de ocupar grande parte da mídia com o encontro histórico, que marca “uma nova era”, em suas palavras, assim, esvaziando a repercussão das críticas.
Dilma acerta visita aos EUA
Como cereja no bolo, Obama se aproximou do maior país sul-americano, em encontro com Dilma Rousseff. Na frente das câmeras, sorrisos e afagos, além de um discurso amigável e conciliador fora delas. Tudo para sacramentar os esforços do governo dos EUA em recuperar sua imagem após o escândalo de espionagem em 2013; garantias públicas de Obama que países amigos não seriam espionados e três visitas do vice-presidente Joe Biden ao Brasil, inclusive a presença na posse do segundo mandato de Dilma, em 2015. A consagração da superação da crise veio no anúncio público de que Dilma visitará Washington em 30 de junho de 2015, em visita de trabalho.
Uma visita de trabalho não possui a mesma intensidade e o mesmo simbolismo de uma visita de Estado, como seria a de Dilma em 2013, cancelada como consequência do vazamento da espionagem até do celular pessoal da presidenta. A nomenclatura “visita de Estado” já deixa claro do que se trata, um Estado, simbolizado pelo seu chefe, visitando outro Estado, uma reunião entre dois países. Demoradas, com grandes delegações e extensa agenda. Talvez para diminuir as especulações sobre a falta de nova visita de Estado, anunciou-se que a agenda de Obama em 2015 estava cheia e que Dilma queria um evento o mais cedo possível.
Nicolau Maquiavel disse, em sua obra mais conhecida, O Príncipe, que um bom governante deve usar seu carisma pessoal para os fins de seu governo. E é o carisma pessoal de Obama que explica ele sair vencedor de um encontro de alto nível em que, na maior parte do tempo, foi criticado e atacado, seja seu governo, seja seu país. Formado em Direito por Harvard, Obama muito provavelmente leu Maquiavel. Os sorrisos, a oratória e a simpatia na frente das câmeras com dois países que estavam em relação complicada com Washington colocaram o presidente dos EUA como o grande protagonista, e beneficiado, da Cúpula das Américas no Panamá.
(*) Filipe Figueiredo é redator do Xadrez Verbal