Atualizada às 20:59
A vertiginosa agenda inicial de Mauricio Macri, que contemplou dezenas de Decretos de Necessidade e Urgência (DNUs) para deixar sem efeito importantes políticas do kirchnerismo, também tem seu correlato na área das relações internacionais. A volta de um presidente argentino ao Fórum Econômico Mundial de Davos o demonstra, considerando que os três antecessores diretos nesse âmbito (Carlos Menem, Fernando De La Rúa e Eduardo Duhalde) não foram precisamente governantes que propuseram uma diferenciação entre Washington e o FMI, como fizeram os Kirchner. Melhor dizendo, foram dirigentes que cumpriam ao pé da letra as exigências dos organismos multilaterais de crédito para endividar o país, em um círculo defeituoso que lamentavelmente a Argentina parece disposta a retomar.
Faz mal ir para Davos em qualquer cenário? Não. Dilma e Lula o fizeram, por exemplo, tendo em vista e considerando o peso da economia brasileira no mundo contemporâneo. Mas ambos se cansaram de relatar ali a urgência da reforma do sistema financeiro internacional. E, antes de viajar, passavam pelo Fórum Social Mundial de Porto Alegre, mostrando dar valor a outras instâncias de participação internacional. Isto é: não iam para Davos para acatar, mas para tentar influenciar, dentro de um movimento de países emergentes, que logo formaram os BRICS [grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul], mostrando uma alternativa a essas próprias instâncias. Isso em Macri é impensável, por sua formação mas sobretudo por sua orientação ideológica e seu marco de alianças, inclinado a aceitar condicionamentos externos.
Agência Efe
O presidente argentino, Mauricio Macri
Uma outra particularidade nesse sentido: sabendo da confirmação da viagem para a Suíça, não disse nada (nem ele nem a chancelaria argentina) em relação à próxima cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), que será realizada dia 27 de janeiro em Quito, no Equador. Isso se relaciona com um dado evidente para qualquer pessoa que siga o âmbito das relações regionais: nem a Unasul [União de Nações Sul-Americanas], nem a Celac foram mencionadas pelo presidente em público. Não são consideradas por ele. Nisso, Macri se diferencia de outros dirigentes conservadores da região, que acreditam que a Celac pode dar uma “unidade na diversidade”: Juan Manuel Santos (Colômbia), Enrique Peña Nieto (México), Ollanta Humala (Peru), e até, em seu momento, Sebastián Piñera (Chile) tiveram participações nas diversas reuniões da Celac. Piñera chegou a presidir a mesma, e até teve de ceder a presidência pro tempore ao presidente cubano, Raúl Castro, além de que, indubitavelmente, o “bloco pós-neoliberal” tenha tido uma nítida condução desse processo integracionista. O próprio Santos, por sua vez, cumpriu um destacado papel dentro da Unasul, por meio de sua chancelaria, antecedente que Macri tampouco parece levar em consideração.
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Em relação a essas mudanças na política externa argentina, soube-se recentemente de uma notícia que deve ser analisada meticulosamente: Obama parece disposto a visitar Buenos Aires depois da viagem que fará para o Peru em novembro, segundo o jornal The New York Times. Qual é o objetivo da viagem para Lima do presidente norte-americano que está de saída? Sua participação na reunião da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico, instância que impulsiona o recentemente formado TPP (Tratado Transpacífico). Por trás do TPP há um objetivo bem concreto, planificado durante a presidência de George W. Bush: aumentar a influência norte-americana na região asiática, às custas da não participação da China – a segunda economia do mundo – nesse tipo de acordo comercial. O que de concreto está buscando os Estados Unidos? Que a China não defina as regras do comércio internacional. O que significa de fato o TPP? Que os Estados tenham obrigações e as corporações, direitos, como bem demonstra o lobby da indústria farmacêutica contra a elaboração de medicamentos genéricos.
Então, é por acaso que Obama pense em vir para a Argentina rapidamente depois dessa viagem sendo que antes — e desvinculado desse acordo — viajará para Cuba (degelo) e para a Colômbia (paz), segundo informa o próprio NYT? A resposta é não. Macri já se mostrou favorável a “flexibilizar” o Mercosul para convergir com a Aliança do Pacífico (da qual falou, sempre de forma elogiosa, ao contrário da Unasul e da Celac). Portanto, a visita de Obama poderia ter um condimento especial para a Argentina: seria a pedra fundacional para tentar somar um ator-chave da economia regional ao TPP. Os Estados Unidos sabem que não será fácil, uma vez que todo acordo comercial do país deve passar pelo Mercosul: entretanto, buscará romper definitivamente a sólida unidade que até 2015 teve o eixo Buenos Aires-Brasília-Caracas (buscando, além disso, formar um novo triângulo Buenos Aires-Assunção-Montevideo).
Esse último ponto tem relação, ainda, com uma mudança vertiginosa em relação aos BRICS: a Argentina passou de pedir sua entrada no bloco — tal como fez Cristina Kirchner para o próprio Lula tempos atrás — para dizer que revisará os acordos assinados com a China, entre os quais estão duas importantes represas do sul do país.
Paradoxalmente, somente dez anos depois de ter dito “não” para Bush na IV Cúpula das Américas de Mar del Plata — onde Néstor Kirchner foi anfitrião — a política externa argentina sofre uma bipolaridade veloz que pode levá-la novamente a negociar sua participação em um novo tratado de livre-comércio com hegemonia da primeira economia do mundo. Como se vê, uma “mudança” na medida de Washington.
Juan Manuel Karg é analista internacional e cientista político da Universidade de Buenos Aires. Artigo originalmente publicado no jornal argentino Pagina/12.