Quando o advogado Luiz Eduardo Greenhalgh lhe mostrou um relatório revelando a morte do pai e do marido, e confirmando a do irmão, Victória Grabois começou uma batalha para que a memória deles não fosse esquecida. A ideia era reunir os parentes de desaparecidos para entender de que maneira tinham morrido e exigir a verdade.
Leia a primeira parte:
Parentes desaparecidos nunca mais
Começa a maratona jurídica para conseguir junto ao Estado a abertura dos arquivos militares e a interrogação dos responsáveis. A primeira ação, em 1982, foi arquivada várias vezes. “O processo nacional demorou tanto que o juiz encarregado do caso se aposentou”, conta a militante, fundadora da ONG Tortura Nunca Mais no Rio de Janeiro.
O fato acabou se tornando uma benção para os parentes de vítimas. Em 2003, 21 anos após o início da ação, a nova juíza, uma mulher jovem sem relação com a ditadura, manda o Estado abrir os arquivos e chamar para depor todos os militares que tinham participado da repressão. O governo recorre da decisão. “Uma grande decepção”, deixa escapar Victória. “Não é o Lula que decepciona. Da até para entender, é um sindicalista. Esta luta não é a história dele, mas de outros companheiros esperávamos outra coisa”, insiste.
As manobras do governo não conseguem parar o julgamento. Além de ganhar no Supremo Tribunal Federal, os parentes de vítimas assistiram finalmente ao primeiro resultado do pedido, feito em 1995 na OEA (Organização dos Estados Americanos). Em outubro de 2008, a entidade resolveu encaminhar o processo para a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Uma condenação do Brasil por falta de cumprimento da lei pode ter uma repercussão internacional. “Ainda mais se acontece em 2010, em pleno ano eleitoral”, espera Victória.
A ameaça parece ter produzido efeito. Em agosto, o governo lançou a operação “Tocantins”, mandando tropas de Exército – sob a responsabilidade do Ministério da Defesa – à região amazônica para procurar os restos mortais dos guerrilheiros do Araguaia. Victória considera o fato de os militares estarem à frente das investigações um absurdo. “Como aqueles que mataram os guerrilheiros, que prenderam e torturaram grande parte da população, pretendem fazer surgir a verdade?”, questiona.
Para ela, as autoridades querem “mostrar para a Corte que foram lá e cumpriram a sentença da juíza, mas não vai funcionar”, conclui. A medida foi chamada de “farsa” pelos integrantes do grupo Tortura Nunca Mais – Rio de Janeiro. Eles avaliam que, ao contrário do que pretende o governo, a movimentação assustará a população local, calando os sobreviventes que ainda têm informações sobre o local das ossadas. Também lembram que, segundo a decisão da justiça, o governo deveria convocar para depor militares que participaram da repressão aos guerrilheiros, ponto recusado.
Política “perversa”
Para os militantes, a política iniciada com o presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) de reparação financeira aos anistiados e aos parentes de desaparecidos é perversa. “O governo dá o dinheiro esperando que a gente vá calar a boca. Mas nós não queremos dinheiro, queremos a verdade. Que nos digam como morreram, onde, quem matou e em qual lugar os restos mortais estão enterrados!”, protesta Victória.
A pesquisadora insiste que não é revanchismo. Contar a historia é vital para todos os brasileiros. “Um dos fatores da violência neste país, especialmente no Rio de Janeiro, é a impunidade desde a época da ditadura militar. Por que um policial militar pararia de torturar hoje se os torturadores de ontem podem continuar a circular sem problema? Antes eram militantes de esquerda, hoje são os favelados. Mas a tortura continua”, diz, explicando que sua associação trabalha também em cima da tortura contemporânea.
Ela lembra que a partir desse ponto de vista, o Brasil está em uma situação desconfortável na América Latina. Segundo Victoria, os brasileiros não têm promovido os mesmos avanços quanto a punição dos repressores, como é observado em países como Argentina, Chile e Uruguai.
Victória deposita todas as esperanças no processo da CIDH, que deveria avançar no começo do ano que vem. “Estou cansada, quero que termine logo, quero seguir vivendo a minha vida”, confessa. Ela esta segura que o corpo de seu pai nunca vai aparecer. “Imagine, o comandante da guerrilha! Os militares nunca vão liberar…”. Olhando pelos rostos em preto e branco de Mauricio, Gilberto e André, ela leva de novo a mão para suas costas e suspira: enquanto a verdade não surgir, ela não vai a descansar.
Leia a primeira parte:
Parentes desaparecidos nunca mais
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