“Não me lembro de nenhum período de minha vida que não tenha sido marcado por distintas experiências de perseguição, intimidação e, no final, de perigo”, conta, com muita tranquilidade, o deputado colombiano Iván Cepeda Castro, em seu novo gabinete no Palácio do Congresso, em Bogotá. A história de Iván, nascido em 1962 e um dos porta-vozes da organização “Colombianos e Colombianas pela Paz”, liderada pela ex-senadora Piedad Córdoba, foi e ainda é profundamente vinculada ao combate à violência na Colômbia, tanto a provocada pelo Estado como a cometida pelas guerrilhas.
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Iván Cepeda: o assassinato do meu pai marcou uma mudança profunda, abriu um horizonte de experiências humanas
“No início, foi pela atividade dos meus pais. Lembro-me de um primeiro exílio na infância. Iam matar meu pai e também perseguiam minha mãe, e tivemos de fugir do país. Em outra época, ambos estiveram presos. E em muitas outras ocasiões tivemos de sair. Lembro-me de que, por segurança, meu pai saía antes, depois minha mãe e então eu. Por isso, como tantos colombianos, não conheci um período de plena tranquilidade. Agora, no desenvolvimento pleno de minha vida política, profissional e de defensor dos direitos humanos, obviamente isso recrudesceu e tive de passar por uma série de situações difíceis”, afirmou ao Opera Mundi.
Ivan é um homem sério, determinado, capaz de fascinar com suas palavras, que descrevem com lucidez a tragédia colombiana e seus meandros políticos. Sua figura é uma mistura de Malcolm X e Ghandi: cabelo crespo, denso e negro, barba aparentemente descuidada, olhar profundo e ao mesmo tempo tranquilizador por trás de óculos redondos.
O deputado, eleito em 2010 pelo Pólo Democrático Alternativo, é o rosto histórico do Movimento de Vítimas de Crimes de Estado (Movice), do qual é porta-voz desde a fundação, em 2003. No momento em que Cepeda assinou a ata constitutiva, no ano passado, ergueu o cartaz com o retrato do pai, Manuel Cepeda, senador assassinado em 1994 por dois matadores de aluguel. O mesmo cartaz que ele levava em todas as passeatas das quais participou.
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A morte do pai marcou profundamente sua vida. “Eu tinha 28 anos e minha vida eram os estudos. Mas eu também era militante político, por uma espécie de herança familiar. Tanto meu pai quanto minha mãe eram ativistas políticos e meu avô foi sindicalista. Mas o assassinato do meu pai marcou uma mudança profunda em minha vida. O contato direto com o homicídio de um parente nos faz ver as coisas sob outra perspectiva. Isso me abriu um horizonte de experiências humanas que, acredito, permitiram que eu me envolvesse de outra forma na atividade política, na vida deste país e nos movimentos de defesa dos direitos humanos.”
O assassinato do senador Cepeda aconteceu no marco do chamado “genocídio do partido da União Patriótica (UP)”, série de crimes que tirou a vida de três mil integrantes, entre eles dois candidatos à presidência, sete congressistas e onze prefeitos. Uma média de um a cada 19 horas durante sete anos foi morto pela extrema-direita paramilitar.
Recentemente, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Estado colombiano pelo assassinato de Manuel Cepeda, considerando-o um crime de lesa-humanidade. A corte obrigou o Estado a realizar um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional pelo homicídio, além de condenar os autores intelectuais do crime, sendo que os executores materiais, dois suboficiais do exército, já foram julgados. O então presidente Álvaro Uribe, em troca do cumprimento da sentença e do pedido de perdão, fez um discurso em 24 de junho.
A sentença é histórica, pois foi a primeira vez que um homicídio político se tornou objeto de uma condenação em um tribunal internacional. “Isto não é um caso isolado”, afirma Iván. “É um caso que se insere em uma cadeia de homicídios, desaparecimentos e torturas envolvendo a União Patriótica. Um genocídio político. Uma sentença como esta esculpe em mármore uma verdade histórica e cria jurisprudência. De fato, acredito que uma das repercussões da decisão é abrir caminho para a ação coletiva da UP na mesma corte.”
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Iván propôs debate na Câmara sobre os “falsos positivos”, cidadãos mortos para inflacionar as estatísticas do exército
Há alguns anos, falar de crimes de Estado na Colômbia era praticamente impossível. Hoje, graças ao Movice e à figura de Iván, a sociedade colombiana começa a reconhecer que o Estado foi responsável por múltiplas violações dos direitos humanos e crimes de lesa-humanidade.
“Não é que antes não existissem organizações de vítimas no país”, continua ele. “Em meados dos anos 1990, tínhamos uma organização chamada Colombia nunca más, uma iniciativa, como as que existiram em muitos países da América Latina, de memória histórica da violência. Mas as 17 organizações que iniciaram esse processo chegaram à conclusão de que não bastavam as ações das ONGs e um trabalho de documentação. Faltava um sujeito coletivo. Por isso sentimos a necessidade de criar o Movice.”
Vida parlamentar
Em março, com uma das maiores votações do país, Iván foi eleito deputado. Desde a posse, ele tem sido um dos parlamentares mais ativos, convocando dois importantes debates: a restituição de terras aos deslocados pela guerra civil e as valas comuns de La Macarena, onde foram encontrados 449 corpos, em sua maioria vítimas de militares colombianos. Desse fato eclode o escândalo dos “falsos positivos”, ou colombianos mortos para incrementar as baixas provocadas pelo exército.
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Iván explica assim a passagem dos movimentos sociais para a política: “Nestes anos de construção do movimento de vítimas, tínhamos a ilusão de que a conquista da justiça e de certos padrões de verdade e reparação significariam uma transformação da sociedade. Houve avanços, mas não ocorreu uma mudança substancial na relação de forças entre vítimas e beneficiários dos crimes. A institucionalidade política, os partidos políticos e as formas de exercício do poder sempre estiveram viciados e, por isso, hesitamos em entrar nesse sistema”, sustenta.
Mas, de acordo com ele, os movimentos sociais na Colômbia têm problemas para fazer com que suas decisões tenham eficácia política. “Encontro-me a meio caminho. Vejo com olhos críticos a institucionalidade política, mas acredito que, como vítimas, precisamos de mais capacidade política. Chegamos a níveis de verdade importantes: obtivemos a condenação de certos políticos, revelamos que eram eles que estavam por trás dos crimes e, por isso, eles foram julgados e estão presos. Mas o poder político se mantém intacto. Os políticos passam alguns poucos anos na prisão e, quando saem, eles ou seus parentes continuam com o poder. Já os principais líderes das vítimas foram assassinados ou estão presos. Por isso é preciso reverter esse processo entrando na política. O que posso dizer, poucas semanas depois de ter sido eleito, é que isso cria uma possibilidade de incidência enorme. Os debates que promovi e seu impacto social e midiático comprovam isso.”
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