Luiz A. Gómez/Opera Mundi
Chaitali fala sobre as dificuldades de ser pobre e boxeadora na Índia: “tenho de seguir tentando e começar a nocautear todas elas”
É pequena é frágil, mas nada nela mostra à primeira vista sua capacidade de nocautear sua oponente com golpes. Seu sorriso delicado e sua eterna vontade de dançar são como de qualquer outra adolescente do mundo. Mas Chaitali Kapat não é uma jovem qualquer: há alguns anos pratica para se tornar uma medalhista olímpica, um campeã mundial de boxe, em uma mulher de sucesso do empobrecido bairro de Utta Podra, nos arredores de Calcutá.
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A cada manhã, no teto de uma casa, essa jovem de 15 anos desfere golpes contra um saco cheio de areia do rio ou faz abdominais sobre o cimento. Sob a supervisão de seu técnico, um ex-campeão nacional, Chaitali pula corda e se exercita sem descanso com as luvas de treino. Assim como para outras centenas de garotas em todo o país, o boxe se transformou em sua vida, em uma alternativa para seguir em frente.
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Enquanto isso, sua mãe, Shyamali, tão pequena quanto ela e de apenas 33 anos, sai para trabalhar no centro, em uma fábrica de roupa, onde limpa o chão, sacode o pó e serve o chá todos os dias. “Não é suficiente. Chaitali está crescendo e faz muito exercício. Não ganho dinheiro para dar à ela a alimentação que necessita. Como vai sair na frente assim?”, quase soluça a jovem viúva, enquanto olha a filha se preparar para o torneio em outro bairro. “Me dá medo que a machuquem. Como vou casá-la se deformam seu rosto?”, conclui.
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Pelo peso e altura, a jovem esportista poderia ser uma das milhões de jovens que sofrem de anemia na Índia – segundo a ONU (Organização das Nações Unidas) esse mal afeta quase 90% das adolescentes indianas). Mas nem isso a preocupa: ela segue treinando com o olhar fixo no horizonte.
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Bater, vencer
Diz Sanjeeb Banerjee, seu técnico, que, quando começou a treinar com os jovens de Utta Podra, Chaitali os olhava todos os dias. Em seguida, instigava os meninos a lutarem contra ela e os fazia de saco de pancadas. Até que aceitou colocar as luvas e começou a treinar com ele em seu clube, Ananda Mela, pelo menos duas tarde por semana. “É difícil porque ela é muito travessa, prefere estar em cima de uma árvore ou voar em um cometa que ir à escola. Já no curso passado tive de falar com seus professores para que lhe aprovassem em algumas matérias”.
Luis A. Gómez/Opera Mundi
Pelo peso e altura, a jovem esportista poderia ser uma das milhões de jovens que sofrem de anemia na Índia
No entanto, no boxe, a garota é totalmente aplicada. Naquele dia, no qual a federação local de boxe amador organizou um torneio, Chaiatali subiu ao ringue sem olhar para ninguém, nem para sua rival, nem para o treinador na esquina do quadrilátero. Mas, uma vez que campainha soou, olhou apenas para a cabeça de sua oponente e começou a golpeá-la sem trégua.
“Quando eu comecei a lutar”, explica, “não conhecia as regras. Em minha primeira luta subi ao ringue pensando que tinha de socar primeiro e assim ganhar mais pontos. Desde então, acho que se eu bater primeiro vou ganhar a luta.”
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A outra jovem, vestida de vermelho, resistiu de pé os três rounds do combate, mas não conseguiu evitar que Chaitali a colocasse contra as cordas duas vezes com sequências intermináveis de ganchos e diretos.
Neste país, onde todos os dias os estupros e o assédio sexual são notícia, essa garota bengali diz não ter medo dos socos. “Vão me machucar em qualquer lugar; aqui, pelo menos, ganho se bato mais forte”.
Uma medalha e uma casa
No ano passado, Mary Kom, cinco vezes campeã mundial amadora, obteve a medalha de bronze nas Olimpíadas de Londres. Chaitali e outro 1,3 milhão de pessoas a proclamaram sua heroína. Entre seus recortes juvenis, junto às publicações da imprensa que falam de seu talento, guarda também as de sua ídola, que quer superar um dia desses.
Mas, primeiro, terá de comprar sapatos. Os que usou no combate anterior eram emprestados. A economia familiar não é suficiente para comprá-los. Desde que seu pai apareceu enforcado em uma árvore, depois de um bebedeira, não sobra dinheiro na casa. “Estive muito tempo brava com sua morte. Agora já não, mas não quero que minha mãe continue sofrendo. Por isso, quero comprar para ela uma casa com as minhas premiações.”
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Meia dúzia de medalhas estão penduradas em uma parede rosa de seu quarto. “Acabo de pintar eu mesma com a premiação que me deram por ganhar o campeonato nacional sub-júnior no ano passado. Estão na parede todos os meus prêmios, menos esse (de ouro) porque a minha tia o guardou em uma maleta.”
Uma semana mais tarde, junto com outras três boxeadoras de seu estado, Chaitali foi a um torneio nacional de escolas públicas para continuar triunfando. Ganhou seu primeiro combate com quatro golpes, em 3 segundos e meio. Mas perdeu, no entanto, na final. Sua primeira derrota. “Por um ponto”, diz, sem rancor, “mas era uma atleta muito resistente, mais bem treinada que eu.”
Em meio a um subúrbio muito pobre, sem sequer contar com a roupa necessária ou um programa de treinamento, como acontece com outras garotas como ela, Chaitali Kapat sabe que é uma das quase 1 bilhão de pessoas que vivem abaixo da linha de pobreza na Índia, com menos de 2,5 dólares ao dia para comer e satisfazer suas necessidades básicas. “Mas tenho de seguir tentando e começar a nocautear todas elas.”