“Há crocodilos por toda parte. Você os escuta gemer à noite”, diz Lalbagh, de 29 anos, enquanto se agarra a um bote que atravessa a água até uma ilha distante, passando ao lado de copas de árvores que surgem da superfície.
Parece um lago – mas são campos de algodão e arroz submersos a vários metros de profundidade depois das chuvas torrenciais que castigaram a província de Sindh, no sul do Paquistão, em agosto passado, afetando mais de 5 milhões de pessoas, que agora lutam para sobreviver sem comida nem água potável suficientes.
Eduardo Diaz/Save the Children
Nadeem, de oito meses, é examinada por médicos da ONG Save the Children. As crianças são as maiores vítimas
Labagh está sentado sobre sacos de farinha e arroz e contêineres de óleo vegetal e alimentos para crianças, recolhidos em um posto de distribuição da ONG Save the Children. É a primeira ajuda que lhe chega desde as inundações.
Minutos depois, chegamos à ilha onde fica sua aldeia, um conjunto de casas de adobe miseráveis – a meta em ruínas – onde vive uma dezena de famílias. Enquanto nos sentamos diante de sua casa semidestruída, Lalbagh explica como a chuva começou em um dia e nunca parou.
“Estava escuro e a água cercou o povoado em poucas horas”, conta ele, enxugando o suor da testa. O calor é extremo e o odor da água estancada, insuportável. “Escapamos pouco antes de o teto desmoronar. A água levou tudo o que tínhamos, não nos restou nada.”
“Nossa filha de três meses morreu de desidratação e diarreia poucos dias depois”, acrescenta Lalbagh. “Foi impossível atravessar a água para chegar ao hospital. Vou me arrepender disso pelo resto da vida.” A seu lado estão sentadas sua mulher, Sabhal, de 26 anos, e a filha que lhes restou, Nazia. Até agora, eles sobreviveram graças a bolachas secas, chá e pão, bebendo água contaminada do lago.
Eduardo Diaz/Save the Children
Nazia, 4 anos, viaja de barco com o pai, Lalbagh, após receber mantimentos para suportar as cheias
Mais de 3 milhões de pessoas em Sindh precisam de ajuda urgente de alimentos e medicamentos, advertem as Nações Unidas. No entanto, a resposta da comunidade internacional tem sido quase nula, e apenas um quarto do fundo de emergência necessário – de 357 milhões de dólares – foi coberto.
Desesperados para encontrar comida, Lalbagh e outros às vezes se aventuram pelo lago pela manhã, para ir até a margem oposta, distante cerca de 3 quilômetros. Sem acesso a botes, eles cruzam o lago seguindo cuidadosamente a estrada elevada, sob um metro de água, que atravessa os campos vários metros mais abaixo, sempre em grupos de quatro ou cinco pessoas, para afugentar os crocodilos.
Eles buscam qualquer trabalho na cidade para ganhar algumas rúpias. Se têm sorte e conseguem algo, usam o dinheiro para comprar farinha, arroz ou algum recipiente de água, que depois carregam nas costas de volta ao povoado ao anoitecer.
Mas isso não é suficiente. Várias crianças do povoado estão gravemente desnutridas, assim como inúmeros outros casos na região, como a filha de Lalbagh. “Olhe para ela”, diz sua mulher Sabhal, enquando segura Nazia nos braços. “Tem quatro anos e parece ter apenas um e meio. Quando ela come, sua barriga se incha e ela começa a chorar. Ela tem febre e apenas toca na comida.”
Eduardo Diaz/Save the Children
A destruição provocada pelas cheias atingiu as escolas da região, deixando as crianças sem acesso à educação
Lalbagh e outros pequenos agricultores da zona só esperam voltar a seus campos daqui a pelo menos um ano, quando as águas retrocederem e o terreno se recuperar do sal acumulado. Ele costumava ganhar 55 rúpias (60 centavos de dólar) por dia cultivando algodão e arroz, e deve 50.000 rúpias (575 dólares) ao latifundiário dono do lugar. Não consegue pagar.
“Estamos encurralados. Esta é a terra de nossos antepassados, mas não há nenhum futuro para nós aqui. A cada noite rogo a Deus que minha família e eu consigamos sobreviver.
NULL
NULL
NULL