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Quais são as razões que levam milhares de pessoas a se arriscarem em embarcações da costa da África até a ilha de Lampedusa, na Itália? Algumas fogem de países em guerra ou assolados pela fome. Há também aquelas que não encontram futuro em seus locais de origem e preferem correr riscos a permanecer onde estão.
Mas, por trás de cada desembarque, existe um elemento comum: todos chegam cheios de histórias. “Saif Islam, da Gâmbia, chegou algum tempo atrás. Contou que trabalhava no campo, pois o pai morreu quando ele ainda era muito pequeno e a família não tinha dinheiro. Até que, um dia, um burro caiu sobre ele e quebrou sua perna. Ele ficou inválido e a mãe precisou voltar a trabalhar. Depois de um tempo, ela morreu e ele resolveu partir”, conta Laura Verduci, da Terre des Hommes, associação humanitária. “Quando chegou à Lampedusa, perguntamos porque estava aqui e ele disse com extrema simplicidade: ‘Porque fiquei sozinho.’”.
As viagens mais longas são daqueles que partem de Nigéria, Sudão, Gâmbia e de países no Chifre da África. Suas histórias nos levam muitas vezes à Líbia, onde, sob o regime de Muamar Kadafi, tiveram de enfrentar o drama dos centros para imigrantes, nascidos de um acordo com a Itália. Neles, o padrão de vida e de detenção eram piores que os europeus.
Os negros, que estavam na Líbia para trabalhar, são frequentemente confundidos com mercenários de Kadafi e ameaçados de morte. Os estrangeiros, em geral, são vulneráveis, vítimas de furtos, roubos e violência física. Por isso, muitos trabalhadores que estavam na Líbia fugiram para Lampedusa. Há também muitos asiáticos, provenientes sobretudo do Paquistão e de Bangladesh. A maioria não conseguiu participar das evacuações de suas embaixadas.
Entre os desembarques da Líbia, o Opera Mundi presenciou o de um grupo de paquistaneses. Todos trabalhavam na mesma fábrica, até que o proprietário decidiu fechá-la. Era perigoso demais continuar, e mais perigoso ainda permanecer em Trípoli. Assim, ele decidiu pagar o bilhete da travessia para os operários e todos seguiram para a Itália. Os paquistaneses embarcaram, mas todos os ganhos obtidos na Líbia ficaram. Era impossível retirar o dinheiro dos bancos. Impossível também voltar atrás, ao próprio país, sem nenhum dinheiro. Tentariam manter-se na Europa e trabalhar, para refazer uma vida e continuar a mandar dinheiro para casa.
À deriva
As histórias de quem foge da guerra na Líbia somam-se àquelas de quem tentava chegar à Europa por conta própria. É o caso de uma mulher de Mali, que chegou à Itália em agosto, em um navio carregado com 400 imigrantes que se perdeu no Mar Mediterrâneo por seis dias. Um caso que alcançou os jornais, pois 25 pessoas morreram. “Parti do Mali em 2008, porque tive problemas familiares”, relata. “Encontrei trabalho na Líbia em uma empresa do Qatar. Trabalhava das 08h às 17h e dormia nas casas dos funcionários. Quando começou a guerra, a vida ficou difícil, os negros eram roubados e agredidos. Tínhamos medo de morrer. Depois, a empresa fechou e não sabíamos para onde ir. Fugir do país era impossível, porque ao sul as fronteiras estavam fechadas e, ao norte, há o mar”, conta.
De acordo com ela, o valor da passagem para Lampedusa era de 400 dólares. “Parti em 30 de julho. O mar estava calmo e a viagem deveria durar somente dois dias, mas nós nos perdemos. Os mantimentos e a água eram escassos, porque nos haviam dito que em pouco tempo chegaríamos. Depois de um tempo, alguns começaram a beber água do mar e tiveram cólica e diarréia.”
Conforme contou a refugiada, que pediu para ter a identidade preservada, os dias seguintes foram de horror e desespero. “O navio estava cheio de mulheres e crianças, todos muito pobres. A situação era horrível. Pessoas morreram de fome e de sede, consumidos pelo cansaço e pelo sol. Tivemos de jogar os corpos ao mar. Tínhamos medo de morrer, chorávamos e gritávamos, e pedíamos ajuda a Deus. A cada hora que se passava a situação tornava-se mais crítica”.
Alguns dias depois, a ajuda parecia ter chegado. Mas os imigrantes não contavam com o que aconteceu. “Avistamos uma grande embarcação italiana. Fizemos sinais, pedimos ajuda, queimamos nossas roupas para sermos vistos, mas o navio foi embora. Na manhã seguinte, chegou um helicóptero. Uma pessoa desceu pela corda e jogou água e doces”, diz. “Pouco depois, chegaram os botes de resgate e começamos a embarcar. Primeiro as crianças e as mulheres. Depois os homens. Levaram-nos todos à Lampedusa.”
Reencontro
E, em meio às histórias de perigo e dor, há as de esperança. Dois rapazes de Camarões, de 15 e 17 anos, chegaram à Lampedusa neste verão. Eles eram amigos em seu país, mas se separaram. Um deles fez uma longa viagem pelo deserto, em que arriscou a vida para alcançar a mãe que trabalhava na Líbia. O outro, órfão, foi sequestrado. Mas logo os criminosos perceberam que não havia ninguém para quem pedir o dinheiro do resgate, e assim o puseram para trabalhar.
Na Líbia, o rapaz reencontrou o amigo e a mãe dele decidiu cuidar dos dois. Depois, fugiram por causa da guerra. Mas desta vez perderam a mãe. Agora, os dois estão juntos, na Sicília. Escrevem poesias à mãe e buscam um meio de reencontrá-la.
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