Efe
Operários trabalham na montagem de estrutura na Cúpula dos Povos, que começa nesta sexta-feira no Parque do Flamengo
Organizada para ser um contraponto às discussões em curso na Rio+20, tem início nesta sexta-feira (15/06) a Cúpula dos Povos, um evento de natureza altermundialista que espera abrigar diariamente 15 mil pessoas no Parque do Flamengo. O evento, organizado por mais de 200 ONGs, questiona criticamente os rumos e ideias defendidas na Conferência da ONU, em especial a ênfase dada à economia verde, e está programado par se encerrar em 23 de junho.
Com quase mil eventos entre palestras, debates, manifestações culturais e mobilizações, a “Cúpula dos Povos na Rio+20 por justiça social e ambiental” foi idealizada a partir de 2010 e formalmente anunciada em janeiro de 2011, durante o Fórum Social Mundial de Dacar, no Senegal. Ela tem, como irmã mais velha, a Cúpula da Terra, que há vinte também serviu como oposição ao evento mais badalado, a Eco-92. Embora tenham sido criadas nos mesmos moldes, há uma pequena desvantagem para o encontro atual: dificilmente a Cúpula terá qualquer influência na tomada de decisões do evento considerado oficial, a Rio+20.
“Desta vez não há qualquer disposição política dos governos para aceitar sugestões e mudanças. O efeito da Cúpula é a longo prazo, e ela servirá como caminho para se procurar novas propostas. Os diferentes grupos que lá participarão têm a oportunidade de se conhecerem melhor, se articularem politicamente e trocarem experiências”, diz Marijane Vieira Lisboa, socióloga e professora da PUC-SP.
“A Cúpula é nossa chance de sermos ouvidos, de usarmos nossa capacidade de mobilização e jogar contraponto ao que é debatido (na Rio+20). O modelo de economia verde vendido é falso. Faremos um contraponto efetivo, apresentando alternativas que podem mudar o padrão de vida no mundo sem alterar a qualidade de vida. E isso é feito também através da mobilização nas ruas. Pelo menos uma coisa tanto a conferência oficial quanto a paralela estão trazendo de semelhante: trazer o debate sobre o meio ambiente de volta à consciência pública”, diz a antropóloga e ambientalista Iara Pietricovsky, que participa da organização do evento.
Descrença
Os participantes da Cúpula dos Povos não acreditam que a ONU, que coordena o “evento oficial”, será capaz de, através da Rio+20, frear a degradação ambiental no mundo. E que, com as propostas que tem sido apresentadas até agora, o encontro está apenas criando situações extremamente favoráveis para piorar ainda mais o meio ambiente. Apostar na “economia verde”, segundo seus integrantes, traria apenas soluções paliativas.
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Ou seja, não se deve esperar do Riocentro, local onde ocorre a Rio+20, decisões que de fato contribuam, ou mesmo apaziguem, a redução de emissões de carbono na atmosfera ou a defesa da biodiversidade (como ocorreu em 1992, durante a Eco-92, embora com poucos resultados práticos).
Como a própria Rio+20 se apresenta apoiada sob “três pilares” (proteção ambiental, desenvolvimento econômico e segurança social), os integrantes da Cúpula acreditam que não há como se pensar em desenvolvimento sustentável se o próprio sistema econômico que a Rio+20 usa como fomentador de mudanças é, por si só, insustentável – em um mundo que atualmente não suporta o atual ritmo de produção.
Um dos pontos altos do evento será em 20 de junho, o Dia da Mobilização Internacional, quando estão previstos uma série de manifestações durante o dia todo. não por coincidência, na mesma data em que está prevista a chegada de mais de cem chefes de Estado em todo o mundo para dar início à fase final da Rio+20.
Iara lembra que a Cúpula apoia uma série de movimentos populares que eclodiram em 2011 pedindo mudanças políticas ao redor do globo e que podem se fazer presentes no Rio, como a Primavera árabe, os Occupy nos EUA e os “indignados” na Espanha, além de antigos movimentos sociais passando até por hackers, como do grupo Annonymous.
Plural
A Cúpula é composta por ativistas de áreas completamente díspares mas com uma visão semelhante de mundo. Além dos ambientalistas, também devem participar ativistas políticos, economistas, estudantes, pacifistas, agricultores, urbanistas, grupos feministas, direitos das minorias étnicas, entre tantos outros.
Com uma variedade tão grande de participantes, ficaria praticamente impossível para todas as associações participantes chegarem a uma declaração consensual, nos moldes do documento “O Mundo que Queremos”, que está sendo preparado, com muita dificuldade, na Rio+20. Mas esse não é, de longe, um propósito do evento.
“Não buscamos uma declaração de consenso. O objetivo é produzir consciência e reforçar articulações, assim como reconhecer a importância das alterações na sociedade. Reconhecemos as diferenças entre nós. No entanto, estamos em uníssono contra a mercantilização e o financiamento da vida e as soluções que o mercado quer impor a ela”, afirma Iara.
Críticas
Por defender ideais considerados controversos por muitos e mudanças profundas na sociedade, a Cúpula acaba, inevitavelmente, provocando discordância por quem defende o outro lado e advoga pela base do modelo econômico atual. Entre as críticas mais comuns, estão a de que os ativistas têm propostas radicais, pouco flexíveis e objetivas e que suas reivindicações levariam muito tempo para causar algum impacto ambiental.
Para o agrônomo e ex-secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo Xico Graziano, os ativistas que participam da Cúpula dos Povos são contra a economia verde porque são contra, na verdade, o próprio capitalismo. “Eles visualizam uma sociedade alternativa que, até onde consigo entender, será de um tipo socialista-primária e retrógrada tecnologicamente. Não são ambientalistas, mas pegaram carona no movimento para alavancar sua luta por mais ‘direitos sociais’, o que é aceitável. Sua proposta, porém, carrega uma espécie de ‘terceiromundismo’ sem chance de vingar”, afirma.
“Esse tipo de manifestação contrária a tudo ocorre até mesmo nas rodadas do comércio internacional. Sempre aparecem pessoas que defendem uma ‘mudança total’. Dentro do que está organizado, eu procuro uma resposta prática, tentando uma solução dentro do que temos”, afirma o economista Eliezer Martins Diniz, da Fea-USP de Ribeirão Preto, que participa de eventos paralelos e incluídos na Rio+20, mas não está na Cúpula.
“Se as coisas acontecessem do jeito que eles (os ativistas) quisessem, a possibilidade de agir sobre o problema [aquecimento global] iria lá pra frente. Não é sério, é inócuo. Enquanto a discussão ficar em nível acadêmico, para mim ok. Mas essa atitude de que ‘sempre tem que acabar com tudo’ não vai levar a nada. É muita manifestação pra pouco resultado”, conclui.