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O dia 31 de dezembro deste ano marcará o fim do Protocolo de Quioto, uma das tentativas mais ousadas e polêmicas de tentar reduzir a emissão de gases de efeito estufa no planeta. Sem país algum disposto a renegociar sua parcela de responsabilidade, o tratado não tem qualquer perspectiva de ser renovado.
A última chance disso ocorrer será na COP 16 (Conferência anual das Nações Unidas para mudança climática), que será realizada entre 16 de novembro e 7 de dezembro no Catar. Mas o plano principal desse encontro gira em torno da elaboração de um novo documento, cujos termos só serão definidos em 2015 e que passaria a ser aplicado em 2020 – desta vez, contando com uma participação maior dos principais países emergentes. Nada garante, porém, que ele seja fechado esse ano.
Enquanto isso, no Rio de Janeiro, o tema do aquecimento global tornou-se uma pauta secundária na Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, que será realizada até o dia 22.
Segundo especialistas consultados pelo Opera Mundi, Quioto não será renovado em uma segunda fase, e o mundo ficará sem referência jurídica para o clima nos próximos três anos. Para a geóloga Lúcia Ortiz, coordenadora da ONG Núcleo Amigos da Terra, não há possibilidade de salvar o Protocolo. Em sua opinião, o único interesse das nações responsáveis pelas mudanças climáticas é ampliar os mecanismos de mercado de carbono lançados no Protocolo de Quioto.
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“Este foi o grande ‘cavalo de Tróia’ das negociações climáticas: dar preço ao ar e criar um mercado de compensações por emissões não reduzidas, que hoje é uma lógica que se expande para outros bens comuns como a água e a biodiversidade e está no centro do que chamamos das falsas soluções da economia verde”, afirma. A ONU, em sua opinião, não ataca o problema estrutural: a mudança de padrão de consumo e produção.
Já o professor de Economia Eliezer Martins Diniz, diz que a cada COP tenta-se estabelecer um prolongamento do Protocolo, mas este já nasceu com grandes falhas estruturais, e seu resultado foi a melhor solução pragmática possível. “Ele já foi concebido de uma maneira que o deixou muito enfraquecido. A principal falha gira em torno dessa polêmica de que nem todos os países deveriam cumprir metas em sua primeira fase. Já alguns defendem que os países em desenvolvimento deveriam estar isentos porque não contribuíram para o quadro atual. Só que eles agora têm contribuído de forma bem decisiva, e logo poluirão mais do que as grandes potências”.
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Desatres como o causado em Long Beach, Mississipi, pelo furação Katrina, em 2005, devem se tornar mais frequente
Quando fala em países de desenvolvimento, Diniz cita as grandes economias como Brasil, China, Índia e Rússia, por exemplo. Em sua opinião, a conta também deveria ser paga por eles, já que esses países também não se encontram no mesmo nível de pequenas economias.
“Não haverá novo acordo no futuro sem essa condição, e isso é irreversível”, afirma. Para ele, o anúncio do Brasil no último dia 6 em reduzir suas metas de maneira voluntária em 36,1% até 2020 pode até ser uma forma de evitar que o país seja obrigado a cumprir uma meta maior, ganhando capital político nas futuras negociações.
Coadjuvante
Longe das discussões sobre a emissão de gases do efeito estufa, negociadores dos 193 países-membros da ONU que participam da Rio+20 preferem se concentrar nas possibilidades econômicas da “economia verde”. Há vinte anos, sua antecessora, a Rio-92º colocou como a grande estrela e conseguiu fechar a Convenção das Nações Unidas sobre a Mudança Climática, que serviu de concepção para o Protcolo.
Desde que foi efetivado, em 2005, o acordo previa que os países-membro da INU deveriam reduzir a emissão de gases de efeito estufa em 5,2% entre os anos de 2008 a 2012, nos mesmos níveis dos anos 1990. Esses quatro anos eram considerados a primeira fase do compromisso, no qual apenas os 38 países considerados desenvolvidos deveriam reduzir suas metas. Países como Brasil, Rússia, China e Índia estavam momentaneamente isentos. Como os Estados Unidos foram um dos poucos que não ratificaram o acordo, a meta geral foi reduzida em 4,2%.
Lúcia, que é uma das coordenadoras da Cúpula dos Povos, evento paralelo e crítico à Rio+20, disse que, embora o tema do aquecimento global ter sido relegado a coadjuvante, o quadro das mudanças climáticas é muito grave. “A maior intensidade e frequência de eventos climáticos extremos aumenta as injustiças e interfere em comunidades inteiras ao redor do mundo. Mesmo que setores específicos ligados à expansão da extração dos combustíveis fósseis e mineração queiram negar isso”.
O que os dois especialistas parecem não discordar é a gravidade do tema. “As evidências do IPCC (sigla em inglês do Painel Internacional de Mudança Climática) são muito claros. Pode-se se ate discordar sobre a intensidade, mas todas as evidências apontam para isso. E a causa do aquecimento global é antropogênica, causada pelo homem, não é natural”, afirma.
Lúcia deu alguns exemplos , como as secas, furacões e inundações na América Central. “As secas na Amazônia em 2005, o furacão Katrina [que devastou a Luisiana] no mesmo ano, vários desastres relacionados a enchentes em Santa Catarina”.
Alguns números da última grande análise do IPCC, mesmo que datadas de 2007, são claros em mostrar a atuação danosa da atividade humana sobre o clima do planeta. A temperatura do mundo irá subir de 1,1 °C até 6,4 °C até o fim do século, enquanto o nível do mar, principalmente em razão do derretimento das calotas polares, deverá subir de 18 a 59 centímetros. Os efeitos colaterais serão o aumento do que já está sendo observado: chuvas intensas em algumas regiões quanto outras enfrentarão secas mais prolongadas, ondas de calor, ciclones, ondas gigantes que podem atingir cidades litorâneas.
Consciência
Um dos poucos pontos positivos que rodeiam o tema das mudanças climáticas, segundo Diniz, é a visível tomada de consciência do problema por parte da população. “A própria comunidade científica já está mais convencida a respeito da gravidade do problema do que no passado. Comecei a pesquisar o tema em 1997, e muitos colegas ainda torciam o nariz, achavam modismo. Mas houve grande evolução na área de pesquisas e o tema se espalhou para várias disciplinas, como engenharia, economia, meteorologia e saúde”. Já o mesmo, segundo ele, não pode ser dito do setor industrial. “Salvo pelo setor de transportes, com os carros híbridos e elétricos, muitos setores vão a reboque da legislação”, afirma Diniz, que participou de alguns painéis na Rio+20 sobre mudanças climáticas.
Lúcia lembra porém que, individualmente, pode-se fazer muito pouco. “As corporações atuam com um lobby muito forte nos governos e na ONU para que não ocorram novas e mais severas regulações. As últimas Conferências sobre Mudanças Climáticas foram recheadas de falsas soluções”. Para ela, ao invés dos créditos de carbono, as principais medidas deveriam buscar ampliar o acesso às energias renováveis. “O problema é que elas estão nas mãos de grandes corporações. A demanda energética está atrelada a um modelo extrativista e a um padrão de produção e consumo insustentáveis”, lembra.