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Caminhar pela avenida Athinas à noite, do centro da capital grega até a praça Omonia, ao norte, é testemunhar algumas das piores facetas da crise econômica que sucateia o país. Embaixo das marquises, pessoas visivelmente doentes se cobrem com o que podem para passar a noite. O comerciante negocia máscaras contra gás lacrimogêneo, enquanto se multiplicam as placas de aluguel de imóveis, algumas pichadas com símbolos neonazistas.
A região é uma espécie de “cracolândia” de Atenas que, segundo moradores, não para de crescer. O colapso da saúde grega está não só nas dezenas de dependentes usando seringas embaixo de postes de luz fraca, ou dos grupos de sem-teto que dormem em praças escuras, onde a iluminação já queimou e não foi trocada. Está também nos casos de suicídio, alguns diretamente relacionados ao desemprego, que ultrapassa os 25% da população – mais que o dobro da taxa brasileira.
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Se a olhos vistos Atenas está desmoronando, os números gregos dizem o porquê. O PIB (Produto Interno Bruto) do país encolheu quase 20% em quatro anos, em um nível de recessão comparável à dos Estados Unidos após a quebra da Bolsa de 1929. A “Grande Depressão Grega”, assim como a norte-americana de quase um século atrás, começa a gerar suas ondas de imigração e esvaziar o país.
Areti Komata, dona da agência de viagens Komatas Tours, especializada em passagens de ônibus para a Albânia, o país com maior número de imigrantes na Grécia, percebeu uma mudança nas compras dos bilhetes. “As pessoas estão perdendo seus empregos e não conseguem pagar o aluguel. Voltam para a Albânia, para a casa que têm. Compram passagens só de ida”, disse a Opera Mundi. “Sem falar no [partido neonazista] Aurora Dourada, que não é o principal motivo do abandono do país, mas sim, é também responsável pelos imigrantes estarem indo embora”.
Roberto Almeida/Opera Mundi
Para os que ficam, há pouco ou nenhum otimismo. Em um prazo de 10 anos, a Grécia continuará com déficit de pelo menos 120% do PIB, segundo projeções do FMI (Fundo Monetário Internacional), cujos memorandos motivam a ira da esquerda antiausteridade no país.
[Imigrantes africanos vendem carteiras e bolsas no centro comercial de Atenas]
As “recomendações” do fundo impõem regras rígidas para reestruturação do Estado grego, que envolvem privatizações, cortes em postos de trabalho e aposentadorias e aumento de taxas.
Há hoje, segundo a Eurostat (Agência de Estatísticas da União Europeia), um total de 3,4 milhões de gregos correndo risco de “pobreza ou exclusão social”, ou seja, mais de 30% da população. O país, que já foi um promissor campo de investimentos, em especial no período da Olimpíada de 2004, agora está no topo da lista do bloco, ao lado de Bulgária e Romênia.
Além disso, o turismo na Grécia, que compreende quase 20% de suas receitas totais, está em declínio. Em Atenas, ônibus que fazem city tours estavam vazios no calor de Novembro e havia pouquíssimos estrangeiros visitando a Acrópole, principal monumento do país. A imagem das revoltas na Praça Syntagma espantaram os visitantes, que têm o país como destino de inverno em virtude do clima.
Solidariedade
Para contornar o drama da penúria, grupos de solidariedade surgem em vários setores, tapando os buracos deixados pelo Estado deficitário. São movimentos que tentam reciclar a economia informal como alternativa ao fluxo econômico a conta-gotas da austeridade, em “desobediência” às regras da troika, composta por Comissão Europeia, Banco Central Europeu e FMI. Seus resultados positivos são tratados por ativistas como uma “resposta” à pecha de “corruptos e preguiçosos” aplicada à população assim que a crise estourou.
Os pronto-socorros dos hospitais de Atenas já não funcionam em plena capacidade. Há um rodízio para atender a demanda da cidade. Para piorar, segundo as leis do país, se alguém estiver desempregado há dois anos passa a ser obrigado a pagar uma taxa para usar os serviços de saúde.
Em resposta, médicos, a exemplo dos voluntários de protestos da Praça Syntagma, estabeleceram centros de primeiros-socorros em que não cobram atendimento. É comum a oferta de medicamentos caros por meio de contas no Twitter.
“A crise está criando esses espaços de solidariedade. Há o exemplo dos centros médicos, assim como de outras iniciativas. No campo, as pessoas estão cortando os intermediários e criando um comércio direto para, por exemplo, compra e venda de legumes”, contou Cristos Giovanopoulos, da Campanha de Solidariedade na Grécia. “As batatas que não são vendidas no mercado são devolvidas e distribuídas.”
De acordo com Giovanopoulos, a geração dessa oferta de produtos sem intermediários foi importante para mostrar que a Grécia tem, ao contrário do que se dizia, soberania alimentar. “Um dos grandes argumentos para manter o euro foi bater na tecla da falta de alimentos, de que a Grécia iria passar fome. Isso não é verdade”, ressaltou.
Alternativas de “solidariedade social” também surgiram ao desmanche do Estado de bem-estar social grego. Além dos centros de saúde, há escolas da solidariedade, lideradas por professores desempregados, em que o conhecimento é compartilhado para suplantar a deficitária escola pública grega. “Essas iniciativas apartidárias dificilmente chegam à mídia. O Aurora Dourada [partido neonazista, de extrema-direita], que faz seu clientelismo oportunista, recebe muito mais atenção”, lamentou Giovanopoulos.
Previsões para 2013
Em meados de novembro, o Parlamento grego aprovou por uma tênue maioria o Orçamento do país para 2013. O corte total, obedecendo as diretrizes da troika, foi de 9,4 bilhões de euros (cerca de R$ 24,44 bilhões), que devem afetar diretamente os serviços públicos. A previsão mais otimista é que, em um ano, a economia do país continue encolhendo, mas o desemprego se mantenha estável em cerca de 25%.
A manutenção do país na zona do euro não está garantida. Entre especulações, o Citigroup emitiu um comunicado afirmando existir 60% de chances de a Grécia se desligar do bloco em 2013. O argumento dos economistas da instituição passam pela frágil coalizão do primeiro-ministro Antonis Samaras, do partido Nova Democracia, de centro-direita, e pela piora no desempenho econômico de Portugal, Espanha e Itália.
Para o grupo, o desemprego na Grécia vai bater nos 29,7% em 2013, o PIB vai encolher mais 7,4% e a dívida sobre PIB chegará a 192,8%. Cenário de convulsão social e, possivelmente de retorno ao dracma. Segundo a agência de estatísticas BIS, os principais credores da Grécia são investidores privados e bancos de França, Alemanha, Reino Unido, Estados Unidos e Holanda.
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