Com apenas nove páginas, o documento que fundamentou o impeachment de Lugo é impressionante. Veja aqui uma cópia autenticada na íntegra.
Segundo a Constituição paraguaia, promulgada em 1992, o presidente, ministros, o procurador-geral da República, o controlador-geral os integrantes do Tribunal Superior eleitoral podem ser destituídos pelo Congresso por “má gestão” – acusação usada contra Lugo. Os fundamentos apresentados são cinco.
Primeiro, o Congresso acusa Lugo pela realização, em maio de 2009, do II Encontro Latino-Americano de Jovens pela Mudança, realizado no Comando de Engenharia das Forças Armadas. O fato, considerado gravíssimo e tachado como “ato político” no seio das Forças Armadas, causou ainda mais consternação porque os jovens alçaram uma bandeira de Che Guevara durante o encontro.
Rafael Alejandro Urzúa
Rodeado por seus ministros, Lugo faz pronunciamento ao povo dizendo que se submeter ao “juízo político”
A seguir o libelo lista o que chama de “caso Ñacunday”, referindo-se a diversas ocupações de terras realizadas no distrito de mesmo nome, próximo à fronteira com Brasil e Argentina.
O documento diz que o governo de Lugo é “o único responsável como instigador e facilitador das recentes invasões de terra na zona”. A acusação remete à candente questão fronteiriça. Após a promulgação de um decreto presidencial em outubro de 2011, que determinava que terras a 50 km das fronteiras não podem, por lei, pertencer a estrangeiros, o Congresso acusa o governo Lugo de ter “ingressado em imóveis de colonos, sob o pretexto de realizar o trabalho de demarcação da franja de exclusão fonteiriça”, mas na realidade para permitir que a Associação Nacional de Carperos (sem-terra) comandasse o exército. A acusação, afinal, é de que Lugo “utiliza as forças militares para gerar um verdadeiro estado de pânico na região”.
Pior: o presidente “se mostrava sempre com portas abertas aos líderes dessas invasões” como José Rodriguez e Eulálio Lopes, dirigentes da Liga Nacional de Carperos, e Victoriano Lopez, líder camponês da zona de Ñacunday. Ao reunir-se com eles, na visão da Câmara de Deputados, Lugo estava “dando uma mensagem clara” sobre seu “incondicional apoio” a “atos de violência e comissão de delito”. Ou seja: a acusação contra Lugo é de manter diálogo com lideranças camponesas.
NULL
NULL
O terceiro ponto listado é descrito, genericamente, de “crescente insegurança”. Segundo a Câmara dos Deputados, “ficou mais que demonstrada a falta de vontade do governo de combater o EPP (Exército do Povo Paraguaio)” – a pequena guerrilha que se situa no norte do país. “Todos os membros desta honorável Câmara de Deputados conhecemos os vínculos que o presidente Lugo sempre manteve com grupos de sequestradores” da ala militar do EPP, prossegue o documento, sem maiores detalhes.
Além disso, argumenta a câmara, Lugo e seus ministros agiram de forma “absolutamente equivocada” ao tratar da matança de Curuguaty. O crime? “Tratar de maneira igual policiais covardemente assassinados e aqueles que foram protagonistas destes crimes” – os primeiros seriam os policiais e os segundos, camponeses.
A cláusula democrática de Ushuaya II é descrita, em letras garrafais, como “UM ATENTADO CONTRA A SOBERANIA” do país. “A principal característica do Protocolo de Ushuaia II é a identificação do Estado com a figura dos presidentes para, em nome da ‘defesa da democracia’, defenderem uns ao outros”.
A seguir, vem o último e mais extenso ponto, a matança de Curuguaty, cuja introdução estabelece que o presidente “representa hoje o que há de mais nefasto para o povo paraguaio”.
“Não cabe dúvida que a responsabilidade política e penal dos trágicos eventos registrados recaem sobre o presidente Lugo”. Os deputados reiteram sua certeza de que o conflito de Curuguaty foi premeditado, e de que as forças de segurança foram vítimas de uma “emboscada” armada no local.
Junto a essas gravíssimas suspeitas, que se confirmadas mais que justificariam o impeachment de um presidente em qualquer país democrático, a acusação não apresenta nenhuma – nenhuma – evidência. Explica o documento: “todas as causas mencionadas acima são de pública notoriedade, motivo pelo qual não necessitam ser provadas, conforme o nosso ordenamento jurídico”.
Vai além. “Todas as evidências, que são públicas, demonstram que os acontecimentos da semana passada não foram fruto de uma circunstância derivada de um descontrole ocasional, pelo contrário, foi um ato premeditado, onde se emboscou as forças da ordem pública, graças à atitude cúmplice do Presidente da República”, diz a parte final da acusação. Que conclui com um alerta: Lugo “não somente deve ser removido por juízo político como deve ser submetido à justiça pelos fatos ocorridos, a fim que isso sirva de lição a futuros governantes”.