* Atualizada dia 17/02, às 14h47
Quando um pequeno grupo de ativistas sem experiência em política eleitoral decidiu fundar um partido na Índia, em 2012, não parecia ter qualquer possibilidade de triunfo. Mas os 16 meses de trabalho entre a população deram resultado. Seu principal dirigente, Arvind Kejriwal, um engenheiro de 44 anos, se tornou em dezembro passado o ministro-chefe [cargo equivalente ao de prefeito] de Nova Déli, cargo ao qual renunciou nesta sexta-feira (14/02) depois da rejeição de seu projeto anticorrupção pelo legislativo estadual.
Até agosto, os membros do Aam Aadmi Party (AAP ou Partido do Homem Comum) lutavam basicamente contra o aumento das tarifas de luz ou expunham casos de corrupção no governo. Kejriwal e um punhado de profissionais de classe média se envolviam com causas sociais, criticando abertamente a classe política tradicional hindu.
Aam Aadmi Party
Arvind Kejriwal, engenheiro de 44 anos, tornou-se há dois meses o ministro-chefe de Nova Déli
Portando sempre um gorrinho branco (tradicionalmente usado, na Índia, pelos vendedores de arroz tostado e sementes… e por Gandhi), os dirigentes do AAP foram acumulando apoio em sua alardeada missão de limpar o país, como mostra o logo do partido: uma vassoura. Por isso, decidiram levar seu trabalho de limpeza para dentro do Estado participando das eleições para governar Déli, que aconteceram em dezembro.
Durante a campanha, Kejriwal não pareceu inquietar os grandes partidos, como o Partido do Congresso, a mais poderosa instituição política da Índia (que governou o país várias vezes desde 1950), e o direitista Barathiya Janata Party (BJP, Partido do Povo Indiano, por sua sigla hindi), que acreditavam ser as únicas opções para ganhar a eleição. De fato, nenhuma pesquisa dava muitos assentos ao AAP até quatro dias antes do pleito.
No dia 4 dezembro, a história começou a mudar de rumo. Nas eleições para a Assembleia Legislativa em Nova Déli e, como consequência, para governar a cidade, o AAP obteve o segundo lugar nas votações, conseguindo 28 das 70 cadeiras em jogo. O Partido do Congresso ofereceu, então, seus 8 votos como apoio para que Kejriwal formasse um governo de maioria, deixando de fora o vencedor BJP e seus 31 membros.
Depois de semanas de negociações, nas quais o AAP colocou como condição governar a capital sozinho, o novo partido tomou posse em 28 de dezembro. Kejriwal fez seu juramento para a Assembleia Legislativa, acompanhado de seu gabinete de desconhecidos, e saiu às ruas para fazer um breve discurso.
“Nossa luta nunca foi para fazer de Kejriwal ministro-chefe”, disse. “Foi para entregar o poder de volta ao povo. Hoje, o homem comum ganhou”. O novo governante de uma metrópole com status especial (no meio do caminho entre capital federal e Estado hindu), insistiu que toda a cidade tinha sido eleita e que, a partir de então, a luta era de todos.
“Hoje, muitos de nossos problemas surgem dessas políticas sujas. A educação é pobre porque a política está apodrecida. As contas de energia são altas porque os ministros são corruptos. Não há água por causa de políticas indecentes. Vamos limpar isso”, afirmou.
A estabilidade da aliança com o Partido do Congresso, porém, não resistiu à proposta de Kejriwal contra a corrupção, que uniu as duas maiores forças do país, levando-o à renúncia.
Impacto inicial
Em sua primeira semana no cargo, Kejriwal se dedicou a cumprir suas promessas de campanha. Primeiro, modificou a cobrança de água: a partir de então, cada família em Déli pode consumir até 25 mil litros por mês sem pagar. Se o medidor indica que o lar consumiu mais de 25 mil litros em um mês, todo o consumo deve ser pago. Com essa medida, Karijwal explicou era hora de favorecer os pobres e conseguir que todos os lares se filiem ao serviço de água potável.
Aam Aadmi Party
Depois, anunciou um disque-denúncia gratuito e confidencial. Por meio dele, qualquer cidadão constrangido a pagar suborno poderia não apenas denunciar, mas também ser parte de uma operação secreta para prender funcionários corruptos. “Não liguem para se queixar, por favor”, explicou Kejriwal. “[A linha telefônica] é para a luta contra a corrupção”. Em suas duas primeiras horas de operação, a linha registrou pouco mais de duas mil chamadas. No final do primeiro dia já havia um funcionário atrás das grades.
Choveram críticas de todas as partes. Principalmente dos partidos tradicionais, que acusaram Kejriwal de populista, anarquista e louco. O líder do AAP disse que sim, que era tudo isso, e mais, que não pararia.
Na quarta-feira, 1 de janeiro, o governo anunciou subsídio para o consumo de energia elétrica, de 50% para até 400 unidades de consumo (uma família média consome entre 200 e 300 unidades por mês). E, então, o efeito de suas ações começou a ecoar em outras cidades: políticos e partidos imitaram seu discurso, com medidas similares. Mas, sobretudo, comitês e comícios do AAP brotaram como água por toda a Índia.
NULL
NULL
Alguns dias depois do subsídio da luz, artistas e intelectuais começaram a se unir ao partido, como Mallika Sarabhai (famosa bailarina e atriz) e Mary Roy, ativista do sul da Índia e mãe de Arundhati Roy [novelista e ativista indiana]. Em menos de três semanas, os filiados ao AAP passaram de pouco mais de cem mil para 5 milhões.
Kejriwal já pensa em participar das eleições gerais, concorrendo com os dois grandes partidos, que agora se atacam abertamente e viram suas intenções de voto reduzidas, segundo as pesquisas. Resta saber, entre outras coisas, como a renúncia de hoje será recebida pelo eleitorado.
Tropeço
No entanto, nem tudo é felicidade. No dia 15 de janeiro, o secretário de Justiça, Somnath Bharti [também do AAP], decidiu dirigir uma intervenção policial em seu bairro de Déli, e tudo deu errado. Com o objetivo de atacar o tráfico de drogas e a prostituição, Bharti acabou acusado de racismo e de hipocrisia por agredir uma mulher de Uganda e tentar entrar na casa dela sem ordem judicial. A polícia abriu um proceso contra ele.
Apesar de o processo estar por começar, e de já ser evidente que Bharti errou, Kejriwal, seu gabinete e a diretoria da AAP decidiram protestar contra a polícia, controlada de dentro pra fora, e foram às ruas de Déli para pressionar pelo afastamento dos oficiais que, segundo eles, se negaram a cumprir com seu dever naquela noite. Por dois dias inteiros, para escândalo do governo nacional e da imprensa, Kejriwal dormiu na rua entre a população e despachou dali.
Finalmente, como o protesto ameaçava impedir os festejos do Dia da República, em 25 de janeiro, o governo nacional cedeu e afastou os dois policiais de maior patente envolvidos no incidente. Dois dias depois, o AAP divulgou um vídeo que mostrava três policiais batendo e roubando um homem em um parque… já foram suspensos.
Nos últimos dias, Arvind Kejriwal sofreu com uma bronquite e viu, nas redes sociais, inúmeras especulações sobre as próximas promessas de campanha (como a construção de casas dignas nas favelas de Déli) que seriam implementadas. A trajetória incomum do engenheiro agora é interrompida pelo veto dos dois maiores partidos do país à criação de um órgão que investigaria casos de corrupção.