Quase dois meses após o presidente Viktor Yanukovich deixar a Ucrânia com destino à Rússia, a Maidan, praça que recebe os maiores protestos em Kiev desde novembro do ano passado, ainda está longe de voltar à vida normal. Apesar das seguidas tentativas de negociação do presidente interino, Alexandr Turchinov, para desmobilizar os acampamentos, a principal avenida da capital ucraniana ainda termina em um lugar que parece outra cidade, com dinâmica própria.
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Vitor Sion/Opera Mundi
Em frente à Maidan, barricada de pneus impede a circulação de carros em Kiev
Entre as dezenas de tendas montadas na Maidan, há pessoas conversando, tomando café e assistindo à televisão, como se estivessem em suas casas, mesmo com as baixas temperaturas típicas do país. A maioria dos homens veste roupas camufladas, demonstrando estarem preparados para novos conflitos com forças do governo ou estrangeiras. Eles se dizem parte de exércitos voluntários dispostos a lutar pelo país. No entanto, o clima era totalmente pacífico quando a reportagem de Opera Mundi passou por lá, às 21h30 desta terça-feira (15/04, 15h30 no horário de Brasília).
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As barracas são decoradas com fotos em homenagem aos mortos nos confrontos recentes e bandeiras da Ucrânia e da União Europeia, mas também é possível encontrar referências aos EUA e ao Reino Unido. A Rússia e o presidente Vladimir Putin, por outro lado, aparecem em cartazes como os responsáveis por uma eventual guerra. Essa característica evidencia as dificuldades que estão por vir na Ucrânia, pois, na região leste, o sentimento da população é exatamente o oposto, favorável à aliança com Moscou.
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“Stop Put(in) War”: Cartazes contra a atuação da Rússia são vistos espalhados pela Maidan
Aqueles que ainda dormem na Maidan pertencem basicamente à direita ucraniana. A insígnia vermelha e preta do autointitulado “Right Sector”, acusado por Kiev de realizar atentados contra políticos do país, é comum entre os acampamentos. Contraditoriamente, as paredes dos edifícios que cercam a Maidan foram pintadas com pedidos de paz.
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Impressiona o material utilizado na construção das barracas. A base de boa parte delas é composta de tijolos retirados das calçadas da cidade, com pregos e pedaços de madeira fincados no asfalto, dando a impressão de que esta “nova cidade” não será tão transitória como desejam as autoridades. Nos pouco mais de 50 dias de governo interino, o presidente Turchinov argumenta que não há motivo para continuar na Maidan, mas os manifestantes dizem que permanecerão na rua ao menos até 25 de maio, data das eleições presidenciais.
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Base dos acampamentos é feita com tijolos e blocos retirados das calçadas do centro de Kiev
Em volta da praça, também há diversos elementos que não deixam os ucranianos se esquecerem do que tem acontecido nos últimos meses: prédios importantes do governo continuam ocupados, edifícios seguem com marcas de fogo e milhares de pneus estão espalhados para impedir a circulação do trânsito.
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Além da Maidan, outras partes de Kiev apresentam traços característicos da atual crise política no país. Ao chegar na capital ucraniana, Opera Mundi não conseguiu trocar dinheiro nas casas de câmbio que estavam abertas após as 18h. O motivo: uma nova desvalorização da moeda nas últimas 24 horas.
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Nos arredores da Maidan, símbolo do levante ucraniano em Kiev, ainda é possível perceber marcas dos confrontos
A presença de representantes das Forças Armadas e de policiais é massiva. No aeroporto, a imigração é feita por membros do Exército. Na alfândega, quando os passageiros já estão com as suas malas, outros ucranianos fardados observavam o vai e vem, pedindo, vez por outra, que alguém abra seus pertences.
A capital da Ucrânia vive, assim, entre a apreensão ao ver os conflitos na região leste e a tentativa de retomar a rotina normal. Tudo isso à espera da eleição de maio, na esperança de que algum candidato consiga pacificar o país, unindo novamente os que defendem a parceria com a Rússia àqueles que querem entrar na União Europeia.