Estava marcada a primeira visita de um primeiro-ministro israelense, em missão oficial, à América Latina. Denominada de “histórica” por Tel Aviv, a missão tinha como objetivo melhorar as relações de cooperação de Israel com os governos de Colômbia, México e Panamá.
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A viagem do premiê Benjamin Netanyahu, porém, precisou ser suspensa por questões internas, segundo sua administração. O fato, no entanto, demonstra que o governo israelense está buscando cada vez mais se aproximar de países latino-americanos. E, em muitos desses países, as portas para negócios e acordos de cooperação parecem estar abertas.
A tentativa de adquirir novos parceiros econômicos, políticos e culturais na América Latina acontece após o crescente isolamento de Israel em seus círculos tradicionais. Na Europa e nos Estados Unidos, o movimento de boicote, desinvestimentos e sanções da sociedade civil cresceu nos últimos anos e afetou até mesmo as relações diplomáticas.
Oren Ziv/ActiveStills
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Por exemplo, universidades europeias e norte-americanas cancelaram acordos de intercâmbio e cooperação com centros israelenses, enquanto a União Europeia e diversos governos anunciaram sanções e desinvestimentos de agencias estatais e empresas israelenses envolvidas na ocupação dos territórios palestinos.
“Se Israel continuar a construir assentamentos e as negociações fracassarem, ficará mais e mais isolado, principalmente em decorrência do clima que vigora entre os próprios consumidores e o setor privado. Cada vez que Israel anuncia a construção de mais moradias nos assentamentos, se fortalece a exigência de que os supermercados europeus marquem os produtos dos assentamentos e se ouvem mais vozes pedindo o boicote”, afirmou o embaixador da União Europeia em Israel, Lars Faaborg-Andersen, durante entrevista ao principal programa televisivo do país.
O secretário de Estado norte-americano, John Kerry, também alertou sobre graves consequências caso não haja avanço nas negociações de paz. Como consequência do crescimento do movimento internacional de BDS e da expansão dos assentamentos israelenses nos territórios palestinos, esses alertas se intensificaram desde 2013, mas, há muitos anos, autoridades e diplomatas já demonstravam preocupação.
“A ocupação permanente e a insistência do governo em continuar investindo em assentamentos são diretamente responsáveis pela erosão da posição internacional de Israel”, conclui um estudo do Molad Center for Renewal of Democracy of Israel, um ‘think thank’ israelense. “Enquanto a política de assentamentos continuar, o risco de Israel se tornar mais isolado irá crescer”, acrescenta o texto.
América Latina
“A lição que aprendemos pelas recentes experiências de negociação com a União Europeia é que Israel não pode colocar todos os seus ovos em uma única cesta”, afirmou o ministro da Economia de Tel Aviv, Naftali Bennet, depois de negociações sobre um pacote de empréstimos de 1,5 bilhões de euros vindos de Bruxelas. A organização europeia liberou o dinheiro sob a condição de que nada fosse direcionado para os assentamentos israelenses na Cisjordânia, Jerusalém Ocidental e Colinas de Golã.
Durante as negociações, o presidente israelense, Shimon Peres, estava envolvido em outra iniciativa. Ele havia viajado para o México para se encontrar com autoridades e um grupo de empresários. O ministério chefiado por Bennet também decidiu fechar missões econômicas na Suécia e Finlândia, abrindo-as na China, Índia e Brasil.
Em fevereiro deste ano, Tel Aviv conseguiu entrar no bloco comercial Aliança do Pacífico, composto por Chile, Colômbia, México e Peru, com status de ‘observador’. A conquista foi comemorada pelo ministro das Relações Exteriores de Israel, Avidor Lierberman, que escreveu em seu Facebook: “da próxima vez que ouvirem relatos de isolamento diplomático ou onda de boicotes ameaçando Israel, saibam que a realidade é muito diferente”.
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Já em 2007, o governo israelense assinou acordo de livre comércio com o Mercosul. Desde 2010, quando o tratado entrou em vigência, é possível observar a multiplicação de agências estatais e grupos de lobby israelenses no território latino-americano, e, sobretudo no Brasil, por conta de seu caráter de “economia emergente”.
Reprodução
Foram criadas câmaras de comércio e indústria, assim como iniciativas tendo em vista acordos em áreas especificas, como, por exemplo, na área da indústria médica e farmacêutica. Diversas empresas israelenses, incluindo algumas diretamente envolvidas na ocupação e apartheid do povo palestino, também passaram a fundar sedes em cidades brasileiras. Além disso, autoridades travaram convênios de cooperação com Israel nas esferas da educação, pesquisa, indústria e outras.
[Propaganda da campanha BIG – Buy Israeli Goods (compre produtos israelenses)]
Mekorot
A empresa estatal israelense Mekorot estabeleceu, recentemente, contratos com os governos da Bahia, Ceara, Distrito Federal e São Paulo. Com escritório em São Paulo, a companhia ainda procura mais contratos no país e no continente latino-americano, segundo informações da Stop the Wall.
A “Mekorot opera o apartheid da água: o consumo palestino nos territórios palestinos ocupados é de 70 litros diários por pessoa – um número bem abaixo do recomendado pela OMS (Organização Mundial de Saúde), de 100 litros -, enquanto o consumo de israelense per capta é cerca de 300 litros ou mais. Em algumas comunidades rurais, palestinos vivem com menos de 70 litros diários”, diz um relatório da Stop the Wall direcionado às Nações Unidas.
Ainda, a empresa lucra com a venda de água para palestinos e com a água extraída nos territórios palestinos, pois é a única autorizada a realizar a administração dos recursos hídricos, segundo ordem militar da década de 80.
Em março deste ano, o governo argentino precisou suspender um contrato de 170 milhões de dólares com a Mekorot por conta de mobilizações contrárias ao acordo. Segundo os manifestantes, a empresa iria levar suas políticas discriminatórias para a Argentina.
Tecnologia militar
No entanto, as principais beneficiadas com a economia emergente brasileira têm sido as empresas de segurança israelenses, que encontraram terreno fértil com a recepção da Copa de 2014 e das Olimpíadas de 2016. Foram fechados acordos de cooperação militar e estratégica polícias civis e militares receberam treinamento de forças israelenses. Além disso, as autoridades brasileiras participaram de uma série de eventos e oficinas ministradas por ex-membros das Forças Armadas de Israel que agora, possuem empresas.
“A tecnologia de guerra testada há todos esses anos no povo palestino está sendo exportada para o Brasil e agora, aplicada na repressão de protestos e em nossas periferias”, afirmou a Opera Mundi Soraya Misleh, palestina e ativista do BDS. A Polícia Militar de São Paulo, acrescenta ela, já esta usando um óculos com microcâmera acoplada para envio em tempo real de informações.
Entre as empresas militares israelenses que se estabeleceram no Brasil está a Elbit, com sede em Porto Alegre. “Uma dezena de institutos financeiros internacionais, já não investem mais na empresa”, relatou a Opera Mundi a ativista italiana Maren Mantovani, coordenadora de relações internacionais do Stop the Wall, uma das organizações fundadoras do movimento de BDS.
Sinal de que os tempos podem estar mudando foi o “rolezinho” palestino realizado na loja Spicy em shopping de São Paulo por ativistas da causa palestina. Para marcar o Dia da Terra palestina, os manifestantes foram até a loja protestar contra a venda de máquinas da empresa israelense Sodastream, baseada em território palestino ocupado.