Em meio às investigações em torno da queda do avião da Malaysia Airlines na região separatista de Donetsk na última semana, as atenções da imprensa internacional se voltaram para a troca de acusações entre os governos ucraniano e russo e a possibilidade de que a aeronave tenha sido abatida. O conflito entre separatistas pró-Rússia e o governo de Kiev, apesar de ter saído do foco, não teve resolução até o momento e diversas denúncias revelam que os direitos humanos estão sendo desrespeitados.
Nesta sexta-feira (25/07), o vice-chefe de gestão operacional do Estado-Maior General russo, major-general Viktor Poznikhir, afirmou à TV Rossiya-24 que “agora, temos evidências confiáveis de que, nas cidades e aldeias da Ucrânia por mim indicadas, foram usadas munições de fósforo”. Ele indicou ainda que bombas de fósforo, apesar de serem proibida pelas Convenções de Genebra e pela Convenção sobre Armas Químicas, foram usadas pelo menos seis vezes contra a população no leste da Ucrânia.
Agência Efe
Viktor Stepanenko chora diante dos destroços de um edifício em Snizhne, onde uma ação matou 12 personas
A organização Human Rights Watch (HRW) de direitos humanos, com sede em Nova York, confirmou hoje que quatro ataques com foguetes foram realizados pelo Exército ou por paramilitares aliados do governo em áreas residenciais nos arredores de Donetsk. As ações mataram pelo menos 16 civis e deixaram diversas pessoas feridas.
Blogueiros e sites independentes da região denunciam que o conflito que vive o país, para além da disputa político-territorial, adquiriu contornos de guerra étnica. O nacionalismo extremado manifestado pelos ucranianos pró-Europa ameaça a existência dos grupos russos que vivem no país desde meados do século 16.
Uma postagem feita no site da embaixada ucraniana nos Estados Unidos em junho gerou polêmica neste sentido. Nela, o então primeiro-ministro ucraniano, Yatsenyuk Arseniy, chama os militantes anti-governo, em grande parte da etnia russa, de “sub-humanos”. Posteriormente, a palavra foi alterada para desumano, mas é possível ver o conteúdo original em uma impressão de tela:
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O repórter da Associated Press Matt Lee’s questionou a porta-voz do Departamento de Estado norte-americano Jen Psaki sobre o apoio ao governo ucraniano e, em especial, ao uso desta palavra no site da embaixada dos EUA, mas obteve como resposta apenas a declaração de que Arseniy estava “consistentemente contribuindo para a resolução pacífica” do conflito no país.
“Crimes contra a humanidade”
Devido a esse tipo de ações, ucranianos russos classificam como “crime contra a humanidade” as ações do Exército ucraniano. O Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional considera como “crime contra a humanidade” o ataque, “generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil”, havendo conhecimento do mesmo. Entre os atos mencionados pela corte internacional estão: homicídio, extermínio e prisão “em violação das normas fundamentais de direito internacional”.
Os militantes pró-Rússia também acusam Kiev de dar aos soldados do país “licença para matar”. De acordo com o jornal Kiev News, o ministro da Defesa, Valeriy Heletey, prometeu dar terras de graça para soldados ucranianos e tropas dos Serviços Especiais que lutam contra os grupos separatistas pró-russos.
Heletey ainda foi protagonista de outra polêmica. Em um vídeo, ele fala sobre a criação de “campos de filtragem”, espécie de acampamentos especiais para onde seriam enviados os pró-russos — incluindo mulheres — para serem investigados por supostos envolvimentos com atividades classificadas como “terroristas”.
Na última semana, a Comissária do Parlamento ucraniano para os Direitos Humanos desmentiu a informação que chamou de “história de horror criada pelos meios de comunicação russos”. De qualquer forma, as declarações de Heletey estão disponíveis na internet:
“Confrontos”
Chama a atenção a maneira como a morte dos russos ucranianos é tratada no ocidente. No massacre de Mariupol, ocorrido em maio na região de Donetsk, no sudeste do país, quando mais de 20 pessoas morreram por ações de forças do governo, a administração Obama rapidamente atribuiu os fatos à repressão violenta dos “separatistas pró-Rússia”. Jen Psaki declarou que os EUA condenam o “aumento da violência causado pelos separatistas pró-Rússia em Mariupol, que resultaram em múltiplas mortes”.
A cobertura realizada pelas grandes agências internacionais segue a mesma linha adotada por Washington. Sobre Maripoul, canais de notícias como a CNN reportaram a versão sustentada pelas autoridades locais, segundo as quais “sete pessoas morreram e pelo menos 39 ficaram seriamente feridas”. Segundo a CNN, “as mortes foram decorrentes de confrontos entre separatistas e forças do governo”.
O ministro do interior, Arsen Avakov, no entanto, reconheceu em sua página no Facebook que as forças de segurança do país mataram cerca de 20 “terroristas”.
“Terroristas”
O jornalista Mark Franchetti, correspondente do jornal The Sunday Times em Moscou e que esteve diversas vezes nas cidades controladas por militantes pró-Rússia, em entrevista a uma TV ucraniana, afirmou que o que viu nessas regiões foram grupos de pessoas comuns ucranianas (e não russas, como afirma constantemente o governo), com armamento rudimentar e que pegam em armas contra o que eles chamam de “fascistas”. Seu relato desagradou a plateia, formada por integrantes do governo ucraniano que o chamaram de “mentiroso”.
É comum que o governo de Kiev utilize a alcunha de “terroristas” para designar os militantes pró-Rússia. Mas, nas imagens abaixo, disponíveis no site de compartilhamentos de vídeos sobre política e cenas de guerra de diversos países, LiveLeak, é possível ver tanques do governo ucraniano atirando contra civis em atividades pouco suspeitas em Mariupol.
Vídeo do ataque em Mariupol. Alerta: imagens fortes:
A atriz e escritora britânico-ucraniana Vera Graziadei tem denunciado constantemente em seu blog que a operação chamada de “antiterrorista” na verdade bombardeia prédios, vilarejos e mata civis inocentes. “Crianças pequenas estão sendo mortas, assim como mulheres”, conta. “É um desastre humanitário. Eles têm pedido ajuda, (…) mas ela não chega, porque o Exército ucraniano bloqueia”, afirma.
No dia 2 de julho, um bombardeio realizado por um avião das forças ucranianas em Lugansk matou oito transeuntes civis e deixou 20 feridos, a maior parte deles, mulheres. A ação foi direcionada contra um prédio público controlado por militantes anti-Kiev.
Em um vídeo postado na internet, a filha da assistente social Inna Vladimirovna Kukurudza, de 48 anos, morta no ataque, conta que falava com sua mãe ao telefone quando o bombardeio ocorreu. Inna olhava a lista de assassinados fixada na parede do prédio. Sua mãe ainda tentou pedir ajuda, mas morreu a caminho do hospital.
Vídeo do bombardeio em Lugansk. Alerta: imagens fortes:
O governo ucraniano inicialmente negou o envolvimento no caso. Posteriormente, a operação anti-terrorista afirmou, como reportou a CNN, que a explosão ocorreu no interior do edifício, após a falha de um míssil antiaéreo operado pelos separatistas.
Um vídeo divulgado pela RT, no entanto, mostra o contrário:
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