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Dando continuidade à apresentação das propostas dos presidenciáveis sobre política externa, iniciada com Dilma, Marina e Aécio, Opera Mundi publica também o posicionamento expressado pelos candidatos Luciana Genro (PSOL), Eduardo Jorge (PV), Mauro Iasi (PCB) e Zé Maria (PSTU).
As propostas foram enviadas a Opera Mundi via e-mail e expõem algumas semelhanças quanto à crítica ao capitalismo, mas também divergências em temas como a relação do Brasil com EUA e China. Leia abaixo a posição desses candidatos para cinco temas diplomáticos essenciais:
1. Mercosul e integração do continente
LUCIANA GENRO: O Mercosul, com seu modelo comercialista, está falido. Hoje, 40% das trocas comerciais do bloco são comércio infra firma, ou seja, empresas multinacionais que vem se instalar na região buscando preferências tarifárias e isenções. Não existe no Mercosul coordenação de políticas macroeconômicas, nem coordenação de políticas industriais e tecnológicas. Nossa proposta é por um outro projeto de integração, baseado na transformação do modelo produtivo que está aí, tanto no Brasil como no restante da região.
Divulgação/Agência Brasil
Luciana Genro em convenção nacional do PSOL, realizada em 22 de junho de 2014
Em lugar da política de apoio a empresas multinacionais e conglomerados brasileiros, que exportam o mesmo modelo de concentração econômica e destruição ambiental, queremos uma integração produtiva baseada em outros preceitos, que deve nascer de um amplo debate com sociedades científicas, universidades, sindicatos, movimentos de trabalhadores do campo e da cidade.
Assim como um profundo balanço do Mercosul é preciso, há uma outra iniciativa de integração regional nos moldes do mercado que vamos rever e, inclusive, suspender: a IIRSA, com o objetivo de avaliar os impactos de sua implantação no meio ambiente e as violações aos direitos consagrados na Convenção 169 da OIT. A integração do continente é fundamental para nós e vamos promovê-la a partir de outros parâmetros, para alcançarmos o fim da apropriação de nossas riquezas pelo grande capital, reorientando seu uso de modo soberano e ecológica e socialmente sustentável, para o bem-estar de nossas populações, a partir da integração e unidade entre nossos povos.
EDUARDO JORGE: É preciso estabelecer metas de convergência nas obrigações trabalhistas e previdenciárias. Priorizar aproximação e acordos políticos, culturais e de livre comércio do Brasil com a comunidade europeia, visando uma aliança pelo progresso de uma economia verde mundial, manutenção e implantação de Estados de bem estar social e respeito aos direitos humanos e à democracia.
Assumir compromisso com o desenvolvimento sustentável africano, realizar aproximação e bases de cooperação efetivas com os países da América Latina.
MAURO IASI: O programa político do PCB aponta a necessidade, no plano internacional e, em especial na América Latina, de que se estabeleça uma articulação fraterna, solidária, complementar, soberana e independente dos povos. Em vez de fomentar as atuais integrações estatais capitalistas, buscaremos criar condições, juntamente com os governos democráticos e populares da região, para uma atuação que priorize o combate às desigualdades nacionais e regionais e o aproveitamento, de forma não predatória, dos recursos naturais destes países, hoje espoliados pelo capital monopolista internacional.
ZÉ MARIA: O Mercosul e os demais acordos econômicos estabelecidos pelo país não vão no sentido de atender aos interesses dos trabalhadores e da maioria da população, mas os de poucas grandes empresas multinacionais, como é o caso do Mercosul e a indústria automobilística e de eletrodomésticos. As multinacionais se instalam no país, exploram nossa mão-de-obra e contam com toda a sorte de subsídio e isenção, como o do IPI e, para escoar seus produtos ou integrar sua produção, precisam derrubar tarifas alfandegárias. Ou seja, o Mercosul não é, como muita gente fala e o próprio governo faz questão de parecer, uma união dos países latino-americanos em alternativa e contra o domínio dos EUA e das potências europeias. Mas tão somente um mecanismo adequado às necessidades das grandes empresas e multinacionais do Norte.
Evidentemente defendemos uma integração cada vez maior entre os países explorados e dominados pelos EUA e o imperialismo europeu, mas baseado nos interesses dos trabalhadores, contra o imperialismo, e que respeite a soberania de cada país.
2. Importância do BRICS
LUCIANA GENRO: Como já afirmei anteriormente durante a campanha, o BRICS, enquanto fórum político e diplomático, abriga países populosos, com peso político-econômico em suas regiões e que discutem iniciativas conjuntas para além dos organismos internacionais onde os governos dos EUA e Europa Ocidental detêm o comando.
[Zé Maria, candidato do PSTU à Presidência da República]
Iniciativas do BRICS, como a proposição de um marco de governança alternativo para a Internet, no contexto dos escândalos de espionagem internacional, são positivas e têm sentido progressivo quando utilizam o princípio do multilateralismo para contrapor-se à concentração do poder mundial.
Mas o multilateralismo por si só não será capaz de beneficiar todos os envolvidos, quando se reproduzem as regras de um jogo com cartas marcadas. Adotaremos posturas em comum nos pontos em que tivermos acordo no fórum dos BRICS, mas não teremos postura passiva ou como no atual modelo do banco dos BRICS, que já nasce sem enfrentar o FMI, se apresentando como uma espécie de EXIM-Bank “alternativo” para financiar as grandes empresas exportadoras.
EDUARDO JORGE: O candidato não respondeu a essa pergunta.
MAURO IASI: No governo do Poder Popular, o Brasil, por sua importância e pelo respeito que cativa junto aos povos, pode jogar um papel decisivo na luta anti-imperialista e pelo socialismo em todo o mundo. Por isso, no lugar de priorizar a participação em articulações internacionais que visem apenas à obtenção de vantagens econômicas nos marcos do capitalismo e das disputas Inter imperialistas, devemos buscar atuar no sentido da criação de um polo de nações e povos que lutam contra o imperialismo e por sociedades justas e igualitárias, que se disponham a ter relações solidárias, complementares e pacíficas em todas as esferas, num movimento que se contraponha à ONU, dentro e fora dela.
ZÉ MARIA: Durante algum tempo países, como Brasil, Rússia, Índia e China (além da África do Sul) foram considerados uma espécie de contraponto ao domínio imperialista dos EUA e, de forma mais secundária, às potências europeias, principalmente a Alemanha. Isso porque esses países continuaram a crescer enquanto a crise econômica afetava de forma mais intensa os países centrais. Mas a dinâmica dos chamados Brics mostra que esse crescimento não é expressão de um desenvolvimento independente e soberano desses países, muito pelo contrário. A atual divisão internacional do trabalho relega a eles um papel subserviente aos interesses dos países imperialistas.
Desta forma, cada um desses países, com todas as suas muitas diferenças, cumpre um papel definido. O Brasil, por exemplo, se notabilizou por ser um grande exportador de matérias-primas, como na época do Brasil colônia. Ou como plataforma de exportação para automóveis e eletrodomésticos para a América Latina. Já a Rússia se tornou um grande produtor de gás e petróleo, do qual dependem a União Europeia. Já a China se tornou a 'fábrica' do mundo, da qual recorre as grandes multinacionais, em especial norte-americanas, em busca de mão de obra barata e abundante para ser superexplorada, e cuja estabilidade social é garantida por uma dura ditadura.
A desaceleração da economia no último período, porém, mostra como o crescimento de países como o Brasil ou China baseado no mercado interno tem seus limites, e como sua dinâmica está determinada e depende da dinâmica dos EUA. Por isso, o encontro dos Brics realizado em julho passado em Fortaleza, assim como o anúncio de um banco em alternativa ao Banco Mundial, não tem qualquer condição de oferecer uma real alternativa aos EUA e ao domínio das grandes potências e suas instituições. Essa “terceira via” esboçada pelos Brics não existe. Não há qualquer possibilidade de os países como os do Brics se desenvolverem sem romper com o imperialismo.
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3. Relação Brasil-EUA e espionagem da NSA
LUCIANA GENRO: Se, por um lado, desde 2003 tem acontecido uma diversificação de laços comerciais e diplomáticos do Brasil, não se pode dizer que existe uma política externa independente em relação aos EUA. Existem pontos de discordância, mas não uma política independente em relação ao imperialismo. O governo de Lula e Dilma tem dito que o Brasil não fala nem manso com os EUA, nem grosso com os outros países do Sul. Mas isso é retórica. O governo brasileiro está junto à criminosa ocupação militar do Haiti, que por sinal completa dez anos em 2014. Aceitou participar das negociações da ALCA em 2003 e teria assinado o acordo da rodada Doha da OMC, não fosse a negativa da União Europeia em reduzir os subsídios agrícolas. Multinacionais estadunidenses têm comprado várias empresas brasileiras e controlam vastos setores econômicos no país, sem que o governo tenha feito algo para deter essa tendência em sua política econômica externa. Ao contrário, concedeu, inclusive, recursos públicos, benesses fiscais e facilidades legais para essas corporações estrangeiras. Com relação à espionagem da NSA, é uma flagrante violação da soberania de países e das liberdades democráticas de milhões de cidadãos no mundo inteiro, incluindo a soberania brasileira e as liberdades de cidadãos brasileiros. O PSOL se solidariza com lutadores pela democracia no mundo como Snowden. E em um governo nosso ele poderá contar com o apoio do Estado brasileiro para concessão de asilo.
EDUARDO JORGE: O que precisamos para superar a brutal e insustentável desigualdade entre Estados Unidos da América e Etiópia, ou entre Japão e Honduras, é uma evolução amadurecida passo a passo por políticas públicas internacionais em direção a uma federação democrática das nações baseada nos alicerces já alcançados pela ONU. Isto vai permitir a preservação da riqueza da nossa diversidade cultural e vai permitir uma convergência dos padrões de qualidade de vida que superem a extrema riqueza e a extrema pobreza.
Cada nação, e mais ainda o Brasil pelo seu peso crescente no cenário internacional, deve fazer o trabalho de desenvolvimento sustentável e superação da miséria no seu território, mas ter consciência de que não há uma salvação isolada de uma país. Por mais poderoso que seja, esta solução isolada é atualmente um delírio nacionalista e até reacionário. Devemos ser sujeito consciente e ativo neste processo e não ser arrastados por ele.
MAURO IASI: Fatalmente seremos obrigados a romper relações com os Estados Unidos, pois, além de nos opormos radicalmente à ação belicista dos EUA em todo o mundo, consideramos inaceitável a política de espionagem, que faz parte da estratégia de dominação imperialista.
ZÉ MARIA: O Brasil é submetido ao controle político e, sobretudo, econômico dos EUA. As grandes multinacionais são as que mandam por aqui. Grande parte da economia, incluindo setores estratégicos ou de ponta, está nas mãos das multinacionais, principalmente as norte-americanas. O escândalo da revelação da espionagem do serviço secreto norte-americano é apenas uma mostra de como os EUA não respeitam minimamente a soberania dos demais países, mas também revela o papel subserviente do Brasil.
O mínimo que o governo Dilma deveria ter feito nesse caso seria tirar o embaixador brasileiro do país e romper relações com os EUA. País que, inclusive, desrespeita de forma hipócrita os direitos humanos mundo afora, como ficou patente na invasão do Iraque e Afeganistão e o escândalo de Abu Grahib, entre tantos outros exemplos que poderíamos citar.
Divulgação/ PV
Eduardo Jorge, durante campanha do partido em que atua, o PV
4. Relação Brasil-China
LUCIANA GENRO: As relações atuais do Brasil com a China são uma nova forma de subalternização do Brasil. Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, duas commodities (minério de ferro e soja em grãos) representam 70% do que o Brasil vende para a China, enquanto o Brasil compra da China manufaturados de alta intensidade tecnológica, como máquinas e aparelhos elétricos, os quais deveria produzir internamente. Não adianta diversificar as relações comerciais se é mantido o mesmo padrão de intercâmbio de especialização regressiva, voltado para a exportação de matérias primas e a destruição do meio ambiente. É claro que nos pontos em que for possível atuar em frente com a China como na crítica de medidas unilaterais, na condenação de agressões e intervenções militares por parte de potências bélicas, nós poderemos ter acordo e adotar posições comuns, assim como na implementação de acordos de cooperação científica que sejam de interesse público para a sociedade brasileira. Mas precisamos ser independentes tanto em relação a potências tradicionais, como em relação a potências emergentes, em consonância com o tamanho do Brasil e com o porte da economia e do Estado de nosso país.
EDUARDO JORGE: As relações com EUA, Rússia e China são de caráter comercial. Nos aspectos políticos devemos reforçar o caráter federativo da ONU e não aceitar as pretensões megalomaníacas destes três países. O Brasil deve deixar claro que não apoia regimes ditatoriais e teocráticos.
MAURO IASI: A relação do Brasil com a China deverá se dar dentro do mesmo campo de preocupações já expressos acima, nos marcos do estabelecimento de relações solidárias, complementares e pacíficas entre os povos.
ZÉ MARIA: A posição subserviente do Brasil com os EUA é em grande parte mediada por sua relação com a China. Grande parte das exportações brasileiras, como soja e minério de ferro, tem a China como destino. Produtos esses que vão ser processados por grandes multinacionais na China para transformarem-se em mercadorias para exportação. Ou seja, é uma relação que só beneficia os agroexportadores no Brasil e as multinacionais instaladas na China.
Já politicamente, o regime de Pequim é uma feroz ditadura. Estamos vendo agora o governo chinês reprimir duramente os estudantes de Hong Kong, em cenas que lembram a repessão que desembocou no massacre da Praça da Paz Celestial. Então, em nossa opinião, o Brasil deveria agir no sentido de pressionar Pequim, e utilizar sua força para isso, para que pare com essa repressão e respeite os direitos do povo chinês.
5. Criação do Conselho Nacional de Política Externa
LUCIANA GENRO: Nossa proposta de criação do Conselho Nacional de Política Externa prevê maior interação do Ministério das Relações Exteriores com a sociedade civil na formulação da política externa brasileira. Este será um órgão de caráter consultivo e não remunerado, com participação de setores da sociedade como órgãos acadêmicos, sindicatos e associações profissionais.
EDUARDO JORGE: O candidato não respondeu a essa pergunta.
[Mauro Iasi, candidato do PCB]
MAURO IASI: Deverá atuar para cumprir a seguinte agenda: Promover o Encontro Latino-Americano contra o imperialismo, envolvendo governos, partidos, movimentos e personalidades progressistas, propondo uma pauta que inclua a defesa do governo bolivariano na Venezuela, o respaldo a uma solução política para o conflito colombiano, o fim do Bloqueio a Cuba e a libertação dos 5 Heróis, a retomada das Ilhas Malvinas pela Argentina e um movimento continental pelo não pagamento das dívidas externas; retirar imediatamente as tropas brasileiras do Haiti, para acabar com a vergonhosa ocupação desse país irmão, conclamando os demais países da região – que foram caudatários do Brasil nesta agressão – a fazê-lo também, com a criação de um programa comum de reconstrução do país, nos aspectos político, social, cultural e econômico; estimular uma luta continental contra a mafiosa Sociedade Interamericana de Imprensa, em defesa da imprensa popular e independente, pela democratização e controle social da mídia; privilegiar relações fraternas com os povos dos diversos países e regiões que têm sido vítimas da perversa política imperialista e sionista, onde se destacará nossa solidariedade ao direito do povo palestino viver em paz em seu território pátrio e à soberania aos países atualmente agredidos, como Líbia, Síria, Iraque, Afeganistão, entre outros. O Brasil também deverá marcar seu lugar na arena internacional na luta intransigente contra o fascismo, que cresce na Europa, hoje instalando-se na Ucrânia, contra a xenofobia e o chauvinismo, assim como jogará papel importante no combate internacional ao machismo, ao fundamentalismo e a todos os tipos de preconceito.
ZÉ MARIA: A proposta desse conselho parte do pressuposto, e da falácia, de que no governo do PT o Brasil teve uma política externa mais soberana e independente do que nos outros governos. Mas, para analisar a atuação do governo, devemos analisar os fatos e não apenas as palavras. Se, por um lado, o então governo Lula criticou a guerra no Iraque, por outro foi o responsável pelo envio de tropas brasileiras para o Haiti em 2004. Ou seja, há 10 anos o Brasil ocupa o vergonhoso e lamentável papel de liderar tropas de ocupação sobre um país que protagonizou a primeira revolução negra na história.
Uma política externa realmente independente e soberana partiria da imediata retirada das tropas brasileiras do Haiti. Também romperia relações com Israel, um estado genocida apoiado pelos EUA que acabou de realizar um verdadeiro massacre em Gaza. Atuaria, enfim, no sentido de apoiar as lutas e mobilizações dos trabalhadores em todo o mundo, e não como negociador de um punhado de empresários e empreiteiras.