O primeiro passo concreto dos Brics (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) para a consolidação de uma “nova ordem mundial” foi a recente criação do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês), o Banco dos Brics. A instituição, no entanto, não tem a pretensão de ser um contraponto ideológico ao Fundo Monetário Internacional (FMI) ou ao Banco Mundial, afirmam especialistas. Pelo contrário: ela se propõe a ser um complemento ou uma alternativa às já conhecidas instituições financeiras.
“Este não é um contrapeso e não é uma alternativa ao FMI e ao Banco Mundial. É apenas uma ferramenta adicional para resolver problemas comuns”, disse Iúri Ushakov, assessor do presidente da Rússia, Vladmir Putin, em entrevista à mídia estatal do país.
“É a mesma ordem, mas com novos atores. Os polos mudaram e se adaptaram a um mundo cada vez mais multipolar, mas os fins e os meios são os mesmos”, conta a Opera Mundi Oleg Kucheryavenko, que trabalha diretamente com os Brics na ONG britânica Oxfam. “A ambição dos Brics de mudar o mundo à sua imagem e semelhança levanta questões de empoderamento da sociedade civil. A China e a Rússia têm pouco apego aos valores democráticos tradicionais, por exemplo”, explica.
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Fotos: Agência Efe
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Kucheryavenko lembra que o crescimento econômico constante dos Brics nas últimas duas décadas não significou inclusão social. “A evidência de que os Brics seguem o mesmo caminho da velha lógica financeira é o fato de que houve um aumento na renda per capita, mas também da desigualdade, visível no acesso a serviços essenciais. Estes países têm mais dinheiro, mas tudo continua concentrado”, diz.
O Brasil é o único país dos Brics que viu uma redução da desigualdade na última década. O coeficiente Gini, índice que calcula a distribuição de renda de uma nação, aumentou na Rússia, na Índia, na China e na África do Sul. Quanto mais alto o coeficiente Gini, mais desigual é a sociedade.
Oleg completa: “Esta ‘alternativa’ à ordem mundial precisa primeiro pensar e resolver suas questões internas, com a participação da sociedade. A prioridade não é financiar os projetos de grandes empresas.”
Financiamento
Nesta semana, o Banco dos Brics sinalizou que projetos de grandes companhias também podem obter financiamento. A prioridade dos países emergentes à agenda econômica também é criticada por Andrei Movchan, diretor do Programa de Política Econômica do think tank Centro Carnegie, de Moscou.
“O principal ponto da agenda dos Brics é a arquitetura de uma nova ordem financeira. Nova, mas seguindo o modelo tradicional, disse. Há pelo menos outros 130 pontos de discussão [no grupo], mas todos de menor significância.
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Considerando que estes cinco países representam 25% do PIB global e 40% da população do planeta, esperava-se mais colaboração mútua em questões pragmáticas, em questões que são problemas comuns em todos os países emergentes”, afirma.
O presidente do Programa Ásia-Pacífico, também do Centro Carnegie da capital russa, Aleksander Gabuev, pondera que os membros do bloco são “países muito heterogêneos”. “Apesar de serem emergentes, eles têm histórias e raízes culturais muito diferentes, que dificultam que as colaborações sejam em muitas áreas. O PIB per capita é três vezes maior entre o melhor e o pior do bloco. O crescimento do PIB varia entre 7% a negativo e o índice de liberdade econômica varia de 70 a 150”, diz.
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Entre os países Brics, a África do Sul tem o melhor índice de liberdade econômica, na 72ª posição, de 178 países. A Rússia ocupa a pior posição do bloco – 143ª. O Brasil fica no posto 118.
Gabuev continua. “Até mesmo os parâmetros para avaliar a sociedade e a economia são diferentes. Na Índia, 90% da população vivem com menos de US$4 por dia, mas as autoridades do país dizem que somente 20% dos indianos vivem na pobreza. Na Rússia, 5% da população vivem com menos de US$4 por dia, mas as autoridades locais dizem que 20% dos russos vivem na pobreza.”
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Ingenuidade
Entre os Brics, a pouca participação da sociedade civil, especialmente na China e na Rússia, motores econômico e político dos Brics, pode colocar o bloco na mira de protestos em um futuro próximo.
“As pessoas ainda veem os Brics com ingenuidade, como se [os cinco países] fossem os mocinhos lutando contra os vilões ocidentais, principalmente os EUA. Em algum momento, as pessoas vão perceber que quem luta contra o FMI lutará também contra o Banco dos Brics”, diz Maksim Kazantsev, coordenador do projeto Europa-Brics.
Em 2011, quando a África do Sul passou a fazer parte oficialmente dos Brics, o bloco publicou um documento conjunto com as diretrizes dos cinco países a respeito de diferentes assuntos. A Declaração de Sanya, como ficou conhecido o documento, em homenagem à cidade chinesa onde se realizou o encontro, destaca o interesse dos países em “contribuir para a paz mundial, a segurança e a estabilidade, impulsionando o crescimento econômico global, reforçando o multilateralismo e promovendo mais democracia nas relações internacionais”.
A Declaração também enfatiza o “firme compromisso com o diálogo e a cooperação na área da proteção social, [acesso ao] trabalho decente, igualdade de gênero, saúde pública e jovem, incluindo a luta contra o HIV/AIDS”, além de “apoiar o desenvolvimento e uso dos recursos energéticos renováveis”.
Kazantsev é mais pragmático. “Nossos governantes precisam abandonar suas pretensões econômicas e geopolíticas napoleônicas e lutar, antes de mais nada, pelo princípio da igualdade social. Isso sim seria uma nova ordem mundial”.