Em 15 de dezembro de 2004, entre as 17h30 e 18h (15h30 e 16h em Brasília), o então presidente colombiano Álvaro Uribe participou de uma reunião de alto nível no palácio presidencial com o então subsecretário-adjunto do Departamento de Estado dos Estados Unidos para Assuntos do Hemisfério Ocidental, Charles Shapiro, o subsecretário-adjunto para o combate às drogas Jonathan Farrar e o embaixador norte-americano em Bogotá, William B. Wood, além do diretor de temas andinos, David Henifin.
O fato é relatado em um dos documentos obtidos pelo Wikileaks aos quais esta repórter teve acesso. São despachos da diplomacia norte-americana que tratam das relações entre o Brasil e outros países sul-americanos. Em vários deles, a resistência de algumas nações em relação à influência brasileira é evidente, embora também haja quem a veja com bons olhos e como contraponto aos EUA.
Leia o documento do Wikileaks na íntegra, em português
Veja o despacho original, em inglês
Na época da reunião, Uribe estava há dois anos no cargo e empreendia a política que chamou de “segurança democrática”, para combater os grupos armados que atuam no país. A política, abertamente apoiada pelos EUA, fortaleceu o Exército do país e liberou estradas colombianas antes controladas pelas guerrilhas, empurrando os combatentes das FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e do ELN (Exército de Libertação Nacional) para as montanhas.
O principal tema da reunião foi a ajuda norte-americana na luta contra as FARC. Uribe afirmou, na reunião, que os grupos armados não poderiam resistir mais que cinco anos à pressão militar. O presidente colombiano também se queixou de Hugo Chávez, presidente da Venezuela. A certa altura a conversa chegou ao Brasil.
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“Uribe disse que a sua relação com [o então presidente] Lula é complicada pelos esforços de Lula em construir uma aliança anti-EUA na América Latina”, relata o documento. Em seguida, Uribe afirma que o Brasil teria pretensões imperialistas: “Lula é mais prático e inteligente que Chávez, mas é levado pelo seu passado de esquerda e o ‘espírito imperial’ brasileiro a se opor aos EUA”.
O ex-presidente colombiano disse ter pouca influência sobre Lula ou Chávez porque eles o veriam como um amigo dos EUA. Mesmo assim, afirmou que continuaria a pressionar Chávez a tomar ações contra narcotraficantes. Afirmou ainda que Lula não cumpriu suas promessas de lutar contra o narcotráfico.
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Conselho de Defesa Sul-Americano
Essa não foi a única vez que o alto escalão do governo colombiano reclamou do Brasil com diplomatas norte-americanos. Outro despacho, datado de 9 de maio de 2008, revela a desconfiança do ex-ministro da Defesa colombiano, Juan Manuel Santos (presidente da Colômbia desde junho de 2010) em relação à proposta de criação do Conselho de Defesa Sulamericano (CDS), defendida pelo Brasil.
Leia o documento traduzido na íntegra
Veja o despacho original, em inglês
Durante a conversa, que aconteceu em 30 de abril do mesmo ano, o embaixador norte-americano chegou a sugerir formas de flexibilizar o mandato do Conselho. Dois dias antes da reunião na embaixada, Santos havia mantido um encontro com o ministro da Ddefesa brasileiro, Nelson Jobim, em que discutiu a proposta encabeçada pelo Brasil sobre a criação do Conselho.
Jobim havia viajado a diversos países sul-americanos para apresentar a proposta. No caso da Colômbia, a reunião aconteceu em Bogotá. Ao embaixador, Santos disse que rejeitou a proposta, expressando preocupação de que a iniciativa poderia duplicar as funções da OEA (Organização dos Estados Americanos) e da ONU (Organização das Nações Unidas).
“Santos explicou para Jobim que o governo colombiano temia que a iniciativa soasse como uma ideia da Venezuela”, diz o documento. “O governo colombiano não quer suas forças armadas subjugadas a uma instituição que não compreende totalmente. Do mesmo modo, está relutante a ingressar em uma instituição que poderia ser percebida por muitos como um esforço para distanciar a América do Sul do governo norte-americano”.
A resposta de Jobim, segundo o documento, foi dura: a Colômbia ficaria completamente isolada se não entrasse na iniciativa, pois o Brasil prosseguiria com ou sem ela.
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No dia 1º de maio, foi a vez do ex-comandante do exército General Mario Montoya conversar com a representação norte-americana. Ele disse que os militares colombianos não queriam “ser isolados” do resto da América do Sul, embora o “timing” da proposta fosse particularmente “infeliz” por causa do atraso na aprovação do tratado de livre comércio com os EUA.
O embaixador avisou que repassaria informações sobre a iniciativa a Washington. “Ele concordou que o governo colombiano deveria explorar se outros governos regionais tinham receios e, se fosse o caso, ver se eles se aliariam ao governo colombiano”.
O embaixador propôs que o governo explorasse se poderia sugerir opções que iriam ajustar o momento e o nível de participação. “Por exemplo, quem sabe um governo poderia se unir sem ter que aceitar todos os níveis de participação?”. O despacho é assinado pelo embaixador William R. Brownfield.
O Conselho de Defesa Sul-Americano acabou sendo aprovado, por fim, na cúpula extraordinária da União de Nações Sul-Americanas em 15 de dezembro de 2008.
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