É um uivo bizarro – de agonia, de dor ou de surpresa, depende do caso. Desde os anos 50, o “grito Wilhelm” tornou-se a brincadeira favorita dos sonoplastas e produtores americanos. Ele se esconde em uma centena de filmes, de Bastardos Inglórios a Batman: O Retorno, passando por Harry Potter, Transformers e O Senhor dos Anéis. Para se ter uma ideia o som aparece em mais de 200 filmes.
A aparição do grito Wilhelm remonta a um velho filme de faroeste de Raoul Walsh, Tambores Distantes (Distant Drums), lançado em 1951. Em um momento do filme, o capitão (Gary Cooper) e seus soldados atravessam um pântano e um dos homens, interpretado por Sheb Wooley, é mordido por um jacaré. Ele solta um grito estranho e cai.
Na época, as vozes e os efeitos sonoros eram gravados depois da filmagem e, provavelmente, foi o próprio Sheb Wooley que realizou as quatro ou cinco tomadas necessárias para a dublagem do seu personagem. As fitas foram arquivadas pela Warner com o título “homem é mordido por um jacaré e grita”.
A história poderia ter parado por aí. O grito descansaria dentro de uma caixa empoeirada e a sua reutilização estaria limitada a algumas produções da Warner nos anos 50, como Terra dos Faraós (Land of the Pharaohs) ou A Raposa do Mar (The Enemy Below).
Estranho uivo
Porém, certo dia, um talentoso engenheiro de efeitos sonoros chamado Ben Burtt repara naquele estranho uivo e se diverte ao perceber que ele, às vezes, aparece em mais de uma cena de um mesmo filme, como em O Mundo em Perigo (Them!) – um filme com formigas gigantes modificadas por radiação –, no qual ele foi usado três vezes, na boca de três personagens diferentes. Burt, então, passa a procurá-lo nas mixagens do cinema e chega a comentar com seus colegas do departamento de cinema da USC School of Cinematic Arts, em Los Angeles, os editores e sonoplastas Rick Mitchell e Richard L. Anderson.
Em 1974, eles tinham feito uma paródia de uma história de capa e espada, na qual usaram um áudio com aquele mesmo grito, mas sem saber a origem exata do som. Em 1977, George Lucas o contrata para criar o universo sonoro de Star Wars. Burtt começa a fazer pesquisas nos arquivos da Warner. Bingo! Ele esbarra no famoso grito, em Investida de Bárbaros (The Charge at Feather River), filme de 1954, no qual um certo Wilhelm (Ralph Brooke) berra ao cair com a flechada de um índio.
Ben Burtt registra o grito com o nome “Soldado Wilhelm” e, de brincadeira, decide incluí-lo em todas as mixagens da saga Star Wars. O “grito Wilhelm” torna-se uma espécie de assinatura. Ele retorna nos filmes da saga de Indiana Jones, E a Festa Acabou (More American Graffiti) e Willow – Na Terra da Magia.
Seus amigos sonoplastas se entusiasmam com a ideia e entram no jogo, espalhando o grito por toda parte: em Poltergeist, Batman: O Retorno, O Planeta dos Macacos e, ainda, O Agente Teen e Madagascar. A brincadeira vira uma “piada interna” para os sonoplastas e o grito Wilhelm infiltra as produções mais improváveis, como Aladdin e Pateta – o filme.
Quando o produtor Joe Dante ouve falar do som, vira fã e o inclui em seus filmes, de Hollywood Boulevard a Gremlins 2. O mesmo acontece com Quentin Tarantino, que o descobre na época da produção de Cães de Aluguel e exige a sua presença nas mixagens de Kill Bill, À Prova de Morte e Bastardos Inglórios. De acordo com o site Hollywood Lost and Found, Peter Jackson teria insistido para que o som ganhasse volume em O Senhor dos Anéis.
Viúva Wooley
Depois da morte do ator Sheb Wooley, em 2003, Bem Burtt parou de incluir o grito em suas mixagens. Mas outros sonoplastas não o deixaram de lado. O grito Wilhelm continua a surpreender em Toy Story, Hércules e Piratas do Caribe.
As séries de televisão entraram na dança há bastante tempo, com Maverick, Arquivo X e Angel. E até mesmo o videogame se rendeu – Red Dead Redemption e Dante’s Inferno vêm à mente. O grito pode aparecer no próximo Batman e talvez você já o tenha ouvido em Transformers 3, no último Harry Potter ou em Sucker Punch… Para ouvi-lo, há algumas boas compilações no You Tube.
No entanto, até hoje ninguém conseguiu provar que o grito Wilhelm que está em tantos filmes é mesmo o de Sheb Wooley. No próprio site oficial dedicado à carreira do ator há uma menção sobre o assunto: “Muitos o consideram como o mais provável dono da voz do grito Wilhelm”.
Mas nenhuma afirmação cravada. Em uma entrevista concedida ao Times, em 2005, sua viúva, Linda Dotson-Wooley, deu força ao mito contando que o marido frequentemente se divertia com seu talento extraordinário para berrar e morrer nos filmes. Ele ficaria emocionado. Diria: ‘Estou velho, sem dúvida, mas estou sempre nos filmes’.”
Tradução de Bárbara Menezes
Publicado originalmente em Rue 89
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