Numa tranquila noite de quarta-feira, em abril, um grupo incomum se encontrou em uma garagem transformada em estúdio de hackers, num bairro estudantil nos arredores de Boston. O que unia as pessoas ali presentes – a maioria homens de 20 a 40 anos – era um profundo interesse por si próprias. Elas vieram compartilhar os resultados das suas mais recentes autoexperiências: testes feitos ao longo de um mês com o Zeo, um aparelho comercial destinado a analisar o sono.
O grupo é parte de um movimento que vem crescendo: o dos frequentadores de academia, geeks tecnológicos e pacientes com doenças crônicas que monitoram obsessivamente vários parâmetros pessoais. No centro do movimento está o Quantified Self (“Ser Quantificado”), um grupo cujos membros são movidos pela ideia de que coletar dados detalhados os ajuda a fazer escolhas melhores em termos de saúde e comportamento. Em reuniões realizadas no mundo todo, os automonitorados discutem o uso de uma combinação de planilhas tradicionais, uma crescente seleção de aplicativos para smartphones e vários aparelhos, comerciais ou produzidos sob encomenda, que servem para monitorar o consumo de alimentos, o sono, o cansaço, o humor e frequência cardíaca.
Claro que o automonitoramento não é novidade, muitos atletas acompanham meticulosamente seus números pessoais há décadas, e algumas pessoas com doenças crônicas como enxaqueca, diabetes e alergias fazem o mesmo, num esforço para vislumbrar como hábitos diários podem infl uenciar os seus sintomas. Mas novas ferramentas tornaram o automonitoramento mais rigoroso e ao mesmo tempomais simples, gerando resmas de dados que podem ser esmiuçados em busca de padrões e pistas.
O Zeo, um dispositivo de US$ 199 (R$ 317,44), facilita o controle dos ciclos de sono, usando uma tecnologia que até recentemente exigiria os serviços de um técnico treinado. O aparelho consiste em uma faixa macia usada na cabeça, com um sensor de tecido que transmite, sem fio, dados para um monitor de eletroencefalograma na mesa de cabeceira. E os dados de cada noite podem ser carregados no computador, onde o usuário pode estudar como o seu sono é afetado pelo clima, a luz e outros fatores ambientais.
Lentes laranjas
Sanjiv Shah, um insone de longa data que participa do grupo em Boston, acredita que o uso de óculos com lentes laranja por várias horas antes de deitar o ajuda a pegar no sono – a teoria é de que o laranja bloqueia a luz azul, que, segundo estudos em humanos e animais, influencia nos ritmos circadianos. Seus resultados: sem os óculos, ele levou em média 28 minutos para adormecer; mas, com eles, levou apenas quatro.
O experimento tem uma falha óbvia: Shah sabe quando está usando os óculos, e ele acredita que eles funcionam, então o efeito placebo poderia ser responsável por seu sucesso. Mas óculos de plásticos que custam US$ 8 (R$ 12,76) certamente são preferíveis aos medicamentos para dormir como forma de obter esse benefício.
Alex Gilman, pesquisador do Laboratório Fujitsu dos EUA, chegou no final de maio à primeira conferência anual do Quantified Self, em Mountain View, meca tecnológica da Califórnia, com uma sacola pendurada no ombro. O emaranhado de fios que dela brotava levava a monitores em diferentes partes do seu corpo: um prendedor de plástico branco na orelha, medindo os níveis de oxigênio no sangue; uma braçadeira para a pressão arterial; euma combinação de monitor de frequência cardíaca, eletrocardiograma, termômetro e acelerômetro atada ao seu peito.
Esses equipamentos são uma amostra de um futuro não tão distante, em que dispositivos de monitoramento hoje típicos de uma UTI irão se transformar em aparelhos para vestir, discretos e fáceis de usar.
A nova geração de aparelhos se baseia em transceptores sem fio de baixa potência, capazes de enviar automaticamente dados do usuário para um celular ou computador. Em comparação ao instantâneo limitado da saúde que é capturado numa ida anual ao consultório médico, essas ferramenta e técnicas são capazes de revelar as medições de saúde de alguém “com contexto, e com uma resolução muito mais rica”, diz Paul Tarini, funcionário qualificado dos programas da Fundação Robert Wood Johnson.
Rede social
Em 2004, Alexandra Carmichael, que há anos sofre de enxaqueca, identificou os laticínios e o glúten como gatilhos para suas dores de cabeça, após monitorar amplamente os sintomas e correlacioná- los à dieta e a outrosfatores. Na esperança de ajudar outros a encontrarem um alívio para a dor crônica, ela criou o site CureTogether, uma rede social onde os pacientes podem listar seus sintomas, os tratamentos já tentados e os resultados observados. Carmichael e outros membros do CureTogether descobriram evidências, por exemplo, de que pessoas que sentem vertigem junto com a enxaqueca têm quatro vezes mais propensão a terem um aumento da dor, ao invés de uma redução, se tomarem Imitrex, um medicamento vasoconstritor contra a enxaqueca.
A estratégia favorita no momento é misturar as ferramentas de automonitoramento às redes sociais e aos videogames. Segundo Gary Wolf, do Quantified Self, o automonitoramento ajuda a resolver problemas importantes para a vida de todos: “Como comer, como dormir, como aprender, como trabalhar, como ser feliz”.
Tradução Rodrigo Leite
Texto publicado originalmente na revista Technology Review
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