Os agricultores e ribeirinhos que participaram, esta semana, da jornada de lutas do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), em Brasília (DF), retornam esperançosos para suas casas. Apesar de não viabilizarem soluções imediatas para os inúmeros problemas que os afetam nos 17 estados brasileiros onde estão organizados, conseguiram construir uma sólida agenda de negociações com o governo federal.
Como prioridade na pauta de interlocução, constam três das reivindicações históricas do MAB: a elaboração de um diagnóstico da dívida social do estado brasileiro com os atingidos, a implementação do Plano de Recuperação e Desenvolvimento das Comunidades Atingidas e a criação da Política Nacional dos Direitos dos Atingidos.
“O saldo é bastante positivo, já que agora temos o compromisso do próprio ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República (SGPR), Gilberto Carvalho, de debater conosco a nossa pauta, com aceno positivo para várias das nossas reivindicações”, afirma Andreia da Silva Neiva, membro da coordenação ampliada do MAB.
Segundo ela, o governo se comprometeu a apresentar, dentro de 30 dias, um cronograma para execução do Plano de Recuperação e Desenvolvimento das Comunidades Atingidas por Barragens. “Pelo compromisso assumido, até o final deste ano, o governo implementará, pelo menos, uma experiência em cada uma das regiões nas quais o movimento está organizado”, ressalta.
Além disso, em até 60 dias, a SGPR promoverá uma reunião para discutir
critérios para elaboração do diagnóstico da dívida social do país com os atingidos. E, ainda neste primeiro semestre, divulgará a proposta do decreto de criação da Política Nacional dos Direitos dos Atingidos, que ordenará a execução de novos empreendimentos.
Pelos cálculos do MAB, nos últimos 30 anos, mais de um milhão de brasileiros foram afetados pela construção de grandes usinas hidrelétricas, sendo que 70% deles não tiveram seus direitos assegurados. E a tendência é que este número cresça cada vez mais, com as grandes obras em curso, hoje, no país.
O exemplo mais suntuoso é o da usina de Belo Monte, no sul do Pará que, quando pronta, será a terceira maior hidrelétrica do mundo. Esta semana, um estudo divulgado pela Universidade Federal do Pará (UFPA) revelou que o empreendimento atingirá nove mil famílias além das 16, 4 mil já reconhecidas pelo consórcio Norte Energia, responsável por Belo Monte. “A aprovação desta obra foi feita na marra. Não respeito legislação, opinião pública, nada. É isso que precisamos evitar com uma política preventiva”, esclarece Andreia.
A dirigente considera que a simples determinação de que o ministro Gilberto de Carvalho será o interlocutor oficial do governo com o movimento já é uma vitória e demonstra a mudança de rumos na relação da presidenta Dilma Rousseff com os movimentos sociais. “Antes, não sabíamos em que porta bater. Não há um órgão específico para cuidar dos nossos interesses e cada um nos mandava para o outro. Com o apoio da SGPR, já deixamos reuniões agendadas com vários outros órgãos”, diz.
Entre elas, está uma reunião com o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a Secretaria de Patrimônio da União, com o propósito de agilizar o reassentamento das 12 mil famílias de atingidos que aguardam o acesso à terra inscritas nos cadastros do Incra. “As comunidades de atingidos têm características específicas e, por isso, nem sempre se enquadram nos critérios estabelecidos para beneficiários da reforma agrária”, explica.
Outra vitória comemorada pelos atingidos é o aceno do governo de que irá prorrogar as concessões do setor elétrico, que vencem até 2015, a fim de evitar a privatização do sistema, ainda mantido, em sua grande maioria, nas mãos de empresas estatais. “Saímos [da reunião] confiantes que não haverá leilões e que iremos conseguir manter o setor nas mãos das estatais”.
Mobilizações
A jornada de lutas contou com mobilizações sucessivas, em várias regiões do país. Em Brasília, os atingidos realizaram protestos em frente à Eletronorte e à Eletrobrás, na terça (13), ato no Congresso Nacional e vigília em frente ao Palácio do Planalto, na quarta (14), e manifestação em frente ao Ministério das Minas e Energia, nesta quinta (15).
Na capital paulista, um grupo realizou performances na Avenida Paulista, coração financeiro do país, para alertar à população sobre malefícios provocados pela construção de grandes hidrelétricas, como Belo Monte, e sobre os perigos da privatização do setor energético.
Em Altamira (PA), os atingidos por Belo Monte organizaram uma grande
manifestação, que contou com representantes de toda a região. Em Recife (PE), eles ocuparam, por três dias, a sede da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf). Em Curitiba, o protesto foi em frente ao Instituto Ambiental do Paraná (IAP) e no Incra. Também ocorreram manifestações no Rio de Janeiro (RJ), Florianópolis (SC) e Porto Velho (RO).
Publicado originalmente no site Carta Maior
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