Jane McGonigal acredita que alguém de sua área ganhará o Prêmio Nobel da Paz um dia.
Jane é uma designer de jogos.
Os jogos digitais não se limitam mais ao plantio de árvores em fazendas imaginárias ou a passarinhos carrancudos lançados por estilingues. E nem às civilizações e aos impérios da Antiguidade. Jogar, agora, virou coisa séria. Direitos humanos, tensões raciais, crueldade com animais, pobreza e subnutrição e AIDS – estes são alguns dos temas sobre os quais aficionados jogadores estão começando a falar.
E se você acredita que a diplomacia sempre foi uma espécie de game entre os governos, a Secretaria de e-Diplomacia (Office of eDiplomacy) do Departamento de Estado dos Estados Unidos confirmou a sua tese. Na última semana de maio, ela realizou a Conferência sobre Jogos Sérios (Serious Games Conference) em Washington DC, a mais nova das “iniciativas governamentais para o século XXI”, e que já estavana agenda anunciada pelasecretária de Estado Hillary Clinton, em 2008.
Termo limitado
O termo “jogos sérios” foi cunhado em 2002, mas mesmo após tantos anos, ainda é difícil não se perguntar: como os jogos podem ser sérios? Anand Ramachandran, designer de jogos e gamer ávido de Bangalore, irrita-se com a pergunta. “O próprio termo ‘jogo’ é muito limitado. Épreciso olhar para os games como um meio, uma peça, como um aprendizado através do fazer”, diz. Em seguida, Anand se explica melhor: “É divertido, agradável e você aprende sem ter consciência disso, o que torna a coisa toda mais fácil de ser absorvida”.
Uma das apresentações da Serious Games Conference foi o America 2049, um jogo paraFacebook desenvolvido com a ajuda da Breakthrough, uma organização pelos direitos humanos baseada na Índia e nos EUA. O jogo, que dura doze semanas, não apenas confronta o jogador com o terrorista Ken Asaba, como também o faz lidar com problemas de direitos humanos como fanatismo, tráfico sexual, tensões raciais e intolerância religiosa. De acordo com Mallika Dutt, fundadora da Breakthrough, o jogo tem cerca de 20 mil jogadores “que interagem através do Twitter, de postagens e do compartilhamento de informações nas plataformas de mídias sociais e fóruns internos de discussão”.
E por que o Facebook? É o espaço perfeito para criar interesse por esses temas em audiências jovens, além dos jogadores assíduos do mundo. “Com mais de meio bilhão de usuários – e mais da metade da população norte-americana maior de 12 anos – o Facebook é uma das plataformas mais acessíveis e populares para games e troca de informações”, diz Dutt. Sua fé no poder dos jogos das redes sociais é inabalável: “Eu realmente acredito que os jogos oferecem um espaço virtual seguro para que os jogadores habitem outras identidades e visões de mundo e, com isso, lidem com problemas sociais complexos”.
Asi Burak, co-fundador da Games for Change (“Jogos pela Mudança”, uma organização cujo nome diz tudo), é apaixonado pela ideia de usar os games para produzir um impacto social. Ele acredita que os jogos têm sido criticados pela imprensa apenas recentemente, especialmente os jogos digitais, tidos por violentos, frívolos ou simplesmente encarados como perda de tempo. Burak diz que os jogos estiveram conosco bem antes da era digital e foram sempre vistos como uma atividade positiva. “Estavam relacionados ao aprendizado, quando jogados por crianças. Além disso, eles levam a uma absorção de habilidades sociais e colaborativas relevantes para o século XXI”.
Garotas de Darfur
Para ver como esses jogos realmente funcionam, eu testei um dos mais populares – Darfur is Dying (Darfur está morrendo). O jogo, patrocinado pela mtvU e pela Reebok Human Rights Foundation (Fundação pelos Direitos Humanos Reebok), foi criado para chamar a atenção do público para o sofrimento dos dois milhões e meio de refugiados da guerra no Sudão. Pela primeira vez, pensei para valer na crise de Darfur – eu já sabia da situação, mas nunca havia refletido tão seriamente sobre o assunto. O jogo me pediu que eu escolhesse um avatar; eu escolhi Abok, uma garota de 12 anos, com sua túnica azul e seus grandes olhos, e saí do acampamento para buscar água. Demorou menos de um minuto para que eu perdesse o jogo. Senti uma grande dor no coração quando li a mensagem: “Você foi capturada por uma milícia. Garotas em Darfur sofrem abusos, estupros e sequestros por parte dos Janjaweed, os paramilitares sudaneses”.
Em Darfur is Dying, os jogadores interpretam os papéis e as responsabilidades de indivíduos nas comunidades de refugiados. Por um curto período, os estrangeiros podem ter uma ideia dos perigos que a população de Darfur enfrenta todos os dias para garantir as necessidades básicas como comida, água, abrigo e saúde. Os jogos conduzem os jogadores através de várias etapas, cada uma acompanhada de informações sobre o problema em questão,além de sugestões de como oferecer ajuda – desde doações em dinheiro até o envio de e-mails com ideias para as agências de desenvolvimento que trabalham na área.
Mallika Dutt menciona que essa saída do mundo virtual para a realidade foi partedas discussões na Serious Games Conference. Para ela, foi encorajador conversar sobre o poder dos jogos. “Principalmente sobre o que podemos fazer como ativistas e inovadores para que essas ideias saiam do mundo virtual epossam realmente mudar as coisas na realidade”. Engulam essa, seus cínicos!
Preparem-se para jogar!
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Tradução: Henrique Mendes
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