Eu, tu, ele, nós, vós, eles. Ela e elas também. Um estudo de três pesquisadores estadunidenses demonstrou como o uso de pronomes pessoais em livros de ficção e não-ficção refletiu as mudanças socioculturais durante o século XX e início do século XXI nos EUA. Segundo o site da revista The Atlantic, os três acadêmicos analisaram 1,2 milhões de textos no arquivo do site Google Books (que contém 4% de todos os livros já publicados em inglês), observando o uso de pronomes de gênero em obras publicadas de 1900 a 2008. A conclusão é que o “gap de gênero” nos pronomes, a diferença na frequência do uso dos pronomes masculinos e femininos, diminuiu sensivelmente ao longo dos anos nos textos pesquisados (vale lembrar que a pesquisa foi feita em inglês e analisou somente textos estadunidenses).
“Entre 1900 e 1945, 3,5 pronomes masculinos apareciam para cada pronome feminino, aumentando para 4,5 durante o pós-guerra, nos anos 1950 e início dos anos 1960. Após 1968, essa diferença caiu consideravelmente, chegando a dois pronomes masculinos para cada pronome feminino nos anos 2000. De 1968 a 2008, o uso de pronomes masculinos diminuiu e o uso de pronomes femininos aumentou. A relação passou de 3 para 1 em 1975 para menos de 2 para 1 em 2005”, diz o estudo. Para os autores, “a proporção dos pronomes de gênero se correlaciona de maneira bastante significativa com os indicadores do status das mulheres nos EUA, como nível de educação, participação na força de trabalho, idade do primeiro casamento e a postura confiante das mulheres, um traço de personalidade que está ligado ao status. Os livros apresentavam mais pronomes femininos quando o status das mulheres era alto, e menos quando o status era baixo. Estes resultados sugerem que produtos culturais como os livros refletem o status das mulheres nos EUA e as mudanças na igualdade de gênero ao longo das gerações.” Ou, como simplifica a The Atlantic, na medida em que as mulheres passaram a se casar mais tarde, ter uma vida profissional e se tornar mais independentes e confiantes, o uso de pronomes femininos nos livros aumentou.
Gráfico via The Atlantic
Mas essa mudança não é um indicador de que a igualdade de gênero foi alcançada. “Os pronomes masculinos ainda são duas vezes mais comuns do que os femininos”, comenta a autora principal do estudo, Jean M. Twenge. “Mesmo se as mulheres fossem maioria entre os autores, sobre quem elas vão escrever? Elas vão escrever sobre políticos e presidentes de grandes empresas; estes temas exigirão o uso mais frequente do 'ele'”, salienta a autora, já que entre 85 e 90% dos livros são de não-ficção.
E “ele” e “ela” não são os únicos pronomes a indicar mudanças socioculturais na sociedade estadunidense. Os mesmos pesquisadores analisaram 766.513 livros do arquivo do Google Books, publicados entre 1960 e 2008, e concluíram que “o uso de pronomes da primeira pessoa do plural (“we”, “us” em inglês; “nós” e “nos”, em português) diminuiu; o uso de pronomes da primeira pessoa do singular (“I”, “me”; “eu”, “mim”) aumentou 42%; e a ocorrência de pronomes da segunda pessoa (“you”, “your”; “você”, “seu”) quadruplicou” – um impressionante aumento de 300% no uso do “you” entre 1960 e 2008.
A maior ocorrência desses pronomes indicam um óbvio crescimento do individualismo e queda no coletivismo na cultura estadunidense, segundo a The Atlantic. Na América Latina e na Ásia há bem menos ênfase no “eu” em favor do “nós”, e isso refletiria uma cultura mais coletivista, acredita Twenge. “Em correspondências e na fala, os pronomes da primeira pessoa do singular estão associados com o aumento do foco em si mesmo, status mais baixo, honestidade, depressão, e um estilo mais pessoal e expressivo. Pessoas de status mais alto utilizam com mais frequência os pronomes da primeira pessoa do plural (nós) e segunda pessoa (você).”
Os pronomes da primeira pessoa do singular indicariam insegurança e narcisismo, mas o notável aumento no uso do “você” é mais complexo, diz a autora: “Pode significar muitas coisas. Minha teoria é que isso tem a ver com os livros de autoajuda – como viver a melhor vida que você pode viver, o que se relaciona com a ideia do aumento do individualismo. (…) Atualmente é muito comum um livro ter 'você' no título.”
Para o escritor James Pennebaker, autor de “The Secret Life of Pronouns” (“A vida secreta dos pronomes”), “ninguém teria imaginado que essas palavrinhas quase invisíveis poderiam ser reflexos tão poderosos das pessoas e da maneira como elas se relacionam. A beleza desses processos é que agora podemos olhar para o uso dos pronomes em culturas e linguagens e começar a ver como grandes grupos de pessoas mudam ao longo do tempo.”
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