[Ao longo da matéria, ouça algumas bandas brasileiras que fazem sucesso em inglês]
Por que compor em inglês? A conexão entre ouvinte e som é sensorial, a letra é apenas um dos caminhos
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“A gente está no Brasil e é importante cantar em português. De vez em quando, é legal cantar músicas em inglês, para se divertir e tudo mais. Mas criar em inglês eu acho uma coisa meio esquisita.” A provocação foi feita 20 anos atrás pelo ex-professor de inglês Renato Russo, no meio de um show do Legião Urbana, antes de emplacar uma sequência de quatro músicas gringas no meio do repertório. Ícone do rock nacional, o cantor e compositor fez troça das bandas jovens que tentavam seguir o exemplo de sucesso cosmopolita dos mineiros do Sepultura, mas não viveu o suficiente para ver outros “desertores” brasileiros colocarem as manguinhas de fora e explorar este que é o terceiro idioma mais falado do mundo.
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Black Drawing Chalks — “My Favorite Way”
A questão é polêmica e de foro íntimo: cada artista guarda o seu motivo especial para escantear a língua-mãe. Por um lado, o ouvido de muitos tem a percepção de que o rock simplesmente “soa melhor” em inglês, idioma que teria assumido o papel de “a língua do rock” na opinião de Andreas Kisser, guitarrista do Sepultura. Pode parecer provincianismo barato, mas a restrição linguística também se aplica a outros gêneros. Basta tentar imaginar um samba cantado todo em alemão.
Tiago Iorc — “It’s A Fluke”
Um pouco mais pragmáticos, há aqueles que veem nas rimas em inglês um atalho na busca pela fama internacional. Nesses casos, o uso do idioma estrangeiro seria um estratégia comercial para conseguir se fazer ouvir além das fronteiras impostas pelo português. O problema é que o mercado lá fora não é menos cruel. Pelo contrário. “Você será apenas mais uma banda em um oceano de 1 milhão que cantam em inglês”, alerta o produtor musical Jack Endino, envolvido na polêmica por ter dito, no início do ano, que bandas brasileiras deveriam permanecer no português.
Chuck Hipolitho, produtor e VJ da MTV, que em seus projetos já compôs nos dois idiomas, concorda: “Você está concorrendo com quem faz poesia nessa língua. É difícil”.
Zemaria — “Past 2”
Mutantes e seu “status cult”
Em um país em que apenas 5% da população sabe falar inglês, o sucesso doméstico de bandas que optam pelo caminho poliglota é relativo. Em tese, tais artistas teriam extrema dificuldade para conseguir transmitir a mensagem das suas letras ao público. Entretanto, casos como o da banda paulista Cansei de Ser Sexy (famosa no Brasil e mais ainda no Reino Unido) e dos goianos do Black Drawing Chalks (presentes em festivais como o SWU e Lollapalooza) indicam que a linguagem musical é mais poderosa do que um punhado de regras gramaticais.
“A sonoridade como um todo é o essencial. Cada vez menos a letra tem significado e, por isso, vai perdendo importância”, afirma Pablo Miyazawa, editor da revista Rolling Stone Brasil
CSS-Cansei de Ser Sexy — “Let’s Make Love And Listen To Death From Above“
Como já havia notado Jim Morrison, são várias as portas a serem abertas para a percepção. A letra é somente uma delas. A conexão entre ouvinte e som é puramente sensorial, se dá em diversos níveis. Dentro de uma massa de fãs, cada um será atingido de um jeito: pela originalidade, intensidade, harmonia, arranjo, figurino ou ambiente. “A letra é simplesmente um acessório”, completa Miyazawa.
Mutantes — “Baby“
Prova disso é o “status cult” que a banda Mutantes adquiriu no Reino Unido ao longo das últimas décadas; fazendo, inclusive, com que os irmãos Arnaldo Baptista e Sérgio Dias escolhessem Londres como a cidade para dividir um palco pela primeira vez depois de 33 anos. Além da psicodelia e da nostalgia dos anos sessenta, o quarteto brasileiro idolatrado pelos ingleses não passou vergonha diante da multidão estrangeira. Entre uma canção e outra do repertório — recheado, diga-se, de versões traduzidas —, os integrantes da banda papeavam com notável fluência. Parecem, pelo menos, ter seguido o conselho do brasileiro (russo apenas no nome) Renato: “Cantem assim. E não com aquele inglês horroroso”.
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