Saiba o que mais foi publicado no Dossiê #05: Mídia
Leia as outras matérias da edição nº 5 da Revista Samuel
Ana Ferreira está otimista. Tem 26 anos, veio dos Açores e vive na África há quase quatro anos, primeiro em Angola, agora em Moçambique. Ao contrário do esperado, não trabalha como voluntária, mas é funcionária do departamento de recursos humanos de uma empresa.
“Quando olho para os meus amigos que estão em Portugal, vivendo de bolsas de estudo, de empregos temporários, fazendo sucessivas licenciaturas e cursos de pós-graduação, penso que estão completamente desligados da vida real. Vivo em Maputo, onde estou bem e avanço na minha carreira. Por que haveria de voltar?”
Gonçalo Jorge tem 28 anos e trabalha com marketing, em Lisboa. Não luta por emprego, mas sim contra a frustração. Depois de formado arranjou emprego numa companhia de transportes públicos. “Queria fazer grandes coisas, mas o que me esperava era uma sinecura”, diz. Quando, finalmente, encontrou uma vaga interessante numa empresa privada ofereceram-lhe um contrato de trabalho de um ano, e esse era o problema. Por isso, mudou-se para Angola onde agora é o responsável por uma marca de vinhos portugueses. É o responsável máximo da empresa em Angola e ganha quatro vezes mais do que em Portugal.
Portugal já perdeu um em cada dez formados em cursos superiores. O êxodo começou há alguns anos porque a crise e a grande taxa de desemprego atingiram o país muito antes de chegarem ao resto da Europa. Atualmente, Portugal tem 34% de jovens desempregados, e a Espanha, 50%. Se não fosse a emigração, as taxas seriam ainda mais altas.
Apoie a imprensa independente e alternativa. Assine a Revista Samuel.
Novo Mundo
Os que se tornaram obsoletos na Europa — engenheiros, arquitetos, operários da construção civil — são recebidos de braços abertos na África e na América do Sul. O Brasil prepara-se a todo o vapor para a Copa do Mundo de Futebol de 2014 e para os Jogos Olímpicos de 2016. Contratam-se engenheiros e arquitetos em grande escala, até mesmo para o setor da energia, onde há projetos que rondam os 200 bilhões de dólares. No ano passado, a economia do Brasil cresceu quase 3%. A Argentina cresceu 8% e tem uma taxa de desemprego de 7%, três vezes mais baixa do que a da Espanha.
Rica em petróleo, diamantes e outros recursos naturais, Angola é, hoje em dia, um dos países do mundo com mais rápido crescimento econômico. Ali, o PIB escala a taxas de 15% ao ano, e há três mil empresas portuguesas operando no país africano, construindo estradas, pontes, arranha-céus, ferrovias, oleodutos. O país, assolado durante trinta anos por uma guerra civil que acabou apenas há uma década, sente falta de especialistas.
“Há alguns anos que os jornais portugueses trazem anúncios de oferta de empregos em Angola”, diz Pedro Góis, professor de sociologia das migrações na Universidade de Coimbra. “Há sobretudo dois grupos que estão indo embora: pessoas mais velhas que querem poupar dinheiro e os jovens, que procuram desenvolver-se profissionalmente e querem se divertir.”
Apetite pela vida
Se os portugueses se sentem em casa em Angola, adaptar-se à vida no Brasil é ainda mais fácil. Segundo o Observatório da Imigração de Lisboa há, atualmente, cerca de 700 mil emigrantes portugueses vivendo e trabalhando no Brasil.
Na Espanha, que nos últimos dez anos recebeu cerca de cinco milhões de imigrantes da América do Sul, da África e da Ásia, a emigração de espanhóis para as antigas colônias é um assunto tão recente que poucos são capazes de discuti-lo. Mas os números falam por si: segundo alguns consultores na Argentina, cerca de 1.200 espanhóis se instalam neste país todo mês.
“O emigrante típico é um homem entre os 25 e os 35 anos, quase sempre engenheiro, arquiteto ou especialista em tecnologias de informação”, diz Marta López-Tappero, especialista em mobilidade internacional da Adecco. “Em resumo, homens jovens que querem novas experiências e desafios.”
“Invasão europeia”, “no-vo Eldorado”, “expedição em busca de emoção” — são conceitos familiares e devem soar preocupantes aos ouvidos europeus. “Não há razões para se falar de uma nova colonização”, afirma Pedro Góis. “Estamos, sim, a assistir ao nascimento de uma nova classe de migrantes que nunca se estabelecem permanentemente em lado nenhum. Mais cedo ou mais tarde, voltarão ao país de origem ou irão estabelecer-se noutro país qualquer onde as ofertas de trabalho estejam melhores.”
* Texto publicado originalmente na revista polonesa Polityka
NULL
NULL