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A mensagem central do novo livro de Paul Krugman, End This Depression Now! (Acabe com esta depressão agora!), é simples: as coisas não têm de ser assim. Nenhuma dinâmica externa está mantendo o desemprego acima de 8% nos Estados Unidos e condenando uma geração de jovens trabalhadores a uma economia em que o risco é abundante e as oportunidades são escassas. Somente o fracasso de uma vontade política — e uma adoção quase universal do vodu da economia conservadora — está nos mantendo neste tenebroso momento econômico.
Sobre o estímulo de 2009 nos Estados Unidos, Krugman escreve: “Aqueles que tinham uma vaga ideia sobre o que a economia necessitava de verdade, como o Presidente Obama, foram covardes e não estavam dispostos a reconhecer as ações necessárias ou admitir depois que o que fizeram estava errado.” Em lugar de tratar o sinistro panorama dos empregos como uma crise que demandava atenção integral, Washington achou por bem gravitar em torno do pânico sobre o déficit — uma ameaça fantasma — no pior momento possível. “Pessoas com ideias equivocadas”, escreve Krugman, “foram enfáticas e não fizeram uma autocrítica.” Em entrevista à AlterNet Radio Hour, Paul Krugman falou sobre seu livro.
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Primeiro eu gostaria de perguntar sobre esta polêmica palavra no título do seu livro. O que faz com que esta seja uma depressão e não uma grande recessão, como temos ouvido falar?
Paul Krugman: Uma recessão é quando as coisas estão ruins, quando a economia vai mal. Uma depressão é quando a economia vai mal e as coisas permanecem ruins por um bom tempo. Nós tivemos a Grande Depressão, que durou mais de uma década. Houve duas recessões durante aquele período e dois momentos que podem ser considerados de recuperação, em que as coisas estavam melhorando, mas não estavam indo tão bem. Aquele foi um período terrível para os Estados Unidos e para o mundo. Hoje, estamos vivendo algo bem parecido. Não estamos tão mal quanto na Grande Depressão, o que não é uma grande vantagem. E isto é algo que tem sido alimentado. Estamos no quinto ano seguido de altas taxas de desemprego com péssimas perspectivas para os jovens. É uma depressão.
Na sua opinião, qual é a coisa mais importante a ser feita pelos políticos neste momento?
Krugman: A moral do livro é: isto não deveria estar acontecendo. Essencialmente, este é um problema técnico, algo pequeno. É como ter um carro com uma bateria arriada. Mesmo que tenha muita coisa errada com o seu carro, é fácil fazê-lo andar se você estiver disposto a aceitar o verdadeiro problema. Primeiramente, o que temos é uma economia em que simplesmente não há investimento suficiente. Os consumidores estão aprisionados pelas dívidas, e as empresas não querem investir, já que não há demanda. Alguém deve tomar a iniciativa e investir, e este alguém é o governo. O governo poderia — e, é bom esclarecer, eu me refiro a grandes projetos, com objetivos a longo prazo — dar um impulso imediato à economia apenas revertendo os enormes cortes que foram aplicados em âmbito estadual e municipal nos últimos três anos. Vamos readmitir os professores, policiais e bombeiros demitidos. Preencher todos estes buracos que foram criados em Nova Jersey e, creio eu, em todo o país. Aí sim estaríamos no caminho de volta para uma economia aceitável novamente.
Parece que nós demos dois passos à frente com as contratações do setor privado e um passo atrás ao demitir funcionários públicos estaduais e municipais. Você tem ideia de como estaria a taxa de desemprego se não tivéssemos sucumbido à obsessão pela austeridade?
Krugman: Se os governos estaduais e municipais tivessem continuado a se expandir no ritmo em que normalmente o fazem, ou seja, proporcionalmente à população — que foi, aliás, o ritmo em que eles se expandiram no primeiro mandato de George W. Bush — nós teríamos 1,3 milhão de empregos a mais, contando só os cargos públicos. Mas isto também teria um efeito indireto. As pessoas teriam um poder aquisitivo maior e surgiriam vagas também no setor privado. Daí teríamos cerca de dois milhões de empregos. Se você somar tudo isso, eu diria que, se não estivéssemos executando estas medidas de austeridade, o PIB dos Estados Unidos seria 3% mais alto do que é hoje e a taxa de desemprego seria pelo menos 1,5% mais baixa, o que significa que estaríamos em um nível de desemprego de 6,5%. Não seria uma situação ideal, mas pelo menos não é uma depressão. Estaríamos bem melhor do que estamos agora.
Tudo o que você escreve em seu livro me parece senso comum, mas até os Democratas dizem que o governo deve conter os gastos quando as famílias também o fazem. Não seria o contrário? As famílias apertarem os cintos não significa que o governo deve abrir os cofres para compensar esta queda na demanda?
Krugman: Exatamente. O maior erro que as pessoas cometem é acreditar que somos todos como uma grande família. Isto não é verdade: somos interdependentes. O seu gasto é a minha renda e o meu gasto é a sua renda. Se nós dois apertarmos os cintos ao mesmo tempo achando que isto vai fazer com que a nossa situação melhore, acabamos piorando tudo. Esta é uma grande falácia.
Vamos falar sobre a Europa. Estamos caminhando para o fim da união econômica europeia? Basicamente, pelo que eu percebo quando observo países seriamente endividados, é que eles essencialmente criaram uma variação do padrão-ouro.
Krugman: Eles criaram algo que na prática é pior do que o padrão-ouro. Se você tem algum conhecimento de história econômica, você sabe que o padrão-ouro foi a principal razão para que a Grande Depressão chegasse ao ponto em que chegou. Mas pelo menos os países tinham suas próprias moedas. Tudo que eles tinham que fazer era dizer “ok, chega dessa história de padrão-ouro”, e eles podiam escapar. Agora é bem mais difícil. Eu não vejo como a Grécia pode continuar no euro. Abandoná-lo será terrível, mas permanecer é uma situação sem esperanças. Eles vão sair. Uma vez que as pessoas perceberem que isto pode acontecer, que é uma possibilidade real, haverá uma corrida aos bancos na Espanha e na Itália, que são atores bem mais relevantes. Isto só poderá ser evitado se as elites europeias mudarem sua atitude. Elas tem que entender que a prioridade no momento é salvar o euro, e não punir as pessoas por seus supostos pecados fiscais. Isto significa linhas de crédito flexíveis (open-ended lending) para os bancos e governos destes países. Significa ter uma política monetária inflacionária e bem mais expansionista. Talvez isto dê alguma esperança para salvar o sistema. As coisas se movem muito rapidamente. Há uma grande chance de que daqui a um ano o euro não exista mais.
Você escreveu um artigo recentemente sobre como a desigualdade de renda está causando algo que pode ser chamado de “desigualdade política”. Uma seria consequência da outra. Você pode esclarecer melhor esta ideia?
Krugman: Comecemos com uma observação. A desigualdade teve seus altos e baixos. Nós éramos uma sociedade muito desigual antes da Grande Depressão. Nós nos tornamos uma sociedade bem mais igualitária durante os anos 1930 e principalmente durante os anos 1940. Permanecemos como uma sociedade de classe média por algum tempo, mas depois voltamos a ser muito desiguais. A polarização política, que pode ser medida com base em vários dados estatísticos ou votações no Congresso, também teve seus altos e baixos. Elas caminham perfeitamente unidas. A polarização política e a desigualdade de renda andam de mãos dadas. E tudo indica que esta relação não é casual. Quando os ricos são muito ricos, eles podem comprar apoio político. O que aconteceu nos Estados Unios é que o Partido Republicano passou a acompanhar os interesses da superelite. Não o 1%, mas o 0,01%. Portanto a extraordinária explosão na renda do 0,01% comparada a todo o resto da população levou o Partido Republicano em direção à direita, ao ponto em que não há mais centro. O centro não se sustentou, dissolveu-se e se transformou em um vazio.
Eu acredito firmemente que os argumentos puramente econômicos sobre os benefícios do livre comércio são irrelevantes no mundo real, porque quando o representante dos Estados Unidos negocia estes acordos — assim como seus colegas europeus ou japoneses — ele é profundamente influenciado pelo lobby das grandes corporações. Portanto, mesmo que nós tenhamos uma teoria sobre os benefícios do livre comércio, tratados negociados a portas fechadas e sob a influência de um lobby pesado podem de fato proporcionar estes benefícios?
Krugman: Eu diria que os primeiros 50 anos de negociações de comércio exterior no pós-guerra foram positivos porque forjaram um mundo com barreiras relativamente baixas, especialmente para as exportações de bens industrializados vindos de países pobres. Isto é muito importante porque há histórias de sucesso, de países que chegaram a se tornar bons lugares para se viver ou que conseguiram não afundar devido a estas exportações. Se Bangladesh não conseguisse exportar sua produção de vestuário, eles estariam em uma situação desastrosa. Vários acordos de comércio exterior nas últimas décadas não são, na realidade, acordos de comércio. Eles servem para proteger vários tipos de interesses. Eu tenho um curso sobre este assunto. O Tratado de Livre Comércio entre Estados Unidos, América Central e República Dominicana, por exemplo, não é o que parece. Ele na verdade é um acordo de propriedade intelectual para garantir que a nossa indústria farmacêutica mantenha seu monopólio. Portanto, neste sentido, você está certo. Muito do que é vendido como livre comércio é, na realidade, outra coisa, e é frequentemente prejudicial aos interesses dos trabalhadores, nos EUA e no resto do mundo.
Você acha que o fato de meia dúzia de países europeus terem voltado à recessão — e alguns mais estarem sob o mesmo risco, como resultado desta obsessão com a austeridade — estaria mudando as concepções das pessoas com relação às políticas econômicas?
Krugman: As concepções de alguns, sim. Ainda não é o suficiente, mas acredito que estamos progredindo. Eu tenho escrito colunas há mais de dez anos e parto do princípio de que ninguém nunca admite estar errado sobre nada. Mas o tom da discussão mudou consideravelmente nos últimos seis meses — estamos voltando à sanidade. Se isto vai acontecer a tempo de evitar uma catástrofe, eu não sei. Acho que insistir nestes pontos e nas evidências tem funcionado, e é por isso que eu publiquei este livro. Tenho esperança de que conseguiremos levar o debate adiante, na direção de fazer a coisa certa.
Tem sido interessante observar o seu progresso como blogueiro. Você é certamente um importante intelectual, mas não é tão esnobe que não poste seus vídeos de gatinhos de vez em quando, certo?
Krugman: Bom, é o que eu tenho que fazer. O blog é uma ótima mídia para alguém que pensa como eu. É como um caderno de rascunhos para ideias que vão parar nas minhas colunas ou nos meus livros. Eu o considero um exercício muito recompensador, embora esteja tomando muito tempo do meu dia.
Tradução por Carolina de Assis
* Texto publicado originalmente no site Alternet
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