Em Kerala, torcedores das seleções brasileiras e argentina de futebol durante transmissão de jogo na última Copa
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Na Índia, pátria do críquete, o futebol é relegado ao papel de esporte menor. No entanto, nos últimos meses, vários sinais indicam que a febre de futebol no país está começando a subir como nunca antes, para a alegria dos torcedores, da Fifa e dos publicitários. Trata-se de um mercado de quase 1,2 bilhão de pessoas. E o futebol mundial está pronto para conquistá-lo.
Ao fim da Eurocopa 2012, a imprensa indiana divulgou uma série de dados interessantes. Segundo o jornal Hindustan Times, o número de telespectadores indianos que acompanharam o torneio cresceu 28% com relação à edição de 2008. As redes televisivas registraram naquele ano 15 milhões de torcedores, contra os 19 milhões deste ano.
Números modestos se comparados ao total da população do país, mas ainda assim uma parcela respeitável, especialmente pela “qualidade” numérica: muitos desses 19 milhões são homens residentes em núcleos urbanos, com idade entre 15 e 34 anos. Público-alvo ideal para os produtos — frequentemente ocidentais — que encantam a classe média indiana: motocicletas, celulares, computadores, cervejas e bebidas destiladas.
A Neo Sports Broadcast, uma das redes televisivas que transmitiu a Euro 2012, é o exemplo emblemático dos efeitos potenciais de um (re)nascimento futebolístico na Índia. Prasana Krishnan, dirigente da rede, declarou ao Hindustan Times: “Começamos com dez inserções publicitárias, incluindo os cinco patrocinadores da competição. Ao fim do torneio, elas já somavam 18”.
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Só críquete
Legado do colonialismo britânico, o críquete não é somente o esporte nacional na Índia. Graças a numerosos test internacionais (assim são chamados os torneios de críquete entre nações, todas ex-colônias do império britânico), quando a Índia — atual campeã do mundo — entra em campo, ela é chamada a representar a supremacia nacional contra os ingleses invasores, contra o turbulento vizinho paquistanês, contra os primos cingaleses ou bengalis.
Meninos de rua com pedaços de madeira e tijolos constroem pitchs (o campo de críquete) improvisados, personificando os heróis da Men in Blue (homens de azul, referência à cor da equipe indiana) como Sachin Tendulkar ou M. S. Dhoni.
O superpoder do críquete atraiu não só o entusiasmo dos fãs, mas também todos os fundos destinados ao desenvolvimento de estruturas esportivas e, consequentemente, todos os projetos futuros de jovens esportistas indianos. Todos sonham vencer no mundo do críquete e ter uma vida feita de contratos bilionários, mansões de luxo, namoros com atrizes de Bollywood, festas exclusivas, rostos estampados em outdoors. Uma vida de astro — ou, como diríamos, uma vida de jogador de futebol.
Dificuldade
Explorando o ranking da Fifa, quem quiser encontrar a Índia deve respirar fundo e ter paciência. Acima de Aruba e depois do Afeganistão, a seleção de futebol indiana ocupa o 163º lugar no mundo. Um resultado bastante revelador do estado de coma em que se encontra o futebol no segundo país mais populoso do mundo (a China, para efeito de comparação, está na 68ª posição).
O registro de aproveitamento dos Blue Tigers é impiedoso: uma única qualificação para a Copa do Mundo, em 1950, e três para a Copa da Ásia, em 1964, 1984 e 2011. À parte as competições da South Asian Football Federation Cup, Afc Challenge Cup e Nehru Cup — de que participam equipes de países como Nepal, Butão, Paquistão, Maldivas, Sri Lanka, Afeganistão e Bangladesh —, pode-se admitir tranquilamente que a seleção nacional da Índia é uma das piores do mundo.
No torneio nacional, a I-League, competem uma série de clubes espalhados por regiões onde o futebol timidamente tenta agregar torcedores, como em Bengala Ocidental, Kerala, Goa e Mumbai. Para se ter uma ideia da marginalidade do campeonato nos corações dos indianos, basta pensar que na capital do país, Nova Déli, não há nenhum time de futebol.
Frente ao desolador panorama futebolístico na Índia, fica claro que encontrar 11 bons jogadores é uma tarefa titânica. E o círculo vicioso é evidente: o futebol não apaixona, a seleção perde, o dinheiro não chega, não há estrutura, não há jogadores. O importante é tentar romper o ciclo.
Novidade
No início de 2012 os jornais indianos anunciavam com toda pompa uma novidade que poderia revolucionar o panorama futebolístico nacional. Tratava-se da Indian Premier League Football, um supercampeonato cheio de estrelas internacionais, o Big Bang da bola no país.
Seis equipes (todas da região de Bengala Ocidental), novos estádios, patrocinadores nacionais e um teto salarial de 600 milhões de dólares para contratar seis jogadores ícones, antigas glórias do futebol internacional, um por time: Fabio Cannavaro, Hernan Crespo, Robbie Fowler, Jay-Jay Okocha, Fernando Morientes e Maniche. O mix de grandes nomes e o efeito novidade teria atraído rios de torcedores, contratos televisivos e merchandising, estabelecendo as bases para levar o campeonato a todo o resto da Índia.
Depois de apenas um mês os organizadores foram obrigados a adiar a data de início do torneio, até então previsto para o dia 25 de fevereiro: o governo de Bengala Ocidental suspendeu tudo, declarando ter encontrado diversas incongruências na estrutura financeira das duas sociedades organizadoras, o Celebrity Management Group (CMG) e a Associação Indiana de Futebol (Indian Football Association).
Além disso, a Federação de Futebol da Índia (All India Football Federation — Aiff) não só tinha se recusado a disponibilizar seus estádios para o evento, como também tinha proibido todos os seus associados de participar do novo campeonato, que faria concorrência à I-League.
Esperança
Com o supercampeonato das maravilhas jogado para escanteio, o entusiasmo ressurgiu poucos meses depois com o anúncio da aproximação entre a Demp SC, o time de futebol de Goa, vencedor da I-League, e Shahrukh Khan, astro de Bollywood e proprietário dos Kolkata Knight Riders, campeõs indianos de críquete.
Khan estava interessado em comprar uma cota majoritária da sociedade, operação que levaria para a I-League os holofotes de Bollywood, um ímã irresistível para as hordas de apaixonados por cinema indiano e para os patrocinadores. As negociações ainda estão se desenrolando, dando um fio de esperança para os publicitários do país.
O Barcelona, após dois programas de futebol organizados na Índia que registraram milhares de adesões de pequenos jogadores principiantes, está finalizando os preparativos para a inauguração da FCBEscola que receberá 300 crianças com idade entre 6 e 14 anos.
O Manchester United também não dormiu no ponto e está lançando o programa Are You Ready, em colaboração com a Airtel, uma das principais empresas telefônicas do subcontinente. Em três meses, os olheiros dos Red Devils avaliarão mais de dez mil jogadores sub-16 na Índia, Bangladesh e Sri Lanka. Os doze melhores ganharão um estágio de uma semana em Manchester, treinando com os juvenis do clube inglês. Os dois clubes europeus estão apostando nos jovens indianos, na esperança de que também a Índia comece a fazê-lo.
Tradução por Carolina de Assis
* Texto originalmente publicado no site Linkiesta
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