Ahed Tamimi interpela soldado israelense sobre o paradeiro do irmão Waed, desaparecido na Cisjordânia
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No meio de uma estrada deserta, cercada pela paisagem árida, uma pequena menina com a insígnia da paz estampada no peito enfrenta dezenas de soldados, protegidos com capacetes e metralhadoras. O contraste da imagem choca, mas nem as armas em punho foram capazes de amedrontar a garotinha, que continuou a gritar e empurrar os oficiais em busca de respostas.
Os risos jocosos dos militares apenas alimentaram o desespero e a raiva na jovem. No fim, a única resposta recebida foi o disparo de balas de borracha. As imagens da bravura da menina, na reedição de uma espécie de batalha entre Davi e Golias, correram o mundo. Ahed Tamimi, de apenas 13 anos, queria apenas saber para onde o irmão, Waed, de 15 anos, havia sido levado durante os protestos do dia 2 de novembro de 2012 em Nabi Saleh, pequeno vilarejo na Cisjordânia onde vivem.
Sentada na cama do hospital, em Ramallah, com a mão enrolada em curativos, a palestina não reclama do ferimento e conta que a dor já se tornou parte de sua vida. Filha do líder comunitário Bassem Tamimi, considerado pela União Europeia um “defensor dos direitos humanos” e pela Anistia Internacional “um prisioneiro de consciência”, Ahed já teve de lidar com o encarceramento dos pais, a morte de dois tios e a violência cotidiana de soldados israelenses contra a família e amigos.
“Eu lembro que o pior período da nossa vida foi quando prenderam o meu pai pela primeira vez. As autoridades israelenses não nos deram autorização para visitá-lo”, lembra ela. Detido por oficiais israelenses por seu papel de liderança nos protestos pacíficos, Bassem teve de enfrentar a corte militar de Israel por 13 vezes e chegou a passar mais de três anos no cárcere, sem nenhum julgamento.
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Presença militar
Há mais de três anos, os residentes de Nabi Saleh se concentram toda sexta-feira às 13h30 no centro da vila e tentam caminhar com bandeiras da Palestina até a Alqaws, fonte de água da cidade confiscada pelos oficiais israelenses em 2009 e atualmente de uso exclusivo dos colonos. O recurso era necessário para as plantações na aldeia e também funcionava como local de lazer, mas Israel restringiu a visita e proibiu a construção de qualquer tipo de infraestrutura no local pelos palestinos.
“Toda sexta-feira, os choques começam quando tentamos iniciar nosso protesto pacífico contra o assentamento que nos cerca”, conta a garota.
Depois dos primeiros protestos, as Forças de Defesa de Israel começaram a fechar todas as entradas e saídas da vila, impedindo a chegada de ativistas internacionais e de outras cidades palestinas e restringindo a manifestação às ruas da vila.
A presença militar de israelenses na vila palestina não é restrita às sextas-feiras. A emissora israelense Canal 10, junto com a B’TSelem, denunciou que os oficiais fazem rondas noturnas em Nabi Saleh, durante as quais invadem as residências dos palestinos e tiram fotos das crianças.
As Forças de Defesa usam as fotografias para identificar os menores que jogam pedras contra os oficiais nos protestos e, depois, vão às suas casas para prendê-los. Segundo a organização palestina Addammeer, que luta pelo direito dos presos políticos, o depoimento desses jovens é fundamental para Israel construir denúncias contra os líderes do movimento. Foi o interrogatório de uma criança de dez anos que levou à prisão de Bassem.
Ahed conta que os oficiais estão por perto “toda vez” que quer brincar com seus amigos, quando vai à escola e quando está em casa”.
Mesmo quando os soldados estão longe, os palestinos lembram diariamente que sua terra está sendo ocupada e confiscada. Nabi Saleh, assim como toda a Cisjordânia, é cercada por um muro de 10 metros de altura e por todos os lados da aldeia os apartamentos modernos dos colonos construídos ilegalmente em seu território podem ser vistos. A falta de parentes e amigos que estão presos ou foram mortos impede que essas pessoas se esqueçam da sua realidade.
Sonhos de criança
“Eu gostaria que toda a minha família fosse logo libertada, assim como todos os outros prisioneiros palestinos, e quero ver o meu grande sonho de um dia viver em uma Palestina livre”, declara Ahed.
O sentimento de tristeza e desespero, pesado demais para uma criança, preocupa os pais de Ahed. “Durante as visitas ao meu marido, Bassem me pediu que os corações dos nossos filhos fossem purificados de todo e qualquer ódio por conta das sementes de amor que plantamos neles”, conta Nariman, mãe de Ahed. “Agora, nós estamos esperando por redenção, felicidade, justiça e liberdade.”
A libertação nacional parece estar longe da vida de Ahed e dos Tamimi. Enquanto a família ainda enfrenta uma ordem de demolição de sua casa em Nabi Saleh, as autoridades israelenses já anunciaram que vão continuar com a expansão dos assentamentos nos territórios palestinos.
No entanto, o espírito de resistência dessa família não parece diminuir, apesar das seguidas provações pelas quais passaram. Metaforicamente, os Tamimi são a Palestina.
* Texto originalmente publicado no site Opera Mundi
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