A exposição a produtos químicos disruptivos hormonais é universal
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Desde antes da publicação do livro de Rachel Carson Primavera silenciosa (Silent spring, em inglês) há 50 anos, os cientistas já sabiam que certas substâncias químicas sintéticas podem interferir nos hormônios que regulam os sistemas mais vitais do corpo humano. Evidências do impacto na saúde de substâncias químicas chamadas disruptores endócrinos cresceram entre as décadas de 1960 e 1990. Com a publicação do livro Our stolen future por Theo Colborn, Diane Dumanoski e J. Peterson Myers, em 1996, muitas pessoas souberam pela primeira vez como tais exposições — à poluição industrial, pesticidas e contato com produtos de consumo, como plásticos — afetavam as pessoas e animais.
Em março de 2012, doze cientistas – incluindo especialistas como Colborn e Frederick vom Saal, da Universidade de Missouri — publicaram um artigo acadêmico que traz avanços significativos ao debate. A pesquisa, baseada na análise de 800 estudos científicos, conclui que é “notavelmente comum” que uma quantidade muito pequena de substâncias químicas disruptivas hormonais tenha efeitos prejudiciais na saúde humana. Essas substâncias, explica o artigo, desafiam um princípio fundamental da toxicologia: “a dose faz o veneno”. Ou seja, quanto maior a dose, maior o efeito. Disruptores hormonais não necessariamente atuam assim. Segundo os pesquisadores, efeitos significativos na saúde às vezes ocorrem mediante baixa dosagem ou exposição.
“A influência da baixa dosagem de compostos disruptivos endócrinos sobre enfermidades humanas deixou de ser uma suposição conforme estudos epidemiológicos mostram que exposições ao ambiente estão associadas a doenças e deficiências humanas”, escrevem os autores do artigo. O estudo, publicado no periódico Endocrine Reviews, sustenta que os efeitos da baixa dosagem e da resposta à dose especial de produtos químicos disruptivos hormonais significam que “são necessárias mudanças nos testes químicos e na determinação de segurança para proteger a saúde humana”.
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Substâncias
Nem todos os especialistas em biologia e toxicologia concordam com as conclusões do estudo. Alguns cientistas da academia, da indústria e da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA, na sigla em inglês) disseram que ainda não há nenhuma prova convincente de que dosagens extremamente baixas de disruptores endócrinos tenham efeitos nocivos à saúde ou produzam, consistentemente, efeitos não previstos em dosagens altas.
Centenas desses produtos químicos disruptivos hormonais foram agora identificados e a exposição a estes compostos é universal. Entre as substâncias que o novo artigo discute está o bisfenol A, usado em plásticos, revestimento de latas e alguns tipos de papéis. A substância também é encontrada, entre outros produtos, em pesticidas comuns; no metilparabeno, um conservante usado em cosméticos e produtos de higiene pessoal; e no triclosano, um agente antisséptico usado em sabonetes e pastas de dente.
Quantidades muito pequenas de hormônios, incluindo os do sistema endócrino — aqueles que regulam boa parte dos sistemas mais importantes do corpo humano, entre eles desenvolvimento, metabolismo e reprodução — podem ter efeitos biológicos significativos. O mesmo pode acontecer com compostos sintéticos de composições químicas similares.
Os efeitos sobre a saúde documentados nos estudos que o artigo analisa têm sido observados em animais, em estudos de cultura celular e de epidemiologia humana. Eles incluem impactos adversos na fertilidade e no desenvolvimento reprodutivo e sexual; na cognição e nos sistemas neurológicos; no funcionamento do sistema imunológico; e nos efeitos do metabolismo, como diabetes e obesidade. “O peso das evidências disponíveis sugere que os produtos químicos disruptivos endócrinos provocam uma vasta gama de consequências na saúde humana, que se manifestam em diferentes estágios da vida, do neonatal ao envelhecimento”, escrevem os autores.
Dosagem
Um conceito fundamental do artigo é que os produtos químicos disruptivos endócrinos são “não monotônicos”, o que significa que as respostas de animais ou pessoas às químicas não necessariamente se intensificam ou diminuem com base na dosagem.
Enquanto estudos epidemiológicos demonstram que a exposição a ambientes com disruptores endócrinos está associada a doenças humanas, ligar uma exposição química ambiental específica à enfermidade de um indivíduo continua difícil, principalmente com as diversas variáveis que contribuem para os desfechos da saúde — fase da vida, genética e outros fatores ambientais.
Alguns cientistas acreditam que é preciso pesquisar mais para confirmar como as substâncias disruptivas endócrinas se comportam. L. Earl Gray Jr., biólogo pesquisador no setor de Toxicologia Reprodutiva do EPA, disse que esses efeitos de baixa dosagem são “certamente plausíveis biologicamente”. Mas ele questiona se há evidências suficientes para confirmar as respostas não monotônicas dos disruptores endócrinos.
Os autores do artigo questionam quanto os testes nos produtos químicos a níveis baixos e ambientalmente relevantes irão melhorar a saúde humana. Embora ainda não seja possível quantificar perdas em dólares, evidências atuais, “que ligam a exposição à baixa dosagem de disruptores endócrinos a uma variedade de problemas de saúde, doenças e enfermidades, sugerem que os custos da exposição são provavelmente substanciais”, concluem.
Tradução por Jessica Grant
* Texto originalmente publicado pela revista eletrônica Yale Environment 360
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