Síria: canções ganham vida própria e servem de instrumento para população se posicionar contra ou pró Assad
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Foi-se o tempo em que, numa Síria serena e pacífica, ouvir as canções de Fairouz era um ritual frequente. Suas músicas bucólicas e emotivas emanavam doses de patriotismo das estações de rádio e ofereciam aos cidadãos uma breve pausa dos contratempos do dia a dia. A diva libanesa, de origem cristã ortodoxa, não fazia distinções e atingia sírios de todas as idades e crenças. No entanto, com a eclosão do conflito civil, a situação mudou drasticamente no cenário fonográfico do país. Na Síria de hoje, a música aparece como instrumento político capaz de insuflar ainda mais a já dividida sociedade. Suas letras, gêneros e intérpretes servem de combustível para mobilizar tanto detratores quanto partidários do governo de Bashar al Assad.
Tudo começou com um jovem chamado Hamwee Ibrahim Qashoosh e sua aparição na cidade de Homs, cantando “Yalla irhal ya Bashar” (“Fora, Bashar”) [no vídeo abaixo]. Por conter trechos abertamente antirregime, a canção, de sua autoria, logo virou uma espécie de hit das manifestações — alguns versos zombavam do presidente Bashar e acusavam seu irmão Maher de ser covarde por ter colaborado com os norte-americanos. Em julho de 2011 veio a resposta do governo: em uma retaliação brutal, Qashoosh foi preso e morto por forças de segurança. De acordo com o site Al Monitor, com a morte do autor, a canção assumiu traços icônicos; os notórios versos chegaram a ser utilizados em uma produção do rapper sírio-americano Omar Offendum [segundo vídeo abaixo].
Pró-governo
O regime de Bashar al Assad não deixou por menos e também armou seus aliados no front fonográfico. Um dos artistas mais leais é Ali al Deek, cantor alauita da mesma seita de que veio Assad. Logo no início do embate, al Deek correu para lançar o hino “Bom Dia Síria”, celebrando a paz e a beleza da terra natal. Mais tarde, quando o conflito engrossou, produziu algo mais direto, em apoio a Assad, “o orgulho da nação árabe”. No videoclipe de “Meus Olhos, Deus Síria… Síria al-Assad” [no vídeo abaixo], há pessoas segurando bandeiras em apoio ao presidente. Pessoalmente, al Deek é ainda mais explícito em suas convicções políticas. Há alguns meses, em um pequeno concerto para uma plateia pró-regime, em Cleveland (EUA), o cantor caçoou dos “inimigos da Síria”, entre os quais, o presidente Barack Obama.
Pró-revolução
O Exército Livre da Síria também tem seus representantes no meio musical. Um dos mais ferrenhos críticos ao governo é o artista Yahya Hawwa, neto de um membro da Irmandade Muçulmana assassinado pelo pai de Assad nos anos oitenta. Jovens rappers também encabeçam a lista de autores de canções pró-revolução: Mc Roco permanece escondido e posta suas músicas no YouTube [no vídeo abaixo]Ahmad al Khalaf faz raps em inglês para tentar atingir públicos internacionais. Os rebeldes também têm o apoio de grupos jihadistas, como os salafistas, que acreditam que o uso de instrumentos na execução musical é uma prática não-islâmica. Mas isso não impedia que alguns eventos organizados pelo grupo al Nusra lembrassem a atmosfera de shows de rock, com a plateia pulando e cantando.
Meio termo
Em meio ao cenário de guerra civil que divide o país, ainda há uma pequena maioria que resiste à polarização e pede esperança em suas canções. É o caso de Mir (“paz”, em russo) [no vídeo abaixo], dupla da capital Damasco, que compõe músicas de união pedindo para que a Síria supere as divisões políticas.
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