Enilson Hermínio
Foliões no carnaval de 2013, no Recife, fantasiados de Facebook: Brasil entre os países com maior adeptos da rede
Pedem-se, dão-se, acumulam-se. Eles ajudam a popularizar fotos de férias, empresas milionárias, causas que pareciam perdidas. Representam uma das maneiras mais rápidas de se comunicar atualmente: um único clique nos poupa a tarefa de digitar letra por letra nossas próprias opiniões, aprovando fotografias, apoiando pronunciamentos ou solidarizando-se com esses híbridos chamados “status” (isto é, respostas à vaga pergunta “No que você está pensando?”). Os “curtir”, aparentemente, triviais, são o coração do Facebook.
Em 2012, houve 2.700 milhões deles… por dia. É provável que tenham contribuído para inflar os egos de milhões de pessoas, elogiando com sua muda eficácia as novas fotos de perfil e deixando evidências de que foram postadas, vistas e, em termos gerais, de que agradaram. Certamente, é muito pertinente falar de “termos gerais”, já que, como sabemos por nossa própria experiência, “curtir” não tem o mesmo valor para todos os usuários do Facebook. Habilitado oficialmente no dia 9 de fevereiro de 2009, o “curtir” estava inicialmente associado ao consumo (de produtos ou de estrelas de rock, mas, no fim das contas, sempre do consumo). No entanto, com o passar dos anos e o desenvolvimento de novas práticas por parte dos internautas, foi convertido também em um modo simples de expressar apoio ou aprovação, tanto em relação a um conjunto de ideias em geral, quanto a uma outra pessoa em particular.
O transcorrer do tempo também foi moldando o significado de receber uma “curtida”. Para os investigadores da Universidade Livre de Berlim, por exemplo, receber um “curtir” ativa zonas do cérebro relacionadas ao prazer. Esta presumida excitação neural ocorre nas mesmas áreas estimuladas pelo dinheiro, pela comida e pelo sexo. Curtem tanto assim o “curtir”?
Região virtual
O Facebook está ganhando o interesse de muitos cientistas sociais. A maioria deles tenta esclarecer o quanto existe de certeza naquela percepção generalizada de que uma parte da vida virtual “avança” sobre a vida real e, especialmente, que papel desempenham nisso as redes sociais. Pelas cifras, a região mais virtual do planeta é a América Latina: dos 10 países do mundo mais apaixonados pelo Facebook, cinco se encontram nela (Argentina, Brasil, Peru, Chile e México). Nós, latino-americanos, passamos em média mais do que 8 horas mensais na rede criada por Mark Zuckerberg.
Para além dos números, a pergunta é como são essas horas passadas na rede social, quer dizer, como se preenchem e que efeitos geram em seus usuários. A resposta não é surpreendente: tudo depende de como se utiliza o Facebook.
Investigando o comportamento de 1.200 usuários, a americana Moira Burke identificou duas formas predominantes de utilização da rede social para a comunicação com outras pessoas: Composed Communication e One-Click Communication. A primeira, composta majoritariamente por comentários e mensagens diretas, incide favoravelmente sobre o ânimo dos usuários, fazendo com que eles se sintam menos solitários. A segunda, dominada pelos “curtir”, não produz, por sua vez, nenhum efeito positivo.
Mas isso não é tudo: Burke afirma que, no Facebook, as pessoas experimentam uma sensação mais genuína de comunicação quando mantêm conversas “semipúblicas” (por exemplo, em uma série de comentários gerados por um único post), do que quando falam na vida privada. Ou quando se limitam a deixar seu “curtir”, condenado como contato superficial.
Flickr/retinafunk
“Curtir” impresso aprova o Fusion Festival 2010, em Mecklenburg, Alemanha
Fonte de informação
Para os analistas de marketing, trata-se de um novo tesouro. Os inumeráveis “curtir” que um usuário atribui a marcas, personagens ou qualquer outra coisa que no Facebook se constitua como página, permitem traçar um perfil de consumidor notavelmente detalhado. Na era digital, você é aquilo que você curte.
A riqueza dos “curtir” como fonte de informação sobre todos nós não deve ser subestimada. A partir da análise do vasto arsenal de likes que uma pessoa deixa, dia após dia, durante suas passagens cotidianas pelo Facebook, não é difícil inferir todos os tipos de características pessoais: desde crenças religiosas e coeficientes intelectuais até preferências políticas e orientação sexual.
Acadêmicos da universidade britânica de Cambridge analisaram o assunto estudando 58 mil casos. A investigação centrou-se na análise única e exclusiva dos “curtir”. Sendo assim, foram aplicados modelos estatísticos que esboçaram perfis médios e comparados os resultados com dados proporcionados pelos usuários. A coincidência final foi alta em vários itens: 85% ao se verificar se o candidato era democrata ou republicano e 82% quando se tratava de catalogar a pessoa como cristã ou muçulmana.
Aqui, vale observar o seguinte esclarecimento feito pelos pesquisadores: não são muitos os usuários que deram likes em ícones que refletiam de um modo explícito qualquer traço biográfico. Por exemplo, apenas 5% dos usuários gays incluídos na pesquisa haviam “curtido” o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo.
Paixão desmedida
O curtir é, em suma, uma ferramenta de compilação de dados cujo funcionamento endossamos tacitamente com nosso “ok” na página de política de privacidade, em que se diz, dentre outras coisas, que “permitimos que os anunciantes selecionem características dos usuários para os quais querem exibir seus anúncios” e muitos etcéteras.
Essa massa de informações classificadas com o eufemismo “características dos usuários” é um capital muito tangível do qual as grandes marcas têm sabido se apropriar. Empresas como Wal-Mart, Starbucks, Samsung Mobile e Oreo contam com “likes” na casa das dezenas de milhões. Estas empresas, no entanto, são apenas a ponta da enorme montanha de clicks que constroem a fidelidade dos consumidores a um produto, uma marca ou uma personalidade. Porque a trajetória de acumulação de “likes” começa desde muito antes.
A paixão desmedida de muitos cidadãos de Bangladesh por abobrinhas e pelo desenho animado escocês “Sir Billi” chamou a atenção do jornalista britânico Charles Arthur. Parecia no mínimo curioso que a maioria dos “likes” em ambas as páginas do Facebook provinham justamente de pessoas e endereços IP de Bangladesh. Arthur não demorou para descobrir aquilo que batizou como “granja de cliques”, montada com a única finalidade de gerá-los e vendê-los pela melhor oferta. “Quer conseguir muitos polegares pra cima, aumentando a reputação digital de sua empresa? Pague por eles”.
Arthur constatou, além disso, que um tal Russell trabalhava como capataz do empreendimento e que seus empregados cobravam 15 dólares para cada mil curtidas. Segundo ele, haveria cerca de 25 mil pessoas envolvidas nessa forma de tráfico movido a tração humana, que evita justamente usar “boots” (sistemas automatizados) porque o Facebook seria capaz de detectá-los. Os clientes são empresas de todos os tipos e tamanhos, que querem evitar a incerteza ou desejam exibir um êxito instantâneo nas redes sociais.
Flickr/greenoid
Protesto pela liberdade de expressão em Berlim (2013): versão livre para o ícone “não curtir”
Usos imprevistos
Em contraste aberto com os “likes” apócrifos de Bangladesh, muitos cidadãos do mundo todo canalizam, no Facebook, sua adesão genuína a causas de todos os tipos, incluindo campanhas políticas. O caso do carcereiro americano Danny Carter é, nesse sentido, revelador, não tanto pela ação em si mesma, mas antes pelo debate subsequente que ela gerou com seu clique.
Carter deu um “curtir” na página do Facebook do rival político de seu chefe, um xerife da Virgínia que desejava ser reeleito para seu cargo. Segundo Carter, ele foi despedido em seguida e, por isso, levou o caso à justiça, alegando que havia sido despedido por razões políticas.
No entanto, para o juiz do distrito, Raymond Jackson, dar um “curtir” não tem nada a ver com liberdade de expressão: é “muito ambíguo”, sustentou, considerar que as “expressões de um clique” devam ser protegidas pela Primeira Emenda. “Às vezes, as pessoas me dão um ‘curtir’ para que acesse uma página ou simplesmente por acidente”, disse.
A “teoria dos likes acidentais” não foi bem recebida pelos ativistas em favor da livre expressão, nem pelos próprios representantes do Facebook, para quem o “curtir” deve ter o mesmo status que um cartaz de “VOTE EM…” cravado sobre o gramado de qualquer subúrbio.
O “curtir”, em suma, teve usos previstos e imprevistos, e cada um dos membros da rede social mais popular do mundo (e, vale a pena lembrar, são mais de um bilhão) o usa de acordo com sua personalidade e com uma grande série de variáveis que seria muito complicado detalhar. O que se esqueceu no caminho foi o botão perdido “não curtir”, uma ideia que nunca se concretizou. Uma lástima.
Tradução Henrique Mendes
* Texto publicado originalmente em el puercoespín, revista digital sobre política, jornalismo e cultura, com sede na Argentina. Siga o autor no Twitter: @andrubacegalupo
NULL
NULL